UM LEMA CARREGADO DE FUTURO

Vicente Del Bosque - o homem que dirigiu a selecção de futebol da Espanha, vencedora do Mundial, na África do Sul - começou como futebolista.
Jogou em vários clubes espanhóis, incluindo o Real Madrid, com o qual manteve sempre uma forte ligação, quer como jogador quer como treinador, e pelo qual foi sempre muito maltratado.
Na sua carreira de treinador, passou por vários clubes não só de Espanha.

A dada altura, treinou durante três épocas o Real Madrid e, com ele, o clube ganhou:
duas Ligas dos Campeões europeus; uma Taça Intercontinental; uma Super Taça europeia; dois Campeonatos de Espanha; duas Taças de Espanha - após o que foi despedido de forma humilhante.

Despedido porquê?: porque o dono do Real Madrid, Florentino Perez, entendeu que Del Bosque (que tinha vencido tudo) não tinha «o perfil necessário» para dirigir a «equipa galáctica», onde pontificavam nomes como Zidane, Figo, Roberto Carlos, Ronaldo, Beckam...

E substituido por quem?
O treinador escolhido para o substituir - por ter o «perfil necessário», obviamente - foi Carlos Queiroz.
Infelizmente para o Real Madrid, o «Professor», além do «perfil necessário» não tinha mais nada e, com ele, o clube perdeu, galacticamente, todas as competições em que participou.

Del Bosque reagiu sempre a estas situações com grande dignidade, sem alardes, sem declarações bombásticas, sem se deixar arrastar para os folhetins mediáticos que tradicionalmente enfeitam tais casos.
Talvez por isso, quando, em 2008, foi chamado a dirigir a selecção de Espanha, os média cairam-lhe em cima: aquele bigode que já não se usa; aquele rosto de Ásterix, aquelas tácticas ultrapassadas... - enfim, o homem não tinha o «perfil necessário», não é verdade?...
E quando a Espanha perdeu o primeiro jogo no Mundial, com a Suiça, foi o fim do mundo...

No entanto, Del Bosque não desistiu de lutar e de incitar os seu jogadores à luta, deixando claro, desde logo, que «se perdermos, a culpa é minha»...
E ganhou. Justamente.
Porque não desistiu de lutar.

Resta dizer que Del Bosque, que se assume como homem de Esquerda, tem um lema para a sua vida: «Temos de nos manter sempre fiéis aos nossos princípios».
Um lema que, diz ele, aprendeu «com os velhos ferroviários», amigos de seu pai, também ele ferroviário - e lutador, que passou três anos nas prisões fascistas de Franco, e se manteve sempre fiel aos seus princípios.

Um lema carregado de futuro.

12 comentários:

svasconcelos disse...

Grande lema!
História grandiosa, a deste homem...E ainda mais grandiosa é a dignidade que sempre demonstrou.
Obrigada por a relatares.
beijo,

do Zambujal disse...

Gostei mesmo de ler. Não sabia nada do que contas. Sabia, isso sim, e não sabia porquê, que tinha gostado muito da equipa de Espanha contra a Alemanha e contra a Holanda. Foi uma equipa, com trabalho colectivo, bem preparada, tacticamente, aproveitando de cada um o que cada um podia dar ao colectivo. Agora sei...

Obrigado.

(Ah! e devo dizer que não me consigo libertar totalmente de um antigo preconceito futebolístico que ganhei no velho Estádio Nacional. A de que o hino nacional terminava não "contra o canhões marchar" mas contra os espanhois marchar"...)


Abraço

samuel disse...

É assim, com relatos destes, que se começa a gostar de coisas que se desconheciam... de pessoas...

Abraço.

Afonso Leitão disse...

Caro Sr. Fernando Samuel,

Se me permite vou contar uma pequna história: em Junho de 2002 o Real Madrid foi campeão de Espanha. Conquistou o título na última jornada do campeonato no Santiago Bernabéu diante do Atlético de Bilbau. Tive a felicidade de assistir a essa partida no estádio e, em conversa com pessoas de nacionalidade esponhola que me acompanhavam, apercebi-me do carinho e admiração que os adeptos merengues sentiam por Del Bosque. Percebi que admiravam nele o espirito de combate e o afecto que ele tinha pelo clube e jogadores. Quando nesse Verão soube da sua saída por ordem desse tal Perez (vê-se que é daqueles boys do regime) especulei de imediato pelo declinio do Real Madrid por vários anos. E assim foi. Aliás, quem dirigia a equipa do Real Madrid, considerado "favorito" para vencer todos os anos a Champions, que venceu pela última vez essa competição foi precisamente Del Bosque (em 2001 diante do Bayern Leverk.). É um Homem que sempre admirei, e que, por acaso, já foi em algumas ocasiões sondado para vir para o Benfica.
Por seu turno, apreciei bastante o cumprimento muito caloroso feita pelo Rei Juan Carlos a Del Bosque, o que é ilustrativo de todas as qualidades que o caractirizam, e que tão bem foram explanadas no post.
Finalmente, de dizer 2 coisas: 1) que esse tal "Professor" não merece ser referenciado. Esse "doutorzinho" é precisamente o inverso de Del Bosque: este é corojoso, o outro curva-se perante um jogador que foi totalmente torpe na selecção neste Mundial que foi Cristiano Ronaldo; 2) aquele miúdo, portador de uma defeciência, que estava na recepção feita por Zapatero, é filho de Del Bosque, e, portanto, mereceu com justiça festejar junto dos jogadores, e de seu pai, Del Bosque.

Desculpe ter alongado, mas gostei do post, do tema tratado, e que permitiu ver o lado mais humano dos protagonistas do futebol, para além de ter sido um post que, em certa medida, se afasta do paradigma do comentário estritamente político.

Cumprimenta cordialmente,
Afonso Leitão

Graciete Rietsch disse...

Acho que vou começar a gostar de treinadores de futebol. Eu sempre dizia que o mérito era dos jogadores mas afinal há treinadores e treinadores!!!!!!

Um beijo.

Op! disse...

A partir do momento em que os clubes têm um "dono", deixando de pertencer aos sócios, só se pode esperar que sejam dominados pela lógica do lucro. Obviamente que depois disso a competição passe para segundo plano, sendo os "bons negócios" o principal do clube. É isto que se passa: não se compram bons jogadores para ganhar campeonatos, traficam-se jogadores para obter lucro; perda de capitais do clube agora centralizados nos bolsos de um; gestão antidemocrática e antidesportiva...

Antuã disse...

Desconhecia a costela de esquerda deste treinador.

Fernando Samuel disse...

smvasconcelos: A fidelidade aos princípios é a prova real de... muita coisa...
Um beijo.

do zambujal: de facto, foi esse funcionamento colectivo, aliado a uma forte determinação colectiva e a uma enorme confiança dos jogadores no treinador, que esteve na origem da vitória.
Um abraço.

samuel: histórias que os média dominantes fazem por esconder...
Um abraço.

Afonso Leitão: obrigado pela visita e pelo comentário.
Um outro aspecto bem elucidativo do humanismo e do carácter de Del Bosque é o que você refere: toda a história familiar daquele menino portador de deficiência, filho de Del Bosque - e do sorriso aberto, carinhoso, terno com que o pai o recebeu...
Saudações fraternas.

Graciete Rietsch: o futebol é (deve ser) um jogo em que o colectivo é que conta...
Um beijo.

Membro do Povo: uma gestão dos clubes bem à maneira da gestão dos países...
Um abraço.

Antuã: os média não gostam muito de falar destas coisas...
Um abraço.

Maria disse...

Desconhecia em absoluto o que acabei de ler.
É bom saber que ainda há gente decente, com 'um lema carregado de futuro', na indústria cilindrante que é o futebol.

Um beijo grande.

Miguel Jeri disse...

Desconhecia a história. Por isso só me resta deixar um grande obrigado pela partilha.

Manuel Norberto Baptista Forte disse...

Del Bosque, como cidadão é um bom exemplo para qualquer um. Sabe estar não se desvirtuando.

Nelson Ricardo disse...

Desconhecia o aspecto político de Del Bosque. De facto, a calma e inteligência com que o vemos no banco durante os jogos só pode advir de tão boa lição aprendida ao longo da vida.

Um Abraço.