O MEU REGRESSO A MARX...

A crise actual do capitalismo - provavelmente a mais grave e profunda em toda a sua história - tem suscitado múltiplas referências a Marx - e ao que tem vindo a ser designado por «regresso a Marx».

É claro que «regressa a Marx» quem dele se afastou, quer arrumando-o na prateleira dos «ultrapassados» ou «desactualizados», quer pelo receio (leia-se: medo) de - em tempo de «triunfo definitivo do capitalismo», do «fim da história», etc... - irritar os donos da nova ordem imperialista decorrente do fim da União Soviética e da comunidade socialista do Leste da Europa.

E é claro que, para os que não desistem da construção de uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e exploração - a sociedade socialista e comunista - Marx constituiu, constitui e constituirá, sempre, uma referência fundamental.
Isto porque, como sabemos, está ligada a Marx, e tem o seu nome, a visão do mundo mais avançada, autênticamente científica, que armou a humanidade e a classe mais revolucionária, o proletariado, com um instrumento de conhecimento e transformação do mundo;
está ligada ao nome de Marx a transformação do socialismo de utopia em ciência e a fundamentação teórica profunda da queda inevitável do capitalismo e da vitória do comunismo;
está ligado ao nome de Marx o aparecimento do movimento comunista internacional e dos primeiros partidos revolucionários da classe operária, que fizeram suas as ideias do comunismo científico;
está ligada ao nome de Marx a transformação do movimento expontâneo dos operários contra o jugo do capital numa luta de classe consciente pelo derrubamento do capitalismo e pela reorganização revolucionária da sociedade em bases socialistas.

E é porque tudo isto - e certamente muito mais - está ligado a Marx e apresenta hoje tão grande validade como a que apresentava no seu tempo, que temos vindo a assistir ao surgimento de um conjunto de alertas e prevenções em relação... ao pensamento de Marx - especialmente, como não podia deixar de ser, no que diz respeito à formação e ao desenvolvimento do marxismo na sua estreita ligação com a luta de classe do proletariado visando a liquidação do capitalismo e a construção do socialismo.
E esta é, obviamente, uma outra forma - bem ajustada à realidade da crise actual do capitalismo... - de «afastar» Marx, fingindo que não...

Em entrevista recente, o historiador Eric Hobsbawm, sublinhando a necessidade de voltar a ler Marx (de «regressar a Marx»...), alerta e previne a dada altura:
«Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda enquanto não se compreender que os seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para compreender a natureza do desenvolvimento capitalista».
(e, em abono da sua tese, remete o leitor para ... os rascunhos de Marx não publicados no seu tempo: os «Grundrisse», que são resumos dos fundamentos da sua crítica da economia política, e que, porque só publicados nos anos setenta, «não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo do socialismos soviético». Pois... Ao que parece, para Hobsbawm, os rascunhos valem mais do que a Obra publicada...)

Estou em crer que esta visão de Marx e do seu pensamento, contradizem... Marx e o seu pensamento.
Em resumo: é como se Marx tivesse dito, não o que disse, mas qualquer coisa do género: O que importa é explicar o mundo e não transformá-lo...

Assim, depois de ler esta entrevista, vou regressar a Marx, que é como quem diz: vou regressar às boas companhias...
Para já relendo, por exemplo, a Crítica ao Programa de Gotha - sem dúvida um dos principais documentos programáticos do comunismo científico, no qual Marx desenvolve as suas ideias sobre o carácter do período de transição do capitalismo para o socialismo, sobre o papel e a evolução do Estado e sobre as duas fases do desenvolvimento da sociedade comunista...

14 comentários:

Anónimo disse...

O que importa é transformar o mundo e continuar a nossa luta!
Abraços

samuel disse...

Dava jeito a muita gente que esta renovada "curiosidade" sobre a explicação marxista da economia e do mundo, se ficasse, quando muito, por umas conversas ou leituras muito teóricas...
Francamente, prefiro um bom engenheiro aeronáutico que me faça voar do que outro, igualmente competente, mas que se fique pela exaustiva explicação dos princípios do voo.

Abraço

Maria disse...

Oiço dizer por aí que há muita gente a regressar a Marx, prova disso foi o aumento da procura do Capital nalgumas livrarias...

Beijo grande.

Chalana disse...

Tenho pena! Hobsbawm é um dos mais interessantes historiadores contemporâneos. As suas "Eras" são livros muito, muito bons.

Mas esta estória do "marxismo civilizado" por oposição ao "marxismo dogmático" é uma cantilena com muito, muito tempo...

Anónimo disse...

Nenhum outro sistema sobreviverá ao Maxismo, porque o Marxismo - é justiça social, admito que outra forma mais justa possa acontecer, mas,só depois de o Mundo ter adoptado defenitivamente o Marxismo!
Esta é a minha opinião; ela vale o que vale!
Abraço

Fernando Samuel disse...

ludo rex: como Marx disse...
Um abraço.

samuel: eis um exemplo bem... marxista.
Um abraço.

maria: isso só por si tem um valor concreto, mas...
Um beijo grande.

chalana: sem dúvida que é; sem dúvida que as suas Eras são excelentesa livros; mas sem dúvida que esta entrevista é a tal «cantilena»...
Um abraço.

poesianopopular: vale o que vale e vale muito.
Um abraço.

Ana Camarra disse...

Esperemos que não seja só estudo académico.
De facto o Marxismo está cada vez mais actual.

beijos

Anónimo disse...

O Hobsbawm vale pela sua obra enquanto historiador. Para mim, mais do que as "Eras" (das revoluções, do capital, do império, dos extremos) são os seus estudos sobre a história da classe operária que merecem estudo. Do ponto de vista da sua visão política, pouco se pode retirar do mesmo. Portanto, uma coisa é a leitura de obras como "Trabalhadores" e "Mundos do trabalho" - publicados no Brasil - que oferecem excelentes retratos da história e da cultura da classe trabalhadora. Outra coisa é a avaliação reformista desse autor sobre o mundo. A primeira é de salientar, a segunda é de rejeitar e criticar como foi muito bem feito neste post.

A propósito, os Grundrisse são uma obra muito importante, mas devem ser lidos em referência ao Capital. Por outro lado, não há nada ali que contradiga o marxismo clássico a que os reformistas e outros chamam de "ortodoxia". Não sei onde o Hobsbawm foi desencantar essa. Penso que este exercício é muito análogo às teses que tentam separar Marx de Lenine, que tentam separar o Marx do seu papel de revolucionário-intelectual-militante, que tentam colar noções reformistas a uma obra e a um autor identitariamente revolucionário e comunista.

Um abraço

Anónimo disse...

Entre os que regressam ou vêm pela primeira vez muitos vêm para ficar.

Chalana disse...

"Entre os que regressam ou vêm pela primeira vez muitos vêm para ficar."
Antuã dixit!

Sobretudo os que vêm pela primeira vez, camarada, que ainda poucos preconceitos têm.

Uma simples indicação: nos cursos de filosofia da Universidade Nova de Lisboa nem sequer ensinam Marx!!!!

Ensinam Tomás de Aquino, Platão, etc., etc., mas Marx não! Porquê? Dizem que ewstá "desactualizado" como se Tomás de Aquino ou Platão fossem autores cuja obra seja muito actual, ou actuante...

Enfim! Como escreveu o antero de Quental: o povo só será iluminado quando as universidades estiverem a arder

Fernando Samuel disse...

ana camarra: e é cada vez mais necessário.
Um beijo.

joão valente aguiar: concordo contigo, quer em relação à obra do Hobsbawm, quer no que respeita aos Grundrisse - tudo isto mostra bem os «argumentos» a que recorre a ofensiva ideológica anticomunista.
Um abraço grande.

antuã: e muitos ficarão.
Um abraço.

Hilário disse...

Para um verdadeiro marxista o que importa é transformar o mundo e não sómente explicá-lo.
Um Abraço

Anónimo disse...

Excelente, Fernando Samuel. A isto chamo "vigilância revolucionária". Que é verdadeiramente imprescindível neste momento em que a ideologia do capitalismo e anti-comunista de tudo se serve, até (ou sobretudo) de escorregadelas de gente com credibilidade... mas que não são marxistas.
O "regresso a Marx", respondendo a uma objectiva necessidade para se entender o que se passa 160 anos depois do Manifesto, e do que a contribuição para o estudo da economia política, que se lhe seguiu, veio trazer de verdadeiramente indispensável, vai ser também o regresso a muita marxologia, marxolofobia disfarçada de marxolofilia, a muita contrafacção.
Não pode haver um momento de distracção ou de facilitação.
Boa, F.S. Um grande abraço

Fernando Samuel disse...

hilário: como Marx disse...
Um abraço.

do zambujal: tenho cá um «pressentimento» que vai aparecer por aí muita gente a tentar apropriar-se do Marx... para defender o capitalismo...
Um abraço.