BRANQUEAMENTOS...

Anteontem, o DN anunciou um novo livro da historiadora Irene Flunser Pimentel (IFP) : «Biografia de um Inspector da PIDE - Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português» - e entrevistou a autora.
Ontem, segundo me disseram, IFP foi entrevistada na RTP a propósito desse livro.
Hoje, o JN, traz notícia destacada sobre a mesmo assunto.
E não tenho dúvidas de que o livro vai ser objecto de muitas mais notícias, entrevistas e outras prosas laudatórias - tal como aconteceu com a anterior obra de IFP, «A História da PIDE» (a que já aqui fiz referência)

Não li, ainda, esta Biografia e, portanto, não vou pronunciar-me sobre ela.
Li a entrevista da autora ao DN e é sobre ela que aqui deixo um breve apontamento.
É curioso que a primeira pergunta do entrevistador tenha sido a seguinte: «Não receou que esta Biografia de um Inspector da PIDE se transformasse num branqueamento dessa polícia política?».
E é ainda mais curiosa a resposta da entrevistada: «Claro que sim», logo acrescentando que não faz «a defesa de Fernando Gouveia», embora admita que «fazer uma biografia de alguém é sempre enaltecê-la um pouco»...
Bom, fico-me por aqui e aguardo a saída do livro.
Recordo, entretanto, que IFP integra a corrente historiográfica (chamemos-lhe assim...) que tem vindo a proceder a uma poderosa operação de branqueamento do fascismo, sustentada na tese segundo a qual em Portugal não existiu fascismo...
Recordo, ainda, que na sua «História da PIDE», IFP revelou uma não ocultada admiração e um indisfarçável fascínio pelo pide Fernando Gouveia...

Entretanto, o Público de hoje anunciou o lançamento, até final deste ano, de um novo livro de IFP: uma «fotobiografia do cantor e compositor José Afonso».
E perante esta notícia confesso-me impressionado com a versatilidade e a multiplicidade de apetências de que IFP dá prova...
Com efeito, passar do Inspector da PIDE ao ZECA, não é apenas passar da besta ao GÉNIO, é também passar do fascista ao RESISTENTE ANTIFASCISTA, do carrasco à VÍTIMA.
A não ser que esta «fotobiografia» seja também uma operação de branqueamento - neste caso de auto-branqueamento...

28 comentários:

Maria disse...

Mais um livro que eu NÃO vou comprar, Fernando Samuel. Nem o do Zeca, apesar de ser sobre o Zeca (será?)
Quando a autora admite que "fazer uma biografia de alguém é sempre enaltecê-la um pouco» está tudo dito...
Tem cuidado com o fígado, Fernando Samuel. Ele ressente-se destas leituras, também...

Um beijo grande

Anónimo disse...

Esperemos para ver o tal livro. No entanto deixo aqui uma definição dada pelo Historiador Luís Reis Torgal acerca dessa época: 'O Estado Novo, digamos assim, para simplificar, significa o período do nosso fascismo à portuguesa, com Antonio Oliveira de Salazar e Marcelo Caetano, e que vai desde mais ou menos 1930 até 1974'
Parece-me que não haverá dúvidas...
Abraço

Anónimo disse...

Poucas dúvidas me restam de ser um auto-branqueamento e mais, uma hipótese de tirar maiores proventos, ganhando (?) através de duas vertentes.

Fernando Samuel disse...

maria: Oh, se ressente!... eu que o diga!
Um beijo grande.

ludo rex: sobre o livro, em concreto, só poderemos ter opinião depois de o ler - embora os sinais já vindos a público nao sejam particularmente promissores...
Um abraço.

maria teresa: as duas coisas, muito prvavelmente. Aliás, é também para vender mais que a autora escreveu aquele subtítulo: «Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português»...
um beijo amigo.

Anónimo disse...

... nem com o Zeca a fazer de OMO, aquele que lavava mais branco...

Anónimo disse...

Esta mulher, escreve por encomenda!
Só pode ser vista desta forma, não acredito que venda o suficiente para cobrir as despezas, a não ser que venda para (colecionadores)que os comprem ás centenas, o jornal"Público" tambem dá prejuízo, e no entanto sai todos os dias, isto é tudo farinha do mesmo saco!
Abraço

Chalana disse...

Isto é tudo duma grande miséria moral e intelectual!

É bem sabido como certos elementos esquerdistas e (SOBRETUDO) ex-esquerdistas, à viva força querem vender a ideia de que nos últimos anos do "Estado Novo", oposição eram eles!

É bem sabido como o ICS e o Inst. de História Contemporânea da Nova são feudos dos tais esquerdistas arrependidos e dos social-democratas de sempre!

É bem sabido como o avô dos esquerdistas portugueses (Francisco Martins Rodrigues) delatou na prisão, entregando à PIDE a sua própria (e escassa) organização!

É bem sabido, como esses grupos esquerdistas gastavam mais energia a combater o PCP do que a ditadura!

É bem sabido como a PIDE era mais violenta para com os comunistas do que com os outros opositores. E também se sabe bem como um operário ou campoês era muito mais violentado nos calabouços do que um estudante universitário com origens em famílias bem!

Veja-se como nunca tocaram o Marocas Soares, nem sequer com uma pena!

É bem sabido todo o extenso rol de crimes do regime fachista: a guerra colonial de 13 anos foi apenas o ex-libris da sua política genocida!

É bem sabido como a PIDe foi treinada pela Gestapo!

É bem sabido como Salazar foi sócio de Franco no garroteamento da Peninsula durante décadas!

E podiamos continuar ad eternum!

Tudo está tão bem sabido, que certas coisas só podem meter nojo e asco

Ana Camarra disse...

Ai, ai, ai, grande salifré!
O que eu gostava era que a familia do Zeca a pudesse impedir.
De facto é uma baralhada, a senhora deve ser o Nuno Rogeiro das Biografias!
Enaltecer PIDES, pois devem de andar a aprender com os italianos, afinal seria bom recordar que Rosa Casaco continua á solta e que Salgueiro Maia nunca teve pensão atribuida pelos alto serviços prestados á pátria, no entanto alguns Pides tiveram direito!

beijos

samuel disse...

Sobre o Zeca, só me conta histórias quem eu muito bem "entender"... e não é esta senhora!

Abraço

Anónimo disse...

Onde é que esta estoriadora vendeu a dignidade?!...

Fernando Samuel disse...

do zambujal: não há OMO que chegue...
Um abraço.

poesianopopular: e talvez venda muito.
Um abraço.

chalana: e trouxeste aqui um excelente conjunto de exemplos.
Um abraço.

ana camarra: este gouveia foi dos poucos a ser julgado - e foi absolvido...
Um beijo.

samuel: esse é que é essa...
Um abraço.

antuã: sabe-se lá...
um abraço.

Anónimo disse...

Ó Fernando Samuel, o seu artigo é muito parecido com outro do José Casanova publicado no Avante. Quem é o plagiador, é você ou o Casanova?

Chalana disse...

Eu acho que o plagiador é o Toni! Sabes como é: defesas centrais nunca são propriamente, os criativos da equipa... Mas isto sou eu a dizer. Eu que era chamado de "pequeno genial", plagiado na alcunha que puseram ao Napoleão Bonaparte

Anónimo disse...

Vamos a ver se o Chalana finta mais esta:

************
"O Avante de hoje, lido na versão on-line, publicava um artigo de José Casanova, Director do órgão central do Partido Comunista, em que acusava Irene Pimental de «branquear o fascismo» a propósito do recente livro daquela historiadora Biografia de um Inspector da PIDE – Fernando Gouveia e o PCP. O texto integral do artigo foi transcrito por Joana Lopes (http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2008/10/avante-um-pouco-de-rigor-se-no-der.html). Não sei se por este motivo ou por outro, a edição do Avante on-line, de hoje, 30 de Outubro, desapareceu. Isso mesmo: foi apagada. Num primeiro momento apagaram a edição; e num segundo momento, que se mantém ainda (sexta-feira, 31, às 00.40 h) meteram on-line a edição da semana passada, de 23 de Outubro. De que se envergonhará o Avante na ocultada edição de hoje?"
http://hojehaconquilhas.blogs.sapo.pt/
****************

Chalana disse...

Fintaram melhor Messi & Maradona. A mesma jogada, o mesmo génio, os mesmos golos DENTRO de campo

http://br.youtube.com/watch?v=kk29pbhu544

João Filipe Rodrigues disse...

Caro Sr. Álvaro Magalhães,

Mas que grande perseguição, já se deu ao trabalho de fazer contas à as datas dos artigos ao menos?

De facto são os dois artigos abordam exactamente o mesmo assunto, de forma diferente pois não são ipsis verbis um do outro.

Ora façamos então as contas, o artigo que V. Exa. se refere foi publicado no Cravo de Abril na quarta-feira, dia 29 de Outubro de 2008, pelas 14:30 (digo a hora pois, como tenho poderes de administrador do blog, consigo confirma-la); o artigo publicado por José Casanova no Jornal AVANTE!, sai à quinta-feira. Calculo, porque não tenho a certeza, que seja impresso na quarta-feira, logo deverá estar pronto para edição provavelmente às terças-feiras.

Quem plagiou quem?

Na minha opinião ninguém, trata-se apenas de duas pessoas que têm a mesma opinião. Ainda bem que assim é!

Fica claro Sr. Álvaro Magalhães?

Anónimo disse...

Então o plagiador é o Casanova? Assim se explica que o artigo do director do Avante! tenha estado fora da rede durante a noite de ontem :)
Quanto ao seu inocente "trata-se de duas pessoas com a mesma opinião", é caso para rir. Não acha estranho que "ambos" tenham incorrido nos mesmos erros de leitura da entrevista da autora ao DN? Que "ambos" tenham passagens como:
Fernando Samuel - «É curioso que a primeira pergunta do entrevistador tenha sido a seguinte: «Não receou que esta Biografia de um Inspector da PIDE se transformasse num branqueamento dessa polícia política?».
E é ainda mais curiosa a resposta da entrevistada: «Claro que sim», logo acrescentando que não faz «a defesa de Fernando Gouveia», embora admita que «fazer uma biografia de alguém é sempre enaltecê-la um pouco»...»

Casanova - «Sintomaticamente, a primeira pergunta feita a IFP é sobre se «não receou que esta Biografia de um Inspector da PIDE se transformasse num branqueamento dessa polícia política».
E sintomaticamente, IFP responde: «Claro que sim», para logo acrescentar, cautelarmente que «não faço a defesa de Fernando Gouveia» - no entanto, admite que «fazer a biografia de alguém é sempre enaltecê-la um pouco».

Como é? Há plágio de Casanova ou o blogger Fernando Samuel é nada mais, nada menos, que o divertido director do Avante!?

Antonio Lains Galamba disse...

o que não está claro é porque é que o louça plagia tão bem... sr alvaro bem sei que gostaria de ter algo que apontar mas... essa espingarda é ferrugenta e a bala fragmenta-se perante o argumento do meu camarada joão filipe rodrigues... vá tentando... até lá oiça o seu colega da bola e repare mas é no maradona. abraços

Antonio Lains Galamba disse...

ena ena... fernando samuel és mesmo bom! já duvidam que não sejas o caanova... por acaso não era mal pensado... ninguém quer dar uma palavrinha ao camarada para ele deixar aqui uns posts??? ai magalhães magalhães, serás tu o socrático computador do sócrates?

Anónimo disse...

Oh senhor joão filipe e restantes,

então e porque razão desapareceu o avante? é acaso?

Reitero a minha simpatia para com o PCP mas não havia necessidade nenhuma desta novela. O senhor Casanova retratava-se e dizia que de facto fez uma leitura da questão abusiva ou então mantinha a sua posição e fundamentava-a.

E essa história de não haver plágio, seja de um lado ou de outro, só mesmo se forem a mesma pessoa.

Chalana disse...

Esse sr. não é meu colega de bola! O nosso "futebol" é outro!

João Filipe Rodrigues disse...

Caro anónimo,

Mas que grande TEORIA DA CONSPIRAÇÃO, não me diga que também andam a recolher a edição impressa casa a casa, quiosque a quiosque...

Não acham que a edição on line APENAS está com problemas técnicos? Parece-me que sim. Posso garantir que terá o tal artigo, que está a causar muita polémica (porque será? porque diz a verdade!) por muitos anos para ler. E o AVANTE! também terá muitas mais edições, outra certeza que posso assegurar.

Não costumo entrar muito por teorias da conspiração, mas creio que é isto que está a acontecer.

Ainda não reparou que, pura e simplesmente, a única coisa que está a acontecer é um problema técnico com o site do jornal Avante! on line. Eu já o li online, aliás costumo ler o jornal impresso aos fins-de-semana e, graças a este alarido todo, já tive oportunidade de o ler.

Tempestade num copo de água... enfim.

Meus caros, é sexta-feira.

João Filipe Rodrigues

Anónimo disse...

Caro João Filipe Rodrigues,

Limitei-me a constatar um facto e a lançar uma pergunta e suspeição, que até é o menos importante.
Acho idiota que se tire do ar o Avante por causa da opinião de uma pessoa, mas não me admirava assim tanto que fosse o caso.
Agora dizer que o que está escrito é verdade é que é desonesto. ler a entrevista e ler as interpretações e descontextualizações de frases que o camarada Casanova fez é espelho disso mesmo.
Até pode estar coberto de razão e a dita irene ser uma branqueadora, mas por outras razões que não as da entrevista. E era essas que gostava de ver explicadas.
A entrevista na minha óptica é completamente isenta e se a dita senhora é fascista ou qq coisa que o valha jogou nesta entrevista muito bem e não o transpareceu. mas isto sou eu que leio de com os olhos e cabeça e não com o coração

Olaio disse...

“Aguardo com curiosidade, porque, quando falei com esses amigos, houve quem dissesse que fazer a biografia de alguém é sempre enaltecê-la um pouco, mas tive o cuidado de não ser 100% neutra e fazer interpretação.”

“Ele era inteligente, um óptimo investigador sobre o PCP e um técnico que, se não tivesse feito parte da polícia política, teria, provavelmente, ficado na história pelas suas capacidades.”

“Cada vez que eu falei com alguém do Partido Comunista, todos tinham uma história passada com ele e apercebi-me que Fernando Gouveia foi o GRNDE ESPECIALISTA no PCP.”

“Porque é um investigador, evidentemente era brutal, utilizou as torturas mas era também um técnico que adorava - di-lo nas suas memórias - a sua profissão e apreciava aquela aura de detective, só que unicamente dirigido contra os chamados crimes políticos.”

…Sem comentários!

Anónimo disse...

olaio. eu preciso comentários apesar de me parecer que tirar frases contextualizadas contribui muito mais para fazer ver o nosso ponto, tal como fez.

“Aguardo com curiosidade, porque, quando falei com esses amigos, houve quem dissesse que fazer a biografia de alguém é sempre enaltecê-la um pouco, mas tive o cuidado de não ser 100% neutra e fazer interpretação.”

Esta frase sinceramente nao percebi o que ela queria dizer. dá ideia que não foi neutra ao ponto de não enaltecer como acha seria normal numa biografia, mas não percebo. por isso abstenho-me de comentários.

“Ele era inteligente, um óptimo investigador sobre o PCP e um técnico que, se não tivesse feito parte da polícia política, teria, provavelmente, ficado na história pelas suas capacidades.”

Isto branqueia alguma coisa? quer então dizer que fascista que é fascista tem de ser burro e mau profissional? ou não se pode dzer que era um bom técnico? Qquanto ao se não tivesse deito parte da PIDE é um exercício de abstracção idiota mas tb não me parece que branqueie alguma coisa.


“Cada vez que eu falei com alguém do Partido Comunista, todos tinham uma história passada com ele e apercebi-me que Fernando Gouveia foi o GRNDE ESPECIALISTA no PCP.”

Esta é a pior frase de facto, e uma opinião pouco fundamentada. mas ser grande especialista não me parece que branqueie alguma coisa. é só mm uma idiotice.

“Porque é um investigador, evidentemente era brutal, utilizou as torturas mas era também um técnico que adorava - di-lo nas suas memórias - a sua profissão e apreciava aquela aura de detective, só que unicamente dirigido contra os chamados crimes políticos.”

era brutal, utilizou as torturas adorava a sua profissão (só elogios hã?)
Tinha uma aura de detective mas só a utilizava para fazer merda (mais elogios.)

Chalana disse...

Há muita gente a espumar da boca por aqui! Camarada Fernando Samuel: marcaste um golão!

jose reyes disse...

LOL
Este Chalana é igual ao original: fala, fala, e não diz nada. LOL

João Filipe Rodrigues disse...

Transferência de comentário publicado no post de Segunda-feira, Novembro 10, 2008, pois nada tinha a ver com o post em causa.


jose disse...


«Biografia de um Inspector da PIDE», de Irene Flunser Pimentel

O livro começa com uma dúvida, assim formulada pela autora: «Pode parecer estranho» um trabalho desta natureza, sobre um personagem que «deveria ser remetido ao silêncio».

Percebo a dúvida, ou a interrogação, mas ela é, a meu ver, descabida. Para conhecer em profundidade um regime autoritário, um governo ditatorial ou um sistema, seja fascista ou comunista, é necessário estudar com detalhe as suas principais estruturas repressivas. A começar pelas respectivas polícias políticas, sejam elas a PIDE/DGS, a Gestapo ou a KGB. E conhecer também o perfil exacto dos seus principais responsáveis. Perfil político, ideológico, profissional, humano, psicológico. Só assim poderemos compreender com rigor não só o que, e como fizeram, mas sobretudo porque o fizeram. É a esta abordagem que se devem alguns dos melhores trabalhos biográficos de figuras como Salazar, Franco, Hitler, Estaline ou Mao, ou, num outro plano, Eichmann ou Mengele. É neste contexto que me parece absolutamente normal e necessário este estudo sobre Fernando Gouveia. Pelas razões que qualquer leitor compreenderá.


O homem

«O reconhecimento de que os criminosos são seres humanos acarreta terríveis conclusões acerca da natureza humana» - escreve Irene Pimentel.

Alcino Ferreira, militante do PCP detido em 1951, descreveu Fernando Gouveia como um sujeito magro, de altura média, meio careca e conhecido pela forma de pôr o chapéu e de usar gabardina clara e fato azul. Na opinião do mesmo Alcino, Gouveia era um tipo «muito perigoso e um cínico puro, que estava na PIDE principalmente por amor à arte e era incontestavelmente a cabeça da luta contra o partido».

Deveras interessante é a descrição da vida familiar de Fernando Gouveia, recolhida a partir do testemunho de uma dos sete filhos - Fernanda Maria, praticamente a única que o visitou na cadeia.

De personalidade complexa, Fernando Gouveia nasceu em 22 de Julho de 1904, na freguesia do Socorro, em Lisboa. Filho ilegítimo de um capitão médico, que se envolveu com uma criada, fez apenas a instrução primária. Estas origens humildes - muito semelhantes, por exemplo, às do seu colega Rosa Casaco - irão marcar profundamente a sua vida.

Nos primeiros anos da ditadura militar revelou «alguma simpatia» pelo Movimento Nacional-Sindicalista, de Francisco Rolão Preto. Fanático de Salazar, participou nos serviços de vigilância ao ditador, acompanhando-o quando se deslocava a Santa Comba Dão. Membro da Legião Portuguesa, recebeu instrução militar e desfilou em vários aniversários do 28 de Maio.

A sua vida afectiva e familiar foi marcada pela instabilidade: três (ou quatro?) casamentos, sete filhos, de cinco mulheres diferentes.

Vivia numa casa alugada, no Areeiro, e não tinha conta bancária. Ouvia os Companheiros da Alegria no Rádio Clube Português, gostava de música clássica, entretinha-se com o teatro radiofónico da Emissora Nacional, era furioso do Benfica, coleccionava num caderno receitas de cozinha que copiava dos jornais.

Só em 1962, e obrigado por Silva Pais, é que passou a ter telefone em casa e a deslocar-se numa viatura de serviço, com motorista. A filha, Fernanda Maria, aluna do Liceu Rainha D. Leonor, frequentava a Livraria Barata, onde comprou dois dos mais célebres livros de poesia de Manuel Alegre - o que lhe deu direito a uma violenta bofetada por parte do pai, que a proibiu dessas coisas. Como a proibiu de seguir advocacia - «todos os advogados são comunistas além de serem uns unhas-de-fome». Também não permitiu que seguisse Histórico-Filosóficas - acabando por enveredar pela hotelaria.


O pide

Autodidacta, Gouveia subiu todos os patamares da polícia política, até chegar ao posto de inspector-adjunto e técnico superior. Teve, contudo, um percurso muito pouco linear.

Entrou na polícia em 1929. Os seus sucessos no combate contra o PCP datam de 1932, quando conseguiu detectar quase toda a organização do partido. E foi também nos anos 30 que se iniciou na violência sobre os detidos.

Aquando da fundação da PVDE, em 1933, Gouveia não foi incluído. Antes, fora alvo de dois processos disciplinares - talvez seja essa uma das razões. Ou porque a nascente PVDE fosse, no essencial, tutelada por militares. Ingressou, então, na delegação de Coimbra do Comissariado de Desemprego, onde esteve cinco anos.

Viciado no jogo, perdeu uma propriedade em Coimbra numa noite de casino. Geriu uma mina de magnésio, na Mealhada, que exportou durante a Segunda Guerra Mundial para a Alemanha nazi.

Afastado da polícia política durante onze anos, só ingressou na PVDE em 1944, com a categoria de agente de 1ª classe. Trabalhou sob as ordens do capitão José Catela, que classificou como «o maior polícia, com P, de todas as nossas polícias». Fez parelha com o seu amigo de sempre, o famoso José Gonçalves, de quem dizia que «distinguia os elementos comunistas só pelo cheiro».

Em 1958, passou a dirigir o Gabinete Técnico. A partir de 1962, com a entrada de Silva Pais, Gouveia perdeu poder e fulgor. Era o início da curva descendente da sua carreira. Ainda assim, não deixou de participar em interrogatórios e até em detenções. Foi ele, por exemplo, quem conduziu o inquérito interno à evasão de Palma Inácio da delegação da PIDE no Porto, em Maio de 1969.

Nesta época, porém, Gouveia não estava nas graças do novo director-geral, Silva Pais, nem do número dois da PIDE, Barbieri Cardoso. Além disso, mantinha uma relação de rivalidade e crítica com os Serviços de Informação, dirigidos por Pereira de Carvalho.

Trabalhou até 25 de Julho de 1971, quando foi internado no Hospital da Cruz Vermelha, em estado grave, e onde permaneceu cerca de nove meses. Não voltou a trabalhar na DGS, mas mesmo assim foi promovido, em Fevereiro de 1973, ao posto de inspector-adjunto.


O especialista no PCP

Fernando Gouveia foi o maior especialista, na PIDE, sobre o PCP.

A partir de 1945, esteve ligado a quase todos os processos relativos à detenção de militantes e funcionários do PCP. Desmantelou várias casas clandestinas. Descobriu várias tipografias onde era impresso o Avante.

Prendeu, interrogou, espancou ou torturou figuras como Fernando Piteira Santos, Cândida Ventura, Francisco Miguel, José Vitoriano, Guilherme da Costa Carvalho (que acabou por ir para o Tarrafal), Sofia Ferreira, Carlos Brito, Severiano Falcão, José Manuel Tengarrinha, José Magro, Jaime Serra, Fernando Blanqui Teixeira, Rogério de Carvalho, Carlos Aboim Inglês, Domingos Abrantes, tantos outros. A sua agressão ao advogado de Santarém Humberto Lopes valeu-lhe mesmo uma suspensão de exercício e vencimento. Por Júlio Fogaça revelava «um grosseiro desprezo», a que não era alheia, obviamente, a homossexualidade do dirigente comunista e que, como se sabe, viria a ser um dos fundamentos da sua expulsão do PCP, em 1961. O próprio Mário Soares enfrentou Gouveia (e dele fala no livro «Portugal Amordaçado»).

Esteve ligado, directa ou indirectamente, a vários assassínios, como o de Alfredo Dinis («Alex»), em 1945; ou de António Patuleia, detido em Junho de 1947 e «que morreu na sede da PIDE, às mãos de Fernando Gouveia e do chefe de brigada Mário Silva» (infelizmente, o livro pouco adianta sobre este crime); aquando do assassinato do escultor José Dias Coelho, em Alcântara, foi Gouveia quem identificou o cadáver.

Mas felizmente que Gouveia não foi sempre bem sucedido. Conheceu vários desaires e derrotas, como a absolvição de Armando Bacelar ou de Francisco Ramos da Costa; ou a incapacidade em deter o tão procurado Manuel da Silva Júnior, «Ricardo», membro do CC, jamais preso; ou a fuga de Dias Lourenço, de Peniche. Ou outras fugas, sentidas sempre como desaires e verdadeiras humilhações.

Cometeu erros, alguns crassos, como a acusação formulada a Salgado Zenha de ser «membro da organização clandestina do Partido Comunista» - a que, como se sabe, nunca pertenceu.

A sua maior decepção - para além do próprio 25 de Abril -, terá sido a de não ter instruído o processo a Álvaro Cunhal.


O livro não é só uma biografia de Fernando Gouveia.

É, de certa forma, a história paralela e necessariamente entrecruzada da PIDE e do PCP, num país pequeno, onde quase todos se conheciam, e em que era possível a dois irmãos, Agostinho e António Saboga, ambos funcionários clandestinos do PCP, terem do outro lado um irmão, Tomás Saboga, funcionário da PIDE.

O livro aborda, ainda, dossiês complicados, na guerra de morte travada entre a Pide e o PCP e a Oposição em geral. É o caso de dois assassínios, ambos cometidos em Belas. Um, de Manuel Domingues, em 1951, atribuído ao PCP; outro, de Mário da Silva Mateus, executado em 1965 por um comando da FAP.

Extremamente interessante é a polémica sobre o comportamento exigido aos militantes comunistas na prisão. A tese do jornal «O Militante» era a de que «um homem honrado e digno pode suportar todos os tormentos até à morte sem fazer qualquer declaração». O assunto foi depois abordado no famoso documento «Se fores preso, Camarada…», redigido por Álvaro Cunhal. «Falar na polícia é perder o honroso título de membro do PCP, é deixar de pertencer ao destacamento de vanguarda da classe operária». Este texto viria a ser criticado por um outro documento, atribuído por Pacheco Pereira a Francisco Miguel, que criticava Cunhal de «concessões à traição e tolerância para com a fraqueza». Em resultado, na terceira edição da célebre brochura, em 1959, foi eliminada a palavra herói.

Sei que à Irene não faltam projectos de novos trabalhos. A ela, ou a outros historiadores, sugiro que não se esqueçam de tratar do problema, extremamente melindroso, do relacionamento do PCP com os militantes, quadros e dirigentes que não suportaram a tortura e que falaram na prisão. Uns, foram «recuperados»; outros, foram marginalizados ou simplesmente afastados. Todos eles ficaram marcados por uma espécie de carimbo, como se fossem comunistas de segunda ou de terceira… Acreditem que, apesar de já terem passado quase 35 anos do 25 de Abril, a questão continua actual nas fileiras do PCP - e não só.


Depois do 25 de Abril

Gouveia foi um dos 200 elementos da DGS que se entrincheiraram na noite de 25 para 26 de Abril de 1974 na sede da rua António Maria Cardoso. Antes de se renderem, fizeram fogo sobre a multidão de populares, provocando 47 feridos, dos quais cinco viriam a morrer. Depois, foi para casa. Tal como aconteceu com muitos outros responsáveis pela polícia, foi-lhe oferecida a fuga do país. Recusou, tal como Silva Pais, mas ao contrário de Rosa Casaco. Deu entrada a 29 de Abril em Caxias, onde ficaria detido durante apenas dois anos e sete meses.

Saiu em liberdade provisória a 13 de Agosto de 1976. Nunca chegou a ser julgado pela sua actuação, como aconteceu com a larga maioria dos 6.215 elementos da PIDE/DGS a quem foi instruído um processo.

Em 1979 editou o primeiro (que acabou por ser o único) volume das suas «Memórias de um Inspector da PIDE. A Organização Clandestina do PCP». Morreu em 1990, com 87 anos. A sua morte foi ignorada pelos meios de comunicação social.


O torturador

Irene Pimentel escreve que Gouveia «foi um dos principais torturadores da PIDE». A autora detectou a sua presença logo nos anos 30, em que os métodos predilectos eram o espancamento e a tortura da estátua - que há-de ser substituída mais tarde pela tortura do sono. Voltou ao activo, com uma fúria, um poder e uma desumanidade acrescidas, em 1944. Nos anos 60, a sua actividade é mais desconhecida, mas nem por isso deixou de ser acusado por elementos do PCP de os ter torturado. Esta acusação viria a ser confirmada, depois do 25 de Abril, por alguns elementos da DGS então detidos.

A página 361 do livro inclui uma lista impressionante de 54 nomes, que acusaram Gouveia de os ter submetido ao «sono», à «estátua» e a espancamentos. São 54 nomes, alguns bem conhecidos, e para a qual remeto todos os presentes e os leitores - sobretudo os que se apressaram a criticar o livro, antes mesmo de o ler.

A acusação de tortura foi confirmada por um detalhado relatório da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Nas suas memórias e nos interrogatórios a que foi sujeito, Gouveia negou sempre as acusações de maus tratos, violências ou torturas. Mas quanto mais Gouveia nega, menos se acredita nele.

É pena, muita pena, que não tenha sido julgado. E por mais voltas que dê à cabeça, não consigo descortinar razões válidas, legítimas, suficientes, para que o regime democrático não tenha procedido ao seu julgamento. Ao seu e de muitos outros elementos da Pide e de outras instituições repressivas.

A ausência de um julgamento de Fernando Araújo Gouveia, que não deixaria certamente de escapar a uma pesada condenação, ainda mais justifica esta biografia. Este livro, com efeito, para além de ser um livro de História, acaba por constituir um verdadeiro libelo acusatório: ao homem, à PIDE/DGS e ao regime que serviu.


Muitos parabéns, Irene.
Muito obrigado.

José Pedro Castanheira
(Lisboa, 6 de Novembro de 2008)