São lobos de fome no xisto lascado na dor dos dias, os Pássaros assustados no olhar longiquo do horizonte dificil. Depois das Ceifas feitas, trabalho acabado, fome certa nos longos dias que sobram até nova empreitada. Esta é a fome operária dos homens da planicie. Calos certos nas mãos sem nada, escravas de outras maciezas de bolsos cheios. Manel ganhão, porta voz mandatado pelo rancho de 60 homens e 39 mulheres, vasculha as algibeiras buscando algum suporte para a tarefa que lhe legaram. Enfrentar o patrão – e nele o imenso latifundio roubado- pedindo a caridade de um pão para a ceia dos trabalhadores. Eles juntam-se no átrio cheio de boganvilias, onde um fio de água vigia a cal e o sono dos meninos ricos na brasa canicular do inferno dos ceifeiros. Há homens que lavam a testa e o suor do pescoço no tanque onde nadam alguns peixes, mais frescos que qualquer infância dos meninos homens que já levaram um carreiro na empreitada. E o senhor que não vem. Torreira do sol e um espaço que não dominam. Como um chão que não lhes pertence e que não conhecem, a gravilha morde-lhes os pés calejados onde o restolho já não bica. Demorará muito? Que sombra detêm ele que lhe guarde a pele frágil do abrasador suão que os fere de morte?
Sr engenhêro, o pessoal vem aqui pedir-lhe o favor de rancho melhorado, hoje que é o primeiro dia da empreitada. E que assim se mantenha até à última espiga derrubada. E mais uma migalhinha que dar aos muitos filhos, coitadinhos, que em casa choram com fome e não há mãe que os console.somos gente trabalhadora e honrada, que apenas quer matar a fome cada vez que arrasa uma seara.
Saiba você manel ganhão, homem honrado, que a hora não é de caridades, pois a honra não corta mais espigas que qualquer foice malina. Sabia o manel e todos os que aqui estão as normas com que acederam à empreitada. Elas se mantêm. E nenhum lavrador dos arredores lhes fará contrato melhor ou diferente. Também tenho filhos cá em casa. E vós não sabeis o que custa manter uma Casa destas.
Vossa senhoria permitirá: casa destas não sei, não senhor, que se esta tem sombra das belas flores no pátio, a de algum que aqui esteja, se pátio tem, o deve ao facto de telhado caído e meninos ao relento. Mas a empreitada é dura e o rancho escasso. Convirá vossa senhoria que homens melhor alimentados melhor cuidarão da sua empreitada.
Ora meu caro ganhão, é por vós pois que eu zelo. Empreitada mais rápida, mais dias de taverna e menos toucinho lá na casa. Vá, joguem-se ao trigo e no fim talvez me sobre um cartucho de moedas para distribuir pela malta.
Rodados os pés descalços, a planicie levantava ondas de calor lembrando aos homens as lágrimas dos filhos. Uma manhã perdida e menos essa no salário magro ainda apenas prometido. De onde agora a coragem, Sorvedora de todas as forças ainda não gastas mas prometidas? para amanhã está marcada a reunião com o camarada da bicicleta. virá com os avantes!, discutir com os trabalhadores da aldeia a alternativa de luta para o caso se desse de esta falhar. o sangue ferve junto das cigarras anunciando a luta. manel ganhão, na esperança posta na organização dos trabalhadores levanta a moda: «o pão que sobra à riqueza, distribuído pela razão, matava a fome à pobreza e ainda sobrava pão. » e a polifonia foi testemunha da vontade popular e operária. era a reminiscência da vitória que estava certa, ainda que distante!
2 comentários:
A ninguém faltava o pão,
Se este dever se cumprisse:
- Ganharmos em relação
Com o que se produzisse.
António Aleixo
Porque será que me lembrei de Catarina...
Um abraço apertado, António
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