POEMA

UNO


Não creias senão em ti e naquilo que te cerca.
Porque aquilo que te cerca és tu.
E, por mais que te pareça estranho e primitivo,
tu és apenas aquilo que te cerca.
Não creias senão em ti.
Bem sei que há: o eco das montanhas e o mistério das sombras.
Mas o que é o eco das montanhas senão a tua voz?
E o mistério das sombras mais que uma ausência de luz?
Bem sei que para além da ilusão do horizonte
há ainda mais coisas.
Mas não as creias diferentes e superiores a ti,
crê antes que são longe e, sobretudo, coisas como tu.
Não creias no não sei quê:
o não sei quê é sempre qualquer coisa.
O papão do oó das histórias de menino
era afinal um pobre inofensivo
ou uma velha vassoura atrás duma vidraça.
E a palavra do morto estendido no caixão
era apenas a ruptura duma artéria qualquer.
Os teus braços, tam curtos, estão na terra toda,
e a terra, tam pequena, está em todo o universo.
Não creias em existências para além ou para aquém.
Nem que tu estás aquém ou que tu estás além.

Tu que estás em toda a parte e tudo está em ti.


Mário Dionísio

4 comentários:

Ana Camarra disse...

A mais pura das verdades...

Beijos mil

samuel disse...

Portanto... tu estás aqui e eu aí... e nós em toda a parte.

Abraço.

Fernando Samuel disse...

Ana Camarra: «a mais pura»: gostei.
Beijos mil.

samuel: vê bem a falta que fazemos - cada um e todos...
Um abraço.

rapariga do tejo disse...

Maravilhoso!!

Imenso Mário Dionísio.

Beijo camarada, sempre sensível..