A Revista NS de hoje - numa excelente peça enviada de Washington, assinada por Joana Simões Piedade e intitulada «Soldados contra a Guerra» - conta-nos a história de dois jovens norte-americanos, James Circello e Michael Prysner, com 31 e 26 anos, respectivamente, que, abandonaram o exército norte-americano depois de o terem servido durante anos e fundaram «uma organização de apoio aos militares no activo e aos veteranos da guerra, e contra a presença militar norte-americana no Iraque e no Afeganistão».
«March Forward» - «Marcha em Frente» - é o nome dessa organização, que está espalhada por todo o país, organiza debates e manifestações de rua, tem um jornal próprio - e é a expressão concreta de um notável processo de tomada de consciência política, social, humana por parte desses dois jovens.
A jornalista conta-nos que James Circello, profundamente abalado com a «onda de choque e consternação que assolou o país na altura» do ataque às Torres Gémeas, e «imbuído do fervor patriótico daqueles dias», decidiu alistar-se no exército: «não fui movido por qualquer espécie de ódio aos muçulmanos, mas decidi juntar-me ao exército como muitos fizeram naquela altura» - além disso, «precisava de emprego, dinheiro ao final do mês. Assinei os papéis».
E em 2003, integrando o 2º Batalhão Aerotransportado, Infantaria 503, Brigada 173, chegou ao Iraque - «quando os ataques aéreos de mísseis e bombas ainda caíam nas montanhas do Norte do Iraque» - onde permaneceu um ano.
Quando, em 2007, foi mobilizado para o Afeganistão, recusou-se a embarcar e desertou.
Quanto a Michael Prysner, também ele se alistou na mesma altura, tinha então 17 anos, e por razões semelhantes às de Circello: «a carreira militar era um forma de ter um salário ao final do mês, um sítio onde viver, a possibilidade de estudar e acesso a um seguro de saúde. Alistei-me a pensar que iria fazer carreira. Acreditava no trabalho nobre de um soldado».
Esteve no Iraque ao mesmo tempo, durante o mesmo tempo e na mesma região que Circello - mas só vieram a conhecer-se pessoalmente após o regresso aos EUA.
Nas primeiras cartas que escreve à família, Prysner mostra-se «orgulhoso por ajudar a libertar o povo iraquiano de um regime opressor que lhe causava pobreza e fome».
Contudo, cedo começa a ver as coisas noutra perspectiva: «Comecei a perceber que ninguém ali estava realmente à procura de armas de destruição maciça e que o objectivo era controlar as zonas onde há petróleo. Ainda assim, continuei a acreditar no bem que ali podíamos fazer, no sentido de levar a paz e a democracia àquelas pessoas. Mas quando comecei a interagir mais com os iraquianos compreendi que não estava em marcha uma guerra de libertação mas uma verdadeira ocupação, em que eu era o opressor».
E fala à jornalista sobre algumas das tarefas que ali desempenhava:
«expulsar famílias das suas casas sem lhes dar alternativa. Famílias inteiras, compostas por crianças e idosos, que choravam convulsivamente quando estavam a ser expulsas da casas que seriam a seguir destruídas ou ocupadas por nós. Os rostos destas pessoas ainda hoje não saem da minha cabeça».
E conta o episódio que mais o marcou e que viria a constituir o «ponto de viragem» na sua vida e na sua consciência, quando, uma noite, foi interrogar um homem que não tinha parado num dos checkpoints. Chegado à casa onde deveria proceder ao interrogatório, encontrou um homem, num quarto escuro, «apenas em roupa interior, deitado no cimento e baleado no pescoço, esvaindo-se em sangue»: «ele estava a morrer e só tinha força para dizer que não sabia de nada, que estava a conduzir a caminho de casa para ir ter com a família».
Dizem os dois jovens que a sua «desilusão» não foi só com George W Bush e os republicanos - na altura no poder - mas também com Barack Obama e os democratas: «infelizmente não vemos grandes diferenças. As tropas continuam no Iraque e é certo que continuarão até 2011, o contingente no Afeganistão até foi reforçado».
E concluem, incisivos: «Os Estados Unidos enviam trabalhadores pobres do seu país para lutarem contra trabalhadores pobres de outros países, beneficiando grandes empresas norte-americanas que lucram com a guerra».
E à pergunta sobre se, caso pudesse recuar no tempo, voltaria a alistar-se no exército, James Circello, responde: «Ir para o Iraque foi um despertar na minha vida e sinto-me um aliado do povo iraquiano, tal como me sinto do povo afegão e palestiniano neste momento. Teria entrado na mesma, mas penso que tentaria organizar um movimento dentro das forças militares, teria falado mais com os meus companheiros».
Excelent reportagem, esta que a Revista NS nos oferece hoje.
9 comentários:
Verdades como punhos!
Se há verdades que merecem esse nome... estas estão entre elas.
Belo post!
Abraço.
Sim, excelente.
Explicação para fazer ressoar, na memória, a palavra de ordem:
"Abaixo a guerra colonial"
com outros actores e cenários, mas com o mesmo objectivo de saque.
Verdades são sempre verdades e esta reportagem é uma delas.
Parabéns por este post.
Um abraço.
Uma decisão que encontra em Marx um grande apoio. Interessante é também verificar como não ficam por aí, como podemos observar devído a este teu post.
Vejam AQUI o que opinam sobre o Haiti.
Um abraço!
A confirmação do muito que temos dito... obrigada por repassares a informação.
beijo,
Excelente post.
Depoimentos de cidadãos americanos que confirmam o que o PCP, sobretudo no Avante! há muito vem a dizer.
Um artigo de leitura obrigatória.
Bjs,
GR
Os americanos não fazem guerras de libertação mas sim de ocupação por causa do petróleo e das riquezas desses países. Veja-se o que acontece em todos os países onde eles intervieram em nome da liberdade e democracia.Veja-se a tomada de posição relativamente às Honduras. E tantos são os casos.....
Os soldados americanos que organizaram o movimento contra a guerra depois de a terem defrontado são autênticos heróis.
Um beijo.
Pode ser que outros lhes sigam as pisadas e tomem, também, consciência.
Excelente post!
Um beijo grande.
que grande, grande post!
abraço
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