POEMA

ROMANCE DE FEDERICO

I

Num pueblo de Espanha
la Barraca se levanta:
Num pueblo de Espanha,
numa praça de Castela...

Mas não se ouvem poemas,
nem guitarras, nem canções
- que la Barraca é deserta...
Morreram vozes e risos
(no chão, com as folhas arrancadas,
D. Quijote de Cervantes)
e calaram-se as canções,
geladas no oiro frio
das cordas dos violões
- que la Barraca está deserta
como uma alma... deserta.

Correi ventos de Espanha!
Chamai vozes de Espanha!
Mirad olhos de Espanha!
- Aonde está Federico?

Chorai corações de Espanha!

- No acampamento cigano
uma virgem desmaiou:
romance da «pena negra»
a feiticeira agoirou.
Romance da «pena negra»,
romance da negra sorte,
com uma bala na fronte
e outra no coração
morto para sempre ficou...
(No veludo dos estojos,
as cordas da guitarras estalaram
com um ai grave e profundo...)
as mãos estendidas, sem raiva,
os olhos cheios de terra,
morto ficou.

Chorai corações de Espanha!

Com os olhos cheios de terra,
sob o céu de su Granada,
morto ficou...

Cavalos negros da noite
encobriram as estrelas.
De Cádis até Navarra,
de Badajoz ao Levante.


II

A noite desceu sobre o corpo da Espanha.
A noite das águias carniceiras
desceu sobre o corpo da Espanha...

Ferem o chão fúrias soltas
- ruínas foram cidades e vilas,
escolas, lares, catedrais;
incêndios foram celeiros e searas;
ódio foi amor,
lágrimas foram riso...
A noite poisou seus dedos de treva
no coração da Espanha...

Espanha,
em teus braços de Mãe,
em teus braços de terra,
apodrecem os corpos
de teus filhos inocentes...
Espanha,
na sombra que desceu
as feridas dos cadáveres abrem-se
como flores roxas de agonia...

Espanha,
noites de serenata,
sob os balcões floridos, nunca mais:
que os corações não batem já para o amor,
só para o aço dos punhais...

Espanha,
Carmen, cigana,
corpo de bronze, olhos de lume,
não mais amante...
Espanha,
na noite das catedrais,
correm lágrimas de marfim
pelas faces dos crucificados
- na tua face
são de sangue, Espanha!
Espanha,
no silêncio das catedrais
sorrisos seráficos da Virgem
- na tua boca
sangue e fel, Espanha!


Joaquim Namorado

10 comentários:

MR disse...

Hoje, 22, com tristeza.
(Punho fechado, no ar.)
Somos Muitos, Muitos Mil, para continuar...

GR disse...

Ontem, as balas assassinaram o poeta!
mas, Frederico não morreu!

Bjs,

GR

Maria disse...

Tremendo, este poema!
Mas Federico vive!

Que homenagem bonita...

Um beijo grande. E muitos cravos vermelhos!

svasconcelos disse...

Não conhecia este poema, é lindoooo!! E Lorca bem o merece...
Obrigada Fernando. E imitando a Maria, deixo-te também um cravo vermelho!
Bem... deixo-o a todos os visitantes do blogue, se me permites.
:))
beijo grande e amigo.

samuel disse...

Quando os poetas falam de Lorca... transcendem-se...
Fantástico!

Abraço.

Justine disse...

Que força esmagadora este poema tem! E que beleza!

Graciete Rietsch disse...

Associo a minha sincera e comovida homenagem à brilhantemente expressa pelo nosso Joaquim Namorado ao grande poeta FEDERICO GARCIA LORCA e a todos os combatentes e resistentes espanhóis pela República que eles próprios elegeram.

Beijos.

Fernando Samuel disse...

MR: e continuaremos Abril.
Um abraço.

smvasconcelos: e eu retribuo com um Cravo de Abril...
Um beijo.

samuel: por que será?...
Um abraço.

Justine: e muito ao estilo do Lorca...
Um beijo.

Graciete Rietsch: um beijo.

Fernando Samuel disse...

GR: os Poetas são assim...
Um beijo.

Maria: um beijo grande e muitos cravos de Abril.

Nelson Ricardo disse...

Belo poema, manifesta intensamente o repúdio pela imposição do fascismo em Espanha.