POEMA

NÃO


3


Um velho sábio de olhos transparentes,
que nos pousava a mão no ombro com ternura,
depois de ver nos livros e nos tubos de ensaio
o destino dos homens,
queimou os livros todos e afogou-se no rio.
E nunca mais ninguém nos pousou a mão no ombro
com a ternura do sábio que se afogou no rio.


4

Uma rapariga loira que vendia laranjas
e enchia as ruas com a sua voz túmida de sol,
desapareceu.
E as ruas ficaram para sempre silenciosas.
E as ruas ficaram para sempre sem sol


Mário Dionísio

(«Com Todos os Homens nas Estradas do Mundo»)

5 comentários:

Maria disse...

Com as mãos que temos construiremos o futuro e traremos o sol de novo à rua...

Um beijo grande.

samuel disse...

Há, felizmente, ainda muitas laranjas como sóis, para inundar as ruas, lindíssimas raparigas com cabelos de todas as cores, para as vender...
Velhos assim, sábios e disponíveis, há menos... mas também há!

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

É assim que vão tentando preparar o futuro. Mas não conseguirão.
Mais um belo poema. Obrigada.

Um beijo.

MR disse...

Dois aspectos do sentimento de perda irrecuperável.
Ambos são consolo, são abrigo.
Perda estúpida e desnecessária.

GR disse...

O velho sábio deixou um rasto de curiosidade e a rapariga o aroma das laranjas.
Com a memória também se constrói o futuro, cheio de sol, ternura e saber.

bjs,

GR