A CORTIÇA
É preciso dizer-se o que acontece
no meu país de sal
há gente que arrefece que arrefece
de sol a sol
de mal a mal.
É preciso dizer-se o que acontece
no meu país de sal.
Passando o Tejo para além da ponte
que não nos liga a nada
só se vê horizonte
horizonte
e tristeza queimada.
É preciso dizer-se o que se passa
no meu país de treva:
uma fome tão grande que trespassa
o ventre de quem a leva.
É preciso dizer-se o que se passa
no meu país de treva:
Mal finda a noite escurece logo o dia
e uma espessa energia
feita de pus no sangue
de lama na barriga
nasce da terra exangue e inimiga.
É o vapor da sede é o calor do medo
a cama do ganhão
a casca do sobredo.
É o suor com pão
que se come em segredo.
É preciso dizer-se o que nos dão
no meu país de boa lavra
aonde um homem morre como um cão
à míngua de palavra:
Por cada tronco desnudado um lado
do nosso orgulho ferido
e por cada sobreiro despojado
um homem esfomeado e mal parido.
Ah não, filhos da mãe!
Ah não, filhos da terra!
Os enjeitados também vão à guerra.
José Carlos Ary dos Santos
5 comentários:
Olá, deixei no meu blog um desafio para voce.abraços
"e por cada sobreiro despojado
um homem esfomeado e mal parido"
Acrescento sem poesia nenhuma, e uma barriga de um qualquer Amorim a crescer...
O que este Zé Carlos era capaz de escrever... que maravilha!
Um beijo grande
"Mal finda a noite escurece logo o dia"
Absolutamente em cheio!
Tantas vezes, embora ainda nem tivesse feito vinte anos, achava (e dizia) que a noite era um espaço de liberdade que vivíamos até ao limite, sabendo que o dia traria o cinzentismo de sempre, os "olhos e ouvidos", o "respeitinho"... em casa, na escola, em tudo.
Abraço.
Carmen: lá irei ver o desafio. Obrigado.
Ana Martins: «sem poesia nenhuma» ou com muita poesia...
Um beijo.
Maria: ela faz-nos falta, não faz?...
Um beijo grande.
samuel: gente da noite, é assim...
Um abraço.
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