POEMA

O SACRIFÍCIO


Não gostaria de falar desse primeiro
encontro com as dificuldades do corpo.
Ou não seriam do corpo? Fora
do corpo haverá alguma coisa?
Foi há tantos anos, que espanta
que dure ainda na memória.
A extrema juventude guarda melhor
o tempo. Idade da flor, assim
lhe chamam. Idade de ser homem,
dizem também. O que é então
ser homem? Ou ser mulher?, se poderá
perguntar. Aqui, era ser homem: idade
de ir às putas. Entrava-se na sala
envergonhado, depois de se bater
à porta. Elas lá estavam: num salto
uma apalpou-o: Que cheiro a cueiros,
exclamou, olhando o cordeiro
do sacrifício. Ao fim, com dez escudos
pagavas o seres homem.
Não era caro, provares a ti mesmo
que pertencias ao rebanho.


Eugénio de Andrade
(«Os Lugares do Lume» - 1998)

3 comentários:

Maria disse...

Fortíssimo! E cru, como esse tempo.
Esse? E hoje?

Um beijo grande

samuel disse...

Paga-se muito mais caro para não pertencer...

Abraço.

Justine disse...

A ironia doce de E.A.