POEMA

LUGAR DO SOL


Há um lugar na mesa onde a luz
abdicou do seu ofício.
Já foi do sol
e do trigo esse lugar - agora
por mais que escutes, não voltarás
a ouvir a voz de quem,
há muitos anos, era a delicadeza
da terra a falar: «Não sujes
a toalha»; «Não comes a maçã?»
Também já não há quem se debruce
na janela para sentir
o corpo atravessado pela manhã.
Talvez só um ou outro verso
consiga juntar no seu ritmo
luz, voz, maçã.


Eugénio de Andrade
(«Ofício de Paciência» - 1994)

7 comentários:

Justine disse...

Comovente.Belo.

samuel disse...

Tanta coisa que já só se pode juntar nos versos...

Abraço.

Maria disse...

Já não tenho palavras para adjectivar a poesia de Eugénio. Dizer só que... é muito bela!

Um beijo grande

Fernando Samuel disse...

Justine/samuel/Maria: comovente tudo o que se pode juntar num verso desta poesia muito bela...

Beijos e abraço.

Ana Camarra disse...

Esses vazios são imensos, mas fica a luz, a voz e a maçã.

Anónimo disse...

eugénio está gasto. essa da simplicidade é o nada dizer.
é uma questão de tempo

Fernando Samuel disse...

Ana Camarra: e o que fica é... sublime...
Um beijo.

Anónimo: olhe que não...