POEMA

RENTE AO CHÃO


1.

Era azul e tinha os olhos de deus,
o meu pequeno persa
- agora rente ao chão onde iria?,
a voz quebrada,
o peso da terra sobre os flancos,
a luz deserta na pupila.


2.

Chamo por ti; digo o teu nome
tropeçando sílaba
a sílaba; repito o teu nome
para que voltes com a lua
nova, o sol de março,
o pão de cada dia:
o rigor do frio, a sua teia branca,
por companhia.


Eugénio de Andrade
(«Rente ao Dizer» - 1992)

6 comentários:

Maria disse...

Rente ao chão e rente ao coração.
Que forma de dizer palavras...

Um beijo grande

samuel disse...

Dizer os nomes tropeçando sílaba a sílaba... dói!

Abraço.

amigona avó e a neta princesa disse...

E que maneira de escrever! Um abraço...

Justine disse...

Emociona-me sempre, este adeus ao seu pequeno persa.
(tinha esperança que publicasses este também:)))

svasconcelos disse...

Comove-me este poema, como todos os do Eugénio, aliás, mas este... esta despedida, "tão rente ao coração" ao seu persa, toca-me de um modo especial, pois também tenho "um pequenos persa" (que não é persa) e galopa velozmente para o abismo que a muita idade já lhe dita...
beijos,

Fernando Samuel disse...

Maria: são as palavras exactas.
Um beijo grande.

samuel: ó se dói!...
Um abraço.

amigona avó e a neta princesa: escrever assim é dizer tudo...
Um beijo amigo.

justine: todos perdemos já o nosso «pequeno persa»...
Um beijo.

smvasconcelos: ah!, o que nós sofremos quando perdemos os nossos «pequenos persas»...
Um beijo.