POEMA

TEATRO DOS DIAS


Ninguém cheira melhor
nestes dias
do que a terra molhada: é outono.
Talvez por isso a luz,
como quem gosta de falar
da sua vida, se demora à porta,
ou então passa as tardes à janela
confundindo o crepúsculo
com as ruínas
da cal mordidas pelas silvas.
Quando se vai embora o pano desce
rapidamente.


Eugénio de Andrade
(«Ofício de Paciência» - 1004)

4 comentários:

Maria disse...

É, o cheiro a terra molhada. Um cheiro apelo à fecundação da terra.

E um beijo grande para ti

samuel disse...

Algumas das imagens dariam só por si vários poemas... em vez destes "modestos" 12 versos.
Que economia de palavras! Que concentração de beleza!

Abraço.

svasconcelos disse...

O Eugénio arranca-me sempre o mesmo sorriso pasmado com a imensurável beleza das suas palavras. Que teatro este, com cenários de todos os dias, com o crepúsculo, a terra molhada e as ruínas de cal mordidas como actores...Lindo!
beijos,

Fernando Samuel disse...

Maria: em todo o caso, eu gosto mais do cheiro a terra regada no Verão.
Um beijo grande.

samuel: doze poemas num só...
Um abraço.

smvasconcelos: este «espécie de música» que é a poesia de Eugénio de Andrade...
Um beijo.