ARY SEMPRE!

O funeral do Zé Carlos - impressionante cortejo de dezenas de milhares de pessoas, caminhando sob a chuva - foi uma inesquecível manifestação de massas, com o carácter e o conteúdo de tantas outras em que o Poeta participara, pessoalmente ou através dos seus poemas de luta.

Gente vinda de todo o País:
homens e mulheres; rapazes e raparigas; intelectuais e estudantes; camponeses e empregados; construtores da Reforma Agrária e das Nacionalizações.
Operários: da Lisnave e da Siderurgia, da Mague e das OGMA, da Sorefame e da Cometna, da Covina e da Fábrica da Loiça, dos Cabos Ávila e da Cel-Cat..., muitos vindo directamente do trabalho, com os seus fatos de ganga e os punhos erguidos, todos sabendo que, como o Zé Carlos cantou,
«Ser operário é apenas saber dar
mais um pouco de nós ao que nós somos»



A FÁBRICA


Da alavanca ao tear da roda ao torno
da linha de montagem ao cadinho
do aço incandescente a entrar no forno
à agulha a trabalhar devagarinho.

Da prensa que se fez para esmagar
à tupia no corpo da madeira
do formão que nasceu a golpear
à força bruta de uma britadeira.

Do ferro e do cimento até ao molde
que é quase um esgar de plástico sereno
do maçarico humano que nos solde
às luz da luta e não do acetileno

nasce este canto imenso e universal
sincopado enérgico fabril
sereia que soou em Portugal
à hora de pegarmos por Abril.

Transformar a matéria é transformar
a própria sociedade que nós fomos
ser operário é apenas saber dar
mais um pouco de nós ao que nós somos.

Um braço é muito mas por si não chega
por trás da nossa mão há uma razão
que faz de cada gesto sempre a entrega
de um pouco mais de força. De mais pão.

Estamos todos num único universo
e não há uns abaixo outros acima
pois se um poema é uma obra em verso
um parafuso é uma obra-prima.

Operários das palavras ou do aço
da terra do minério do cimento
em cada um de nós há um pedaço
da força que só tem o sofrimento.

Vamos cavá-la com a pá das mãos
provar que em cada um nós somos mil
é tempo de alegria meus irmãos
é tempo de pegarmos por Abril.

10 comentários:

Anónimo disse...

Ary dos Santos, um português de verdade.

Campaniça

svasconcelos disse...

Que poema!! Já o conhecia , mas o efeito é sempre o mesmo: arrebatador!
Um hino ao trabalho, a dignificação da força operária. Um apelo à luta e à memória de Abril.
beijo.

amigona avó e a neta princesa disse...

E eu inclino-me pela sua saudade mas com o punho levantado!
Abraço...

samuel disse...

Quando se fala de José Carlos Ary dos Santos, sobrepõe-se sempre a figura do Ary das canções, dos versos vadios no Botequim, no João Sebastião Bar, em casa, no amadorismo exaltante dos "Cantos Livres", dos comícios...
Sei que isso sempre prejudicou a sua "imagem de poeta"... mas não para mim!
Grande Ary!

Abraço.

CRN disse...

"de um pouco mais de força. De mais pão.". Algo que o capital tem vindo a transformar em antónimos.

Imprescindível Poeta no caminho da mudança, pela negação desta condena.

A revolução é hoje!

Ana Camarra disse...

O Ary foi de facto o Poeta da Revolução!

Beijo

Fernando Samuel disse...

Campaniça: e «nosso»...
Um beijo.

smvasconcelos: Abril e a luta estão sempre presentes no Ary.
Um beijo.

amigona avó e a neta princesa: «de pé e punho levantado»...
Um beijo.

samuel: nem para mim - toda a poesia de Ary é de grande qualidade.
Um abraço.

CRN: poeta do futuro.
Um abraço.

Ana Camarra: sem qualquer dúvida.
Um beijo.

Maria disse...

Era único na forma de escrever e cantar Abril...

Um beijo grande

Anónimo disse...

-a poesia de Ary é Povo é trabalho é vida...outros vão morre física e literáriamente.. . verão as suas poesias encherem-se de pó... Ary andará por muitos e muitos anos nas bocas do Povo.

Fernando Samuel disse...

Maria: o Poeta da Revolução.
Um beijo grande.

Anónimo: sem dúvida.
Um abraço.