POEMA

PARA ALÉM DA TRAFARIA


- Minha mãe, haverá mundo
para além da Trafaria?

- Não sei, meu filho. Não sei.
Tudo aquilo que sabia
já no meu sangue te dei.

- Que serras são estas, mãe,
que não nos deixam ver nada?

- São rugas que a Terra tem.
Não maces a tua mãe.
Deixa-me estar descansada.

- Ó mãe, que rio é aquele?
Onde nasce e onde morre?

- Ó filho, é Deus que o impele.
Entretem-te a olhar para ele.
É um rio. Tem água. Corre.

- Quando eu for crescido, mãe,
quero saber e entender.

- Ó filho, o supremo bem
é cada qual, com o que tem,
resignar-se e agradecer.
Deus faz tudo pelo melhor.
Não se engana nem se esquece.
De todo o mal, o maior,
seria sempre peor
se Deus assim o quisesse.
Ninguém foge ao seu destino.
Está tudo determinado.
Não penses com desatino.
Dorme, dorme, meu menino,
um soninho descansado.


António Gedeão

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Tão bem caracterizada a acção da religião sobre as pessoas!!!!!!
"Dorme, dorme meu menino" e não penses. Deus pensará por ti.
Grande,grande Gedeão.

Um beijo.

Justine disse...

Magnífica ironia!

Maria disse...

Este poema fez-me lembrar outros tempos e outras perguntas...

Um beijo grande.

samuel disse...

Dito de outra maneira...

Un día yo pregunté:
Abuelo, dónde esta Dios?
Mi abuelo se puso triste,
y nada me respondió.

(Atahualpa Yupanqui)

Abraço.

Fernando Samuel disse...

Graciete Rietsch: grande, grande Gedeão!
Um beijo.

Justine: fina ironia...
Um beijo.

Maria: é natural que faça...
Um beijo grande.

samuel: ou isso...
Um abraço.