QUANDO AS «MULTIDÕES» SE ATRASAM...

Como era previsível, o Irão volta a ser tema em destaque neste blog.
Melhor dizendo: o que é tema em destaque é a forma como os média dominantes têm vindo a tratar a situação iraniana, pois foi essa a matéria que abordei nos meus dois posts anteriores.

Sobre o regime iraniano, sobre Ahmadinejadi, as suas opiniões, as suas práticas políticas, escusado será dizer que não me merecem a menor simpatia, antes pelo contrário. E o mesmo digo sobre Mussavi, que é o homem dos EUA no Irão.
E já agora acrescento que nada me garante que não tenha havido fraudes nas eleições - tanto mais que, como sabe quem quer saber, são muito raros os países onde as eleições não são mais ou menos fraudulentas.

Aquilo para que tenho vindo a chamar a atenção é para a poderosa e despudorada operação mediática em curso, subvertendo a realidade, mentindo, mistificando, manipulando - e fazendo tudo isso, insisto, ao serviço dos interesses do imperialismo norte-americano, do Governo de Obama, que, escusado será dizer, não me merecem mais simpatia do que o regime iraniano e o seu chefe - e o mesmo digo do Sarkozy, da Merkhel, e etc.

Sobre a operação mediática:
No meu post anterior, deixei no ar a hipótese de, um dia destes, as «multidões» - de que os média falavam, equiparando-as às «manifestações de 1979» (apesar de nunca referirem mais de «dois mil manifestantes»...)- aparecerem finalmente.
É que eu tinha a sensação nítida de que, por efeito de qualquer «falha», os média se haviam adiantado às «multidões», começando a falar delas antes de elas existirem...
Ora, a leitura dos jornais de ontem e de hoje confirmou-me plenamente essa sensação, porque, de duas uma: ou as multidões», por qualquer «falha», se atrasaram atrasado, ou os média, por qulquer «falha», se adiantaram a anunciá-las...
Quer isto dizer que os acontecimentos que os média relataram no domingo e na segunda-feira... só ocorreram nos dias seguintes...
São estes média que nos informam...

Entretanto, e certamente com grande alívio para os média, as «multidões» chegaram, ou seja, o que estava previsto acontecer, aconteceu:
«estimativas da polícia» chegadas ao Público falam de «quase dois milhões de pessoas nas ruas»; «fontes policiais» disseram ao DN que «o número de manifestantes poderia ultrapassar o milhão e meio»; e «fontes da polícia» informaram o JN que «há meio milhão de pessoas na rua».
Outras «fontes» (ou as mesmas) disseram a todos os média que os apoiantes de Ahmadinejadi «também estão na rua», e que «são milhares», «muitos milhares» ou «dezenas de milhares»... E sublinham outra diferença: enquanto os contestatários são «jovens», «dinâmicos» e «cheios de entusiasmo» (mesmo quando pacificamente incendeiam autocarros e automóveis, e destroem tudo o que podem), os apoiantes de Ahmadinejadi, garantem as «fontes» ao Público, manifestam-se «sem entusiasmo, como se fossem robôs»...
En resumo, a manipulação continua.

Para além disso, as «preocupações» com a «violência» continuam a tirar o sono aos que, por vocação, sempre se «preocupam» com certas «violências» e nunca se «preocupam» com outras violências.
Há dias, o Público deu notícia das «preocupações» do vice-presidente dos EUA: o que, então, mais «preocupava» Joe Biden era «a forma como eles reprimem a multidão»...
Curiosamente, e a confirmar que isto anda tudo ligado, registe-se que quando Biden fez estas declarações, a «multidão» ainda não tinha chegado...
Ontem, foi a vez de Obama se pronunciar: «Como qualquer outro americano, fico extremamente impressionado quando a violência é utilizada para oprimir as vozes daqueles que pacificamente manifestam o seu descontentamento», disse o homem da «mudança» - e, impressionado, acrescentou: «eu e o resto do mundo partilhamos as maiores preocupações»...
O dono do mundo não diria melhor...

10 comentários:

filipe disse...

Acertado e oportuno complemento aos post anteriores sobre o tema. A vida e a luta são "mil vezes" mais complexas que os conceitos para as descrevermos. Por tal razão, sim, é possível, a solidariedade com posições anti-imperialistas e a crítica, ao mesmo sujeito, pelas suas posições ditatoriais, bem expressas na repressão e ilegalização dos comunistas. O marxismo-leninismo - e a luta - têm destas coisas...
Um abraço!

Carlos Vale disse...

De acordo. Muito oportuno.É que as centrais de desinformação ainda não pararam.
Estava tudo tão adiantado que o "preso" Mussavi compareceu e discursou na manifestação.
O preso que estava preso afinal não tinha sido preso e até botou palavra.
O "osso" foi lançado e há quem se lançasse sobre ele e ainda não deixou de morder.O facto do "osso" continuar a ser gostoso para alguns blogs,dado não o largarem, dá que pensar,dá,dá... Até porque, ontem,na TV oriunda dos EUA,os apelos à "onda" informática sobre o Irão,foi largamente difundida.
Ora, quem não quer ser lobo não lhe veste a pele...
Um abraço
Carlos Vale

Aristides disse...

Fernando Samuel:
Estou em crer que o imbróglio do número de manifestantes se resolvia rapidamente. Bastava a PSP mandar para lá os seus especialistas em contar manifestantes que logo se chegava a uma conclusão certeira. Tão certeira como as nossas sondagens.
Agora "falando sério": excelentes posts, certeiras e demolidoras análises. É sempre um prazer renovado ler-te.
Grande abraço

Clyde disse...

Muito bom, mesmo! É só comparar com o lixo que o Daniel Oliveira publica no seu blog: um autêntico campeão da democraCIA

Maria disse...

Oportuna, como sempre, a tua análise. Com outros dados e fazendo a ligação de quem está atento, muito atento ao que dizem (ou não) os media.
Tenho a convicção de que o povo iraniano saberá resolver os problemas que enfrenta, "malgré" a preocupação do dono do mundo e seus acólitos...

Um beijo grande

samuel disse...

Este texto não deixa grande espaço de manobra para os do costume virem inventar apoios e ligações dos comunistas "ao regime" iraniano.
Sobra, felizmente, para esses nossos "atacadores" de estimação, o teu e nosso conhecido anti- americanismo primário... que, pelo menos no meu caso, se pode confirmar consultando a minha colecção de CDs, filmes, alguns livros... :-)))

Excelente post!

Abraço.

Ana Camarra disse...

Como canta o Sérgio Godinho

"Ainda não vi
ainda não
a impressionante mariposa
a pretendente pesarosa
a tarde morna e vagarosa
as duas faces da provável solidão

Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá

Ainda não vi
ainda não
o riso que tudo desvenda
o reverendo e a reverenda
o leão ferido e a sua senda
a face clara da possível confusão

Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começará

Quando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado

Ainda não vi
ainda não
as artimanhas da saudade
a caravana na cidade
a incorruptibilidade
as duas faces da provável solidão

Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá

Ainda não vi
ainda não
o abraço à porta da taberna
a ideológica lanterna
a mão que avança para a perna
a face clara da possível confusão

Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começará

Quando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado

Ainda não vi
ainda não
a grossa lágrima ao espelho
o grande chefe e o seu grupelho
o azul-turquesa e o vermelho
as duas faces da provável solidão

Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá"

Beijos

Antuã disse...

Eu sou anti-americano, sim senhor. Pelo menos enquanto eles escravizarem os povos.

Anónimo disse...

Ó homem, vá ler o Avante:

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=29488&area=11

Fernando Samuel disse...

filipe: por isso o marxismo-leninismo e a luta constituem preciosas ferramentas de trabalho...
Abraço.

Carlos Vale: esta está a ser uma das mais despudoradas operações de propaganda de sempre.
Abraço.

Aristides: não há dúvida. os «nossos» especialistas contavam aquilo tudo rapidamente, até à unidade...
Abraço.

Clyde: de facto,essa democraCIA anda muito por aí...
Um abraço.

Maria: mais tarde ou mais cedo, cada povo conquistará o seu futuro.
Um beijo grande.

samuel: é a melhor forma de fazerem render o seu pró-americanismo primaríssimo.
(e quanto a CD's, filmes, livros: tantos, tantos, tantos - e muitos deles tendo contribuído para a minha (nossa) formação...
Um abraço.

Ana Camarra; anda tudo ligado, anda...
Um beijo.

Antuã: ou antes: anti-imperialismo norte americano.
Um abraço.