POEMA

NATUREZA MORTA


As bombas destruíram todas as casas menos uma,
as casas onde viviam os homens que não tinham cor nenhuma.

Por entre os escombros
alguns milhões de cadáveres contavam anedotas e encolhiam os ombros.

Quando já não havia mais homens para matar,
nem pedras por calcinar,
nem searas por destruir,
foi só então que as bombas cessaram de cair.

Sobre a mesa vermelha
uma verde maçã e uma garrafa amarela e torta.
Natureza morta.

Felizmente as bombas destruíram todas as casas menos uma,
as casas em que viviam os homens que não tinham cor nenhuma.

Aí, com perícia esmerada,
os sábios reconstituíram um corpo, tão perfeito como se fosse vivo.
A casa, essa, foi reservada
para museu e arquivo.


António Gedeão

4 comentários:

samuel disse...

Como monumento involuntário à própria insanidade...

Abraço.

Maria disse...

Não sei comentar este poema de Gedeão. Apenas senti-lo bem cá dentro. E vê-lo...

Um beijo grande

Ana Camarra disse...

Um arquivo de dor!

beijos

Fernando Samuel disse...

samuel: perfeito monumento à insanidade.
Um abraço.

Maria: é a bestialidade em estado «puro»...
Um beijo grande.

Ana Camarra: exacto!
Um beijo.