O CIDADÃO DESCONHECIDO
Segundo apurou o Instituto de Estatística,
contra ele nunca existiu qualquer queixa oficial,
e todos os relatórios sobre a sua conduta confirmam:
no moderno sentido de uma palavra velha, ele era um santo,
pois em tudo o que fez serviu a Grande Comunidade.
Com excepção da Guerra e até ao dia da reforma,
trabalhou numa fábrica e nunca foi despedido;
sempre satisfez os seus patrões, Máquinas Fraude, Lt.dª.
Mas não era fura-greves nem tinha opiniões estranhas,
pois o Sindicato informa que sempre pagou as quotas
(e o seu Sindicato tem a nossa confiança),
e o nosso pessoal de Psicologia Social descobriu
que ele era popular entre os colegas e gostava de um copo.
A Imprensa não duvida de que ele comprava um jornal por dia
e que as reacções à publicidade eram cem por cento normais.
Apólices tiradas em seu nome provam que tinha todos os seguros,
e o Boletim de Saúde mostra que esteve uma vez no hospital e saiu curado.
Tanto o Gabinete de Estudo dos Produtores como o da Qualidade de Vida declaram
que estava plenamente sensibilizado para as vantagens da Compra a Prestações
e tinha tudo o que é preciso ao Homem Moderno:
um gira-discos, um rádio, um carro e um frigorífico.
Os nossos Inquiridores da Opinião Pública alegram-se
por ele ter opiniões certas para a época do ano;
Quando havia paz, era pela paz, quando havia guerra, ele ia.
Era casado e aumentou com cinco filhos a população,
o que, diz o nosso Eugenista, era o número certo para um pai da sua geração,
e os nossos Professores informam que nunca interferiu com a sua educação.
Era livre? Era feliz? A pergunta é absurda:
se algo estivesse errado, com certeza teríamos sabido.
Wystan Hugh Auden
5 comentários:
"se algo estivesse errado..."
Muitas vezes, os piores psicopatas e serial killers, saem dos bairros mais perfeitos, com as casinhas todas iguais, em subúrbios onde nada estava "errado"...
Basta uma estaladela no poderoso verniz da propaganda, das prestações, dos seguros, do carro, do frigorífico...
Abraço.
É claro que não estava nada errado tendo em conta que era um alacio de um sistema que de livre não tinha nada...
beijo,
Este grande poema explica, de certo modo, o porquê do conformismo. Pois se até as compras a prestações, tão incentivadas mas uma das causas do nosso descalabro económio, lhe permitiam ter frigorífico, televisão e, quem sabe, talvez automóvel, para quê pensar num mundo diferente e melhor para todos?
O problema é que a factura acabaria por chegar mas quem a pagaria seriam talvez seus filhos ou netos e isso foi esquecido.
Ela aí está a factura.
Vamos votar CDU pelos nossos filhos, netos,bisnetos e todos os mais que vierem.
Um beijo.
Estou de acordo com o Samuel. Os piores exemplos vêm dos bairros perfeitos (ou no melhor pano cai a nódoa).
Parabéns pela escolha do texto, o que prova que, com o colectivo "Cravo de Abril", estamos sempre bem acompanhados de bons autores, bons poemas e boas citações.
(Jorge)
Nem a sua sombra o incomodava.
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