POEMA

PORTUGAL, CRAVO VERMELHO


Em vinte e cinco de Abril,
em Portugal, de repente,
no ermo da madrugada,
floriram cravos vermelhos.

Já quarenta e oito anos
a treva nos tinha cegos,
quando da treva rasgada
floriram cravos vermelhos.

Veio a manhã que tardava.
Estava a longa noite finda.
Num rumor de asas de pombas,
floriram cravos vermelhos.

Desde os peitos dos soldados
aos peitos dos marinheiros,
nas próprias metralhadoras,
floriram cravos vermelhos.

Mal rompeu o dia novo,
logo por ruas e praças,
das cidades às aldeias,
floriram cravos vermelhos.

Quer nas mãos dos operários,
quer nas mãos dos camponeses,
no tempo de um pensamento,
floriram cravos vermelhos.

Nos olhos baços dos velhos,
na gralhada das crianças,
no enlevo das mulheres,
floriram cravos vermelhos.

Nas páginas dos escritores,
na atenção dos estudantes,
nas comoções da razão,
floriram cravos vermelhos.

Era um povo renascido
da morte em que estava morto,
em cujos gestos e gritos
floriram cravos vermelhos.

No sol, na lua, no vento,
nas searas, nos montados,
nos olivais, nas charnecas,
floriram cravos vermelhos.

Na voz das fontes e rios,
nas ondas do mar amigo,
nas penedias dos montes,
floriram cravos vermelhos.

No pão, no vinho, nos frutos,
de sangue e suor nutridos,
mais na fome e sede deles,
floriram cravos vermelhos.

No azul do céu profundo,
no branco leve das nuvens,
no canto alegre das aves,
floriram cravos vermelhos.

Na sombra vil das prisões
abertas de par em par,
dos irmãos delas libertos,
floriram cravos vermelhos.

Mas no Primeiro de Maio,
foi que, em todo Portugal,
Portugal todo floriu
num mesmo cravo vermelho.


Armindo Rodrigues


(Termina aqui o ciclo de poesia dedicado a Armindo Rodrigues. O próximo poeta será José Saramago)

6 comentários:

svasconcelos disse...

Quando comecei a ler a tua nota de rodapé, e já ia lamentar o fim do ciclo de poemas do Armindo, logo me consolei, porque vem aí outro que eu quero (muito) ler e reler.:)
beijo, que o ano tenha começado bem:)

Graciete Rietsch disse...

Tantos cravos vermelhos que cairam na desilusão e desesperança!!!!!
É obrigatório acordá-los de novo e fazê-los outra vez florir nas ruas, nas praças, no pensamento de cada um.
Terminou bem o ciclo dedicado a Armindo Rodrigues e o novo ciclo vai-me dar a conhecer poesia, que eu conheço mal, do nosso NOBEL.

Um beijo.

samuel disse...

E assim se vê que praticamente tudo pode rimar com cravos vermelhos a florir...
Belo final!

Abraço.

Justine disse...

Acabaste o ciclo em glória! Venha o próximo, a saborear:))

Maria disse...

Os cravos vermelhos voltarão a florir como neste poema. Um dia. Um Abril um Maio!

Um beijo grande.

Fernando Samuel disse...

svasconcelos: e o Saramago era um grande admirador do poeta Armindo Rodrigues.
Bom ano - com muita luta - também para ti.
Um beijo amigo.

Graciete Rietsch: desejo que gostes do poeta que se segue - e estou em crer que gostarás.
Um beijo.

samuel: rima... é quando um homem quiser...
Um abraço.

Justine: aí vai o próximo...
Um beijo.

Maria: a luta há-de fazer florir Abril de novo.
Um beijo grande.