POEMA

OUVINDO BEETHOVEN


Venham leis e homens de balanças,
mandamentos daquém e dalém mundo,
venham ordens, decretos e vinganças,
desça o juiz em nós até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade,
brilhe, vermelha, a luz inquisidora,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam, peçam dedos,
para sujar nas fichas dos arquivos,
não respeitem mistérios nem segredos,
que é natural nos homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
relógios a marcar a hora exacta,
não aceitem nem votem outra arte
que a prosa de registo, o verso data.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas,
hão-de cair em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.


José Saramago

5 comentários:

Maria disse...

Cantei-o enquanto o lia. Inesquecível a voz do Manuel Freire.

Um beijo grande.

Bolota disse...

Mas quando nos julgarem bem seguros
Agitaremos bem alto uma bandeira
De força de esperança no futuro
Apesar de vidas feitas de canseira

Graciete Rietsch disse...

Este poema já eu conhecia!
É urgente fazer cair , de novo, os muros e trazer outra vez as surpresas até nós.Mas agora para ficar.

Um beijo.

samuel disse...

Este vem disparado pela música que o Manel soube descobrir que ele tinha...

Abraço.

Fernando Samuel disse...

Maria: cantei-o enquanto o escrevia...
Um beijo grande.

Bolota: muito bem.
Um abraço.

Graciete Rietsch: vamos construir o dia das surpresas...
Um beijo.

samuel: é impossível lê-lo sem o cantar...
Um abraço.