DA MORTE
Entrem lá, meus amigos, sentem-se,
sejam benvindos, trazem-me alegria.
Já sei, entraram pela janela da cela enquanto eu dormia
não deixaram cair nem a garrafa de gargalo fino
nem a caixa vermelha de medicamentos.
Aí estão todos de mãos dadas à minha cabeceira
com uma palidez de estrela nos rostos.
Como é estranho
Pensava que estavam mortos
e como não creio em Deus nem no além
lamentava não lhes ter ainda
oferecido uma pitada de tabaco.
Como é estranho
Pensava que estavam mortos
entraram pela janela da cela
Venham pois, meus amigos, sentem-se
sejam benvindos, trazem-me alegria.
Hachim, filho de Osman,
porque me olhas com ar de caso?
Hachim, filho de Osman,
como é estranho
não tinhas morrido, meu irmão,
em Istambul, no porto,
durante um carregamento de carvão para um barco estrangeiro?
Caíste com o balde no fundo do porão
foi o cabrestante do cargueiro a içar-te
e antes de ires repousar para sempre
o teu sangue, muito vermelho, lavou a tua cabeça negra.
Quem sabe aquilo que sofreste.
Não fiquem de pé, sentem-se,
pensava que estavam mortos
entraram pela janela da cela
com uma palidez de estrela nos rostos
Sejam benvindos, trazem-me alegria.
Yakup, da aldeia de Kayalar,
olá, velhote,
não estavas morto, também tu?
Não tinhas ido para o cemitério sem árvores
deixando aos filhos a malária e a fome?
Fazia um calor horrível nesse dia
Então, não estavas morto?
E tu Ahmed Djemil, o Escritor?
Vi com os meus próprios olhos
o teu caixão descer à terra
creio mesmo estar lembrado
que o teu caixão era pequeno demais para o teu tamanho.
Deixa, Ahmed Djemil,
vejo que ainda conservas o velho hábito,
uma garrafa de medicamento, não de raki,
bebias dessa maneira
para poderes fazer cinquenta piastras por dia
e para poderes esquecer o mundo na tua solidão.
Pensava que estavam mortos, meus amigos,
afinal estão à minha cabeceira de mãos dadas
Sentem-se, meus amigos, sentem-se,
sejam benvindos, trazem-me alegria.
A morte é justa, diz um poeta persa,
ceifa o pobre e o xá com igual majestade.
Hachim, porque te espantas?
nunca ouviste falar de um xá
morto no porão de um navio com um balde na mão?
A morte é justa, diz um poeta persa.
Yakup,
como ficas belo quando ris, querido velho,
nunca te vi rir assim
quando estavas vivo...
Mas espera que eu acabe
A morte é justa, diz um poeta persa...
Deixa essa garrafa, Ahmed Djemil,
não vale a pena zangares-te, eu compreendo-te
Para que a morte seja justa
é preciso que a vida seja justa.
O poeta persa...
Porquê, meus amigos, porque me deixam assim sozinho?
Onde vão vocês?
Nâzim Hikmet
7 comentários:
Nazim Hikmet lutou para que a vida fosse justa.
Um Abraço.
Grande poeta!. De que tamanho seria se fosse de ocidental origem?
Um abraço
Que grande poema! gosteimuito,mesmo muito.
Um abraço.
Que belo poema! Cada vez gosto mais deste poeta.
Um beijo grande.
Nelson Ricardo;: até ao fim da sua vida.
Um abraço.
do Zambujal: ó isso não se falaria doutra coisa...
Um abraço.
Graciete Rietsch: também acho.
Um beijo.
Maria: e eu também.
Um beijo grande.
Concordo com o de Zambujal... e se fosse ocidental? E então se escolhesse uns temas um pouco pouco menos desconfortáveis...
Abraço.
samuel: isso seria ouro sobre azul...
Um abraço.
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