POEMA

ELES



Eles que são inúmeros
como as formigas na terra,
os peixes na água,
as aves no céu,
eles que são poltrões,
corajosos,
ignorantes
e sábios,
eles que são crianças,
eles que fazem tábua rasa
e eles que criam,
serão, com as suas aventuras, o objecto único deste livro.

Eles que, deixando-se enredar nas teias do traidor,
atiram com o chapéu
e, abandonando a arena ao inimigo,
correm a fechar-se em casa,
e eles ainda que trespassam o traidor à punhalada,
eles que riem como a árvore jovem,
eles que choram prematuramente,
eles que injuriam pai e mãe,
serão, com as suas aventuras, o objecto único deste livro.

E o ferro
e o carvão
e o açúcar
e o cobre vermelho
e os tecidos
e cada um dos ramos da indústria
e o amor
e a tirania
e a vida
e o céu
e a planície
e o oceano azul
e as melancólicas vias fluviais
e a terra lavrada e as cidades,
um dia tudo muda de feição,
quando manhã cedo, nos confins das trevas,
apoiando no chão as mãos calosas e pesadas
eles se levantarem.

São eles que reflectem
nos espelhos mais sábios
as imagens mais coloridas.
No nosso século, eles venceram,
eles foram vencidos.
Deles muita coisa se disse
e para eles foi dito
que não tinham nada a perder
a não ser as grilhetas.


Nâzim Hikmet

6 comentários:

samuel disse...

Esse será "O Dia"!

Abraço.

Maria disse...

Por fim, levantados do chão.

Um beijo grande.

Nelson Ricardo disse...

Há poemas que só apetece escrever nas paredes à vista de todos, para que todos os pudessem ler e sentir o peso destas palavras. Este é um desses poemas.

Um Abraço.

Fernando Samuel disse...

samuel: o NOSSO DIA!
Um abraço.

Maria: ... e a conquista do céu...
Um beijo grande.


Nelson Ricardo: é bem verdade.
Um abraço.

Graciete Rietsch disse...

E hão-de perdê-las!!!!
Dos passos atrás resultam sempre mais passos à frente.

Beijos.

Fernando Samuel disse...

Graciete Rietsch: é assim a luta: difícil, mas pouco a pouco lá iremos.
Um beijo.