POEMA

ROMANCE DE FEDERICO

«El crimen fué en Granada: en su Granada!»

António Machado


I
Num pueblo de Espanha
la Barraca se levanta:
num pueblo de Espanha,
numa praça de Castela...

Mas não se ouvem poemas,
nem guitarras, nem canções
- que la Barraca é deserta...
Morreram vozes e risos
(no chão, com as folhas arrancadas,
D. Quijote de Cervantes)
e calaram-se as canções,
geladas no oiro frio
das cordas dos violões
-que la Barraca está deserta,
como uma alma... deserta.

Correi ventos de Espanha!
Chamai vozes de Espanha!
Mirad olhos de Espanha!
- Aonde está Federico?

Chorai corações de Espanha!

- No acampamento cigano
uma virgem desmaiou:
romance da «pena negra»
a feiticeira agoirou.
Romance da «pena negra»,
romance da negra sorte,
como uma bala na fronte
e outra no coração
morto para sempre ficou...
(No veludo dos estojos,
as cordas das guitarras estalaram
com um ai grave e profundo...)
as mãos estendidas, sem raiva,
os olhos cheios de terra,
morto ficou.

Chorai corações de Espanha!

Com os olhos cheios de terra,
sob o céu de su Granada,
morto ficou...

Cavalos negros da noite
encobriram as estrelas.
De Cádis até Navarra,
de Badajoz ao Levante.


II

A noite desceu sobre o corpo da Espanha...
A noite das águias carniceiras
desceu sobre o corpo da Espanha...

Ferem o chão fúrias soltas
- ruínas foram cidades e vilas,
escolas, lares e catedrais;
incêndios foram celeiros e searas;
ódio foi amor,
lágrimas foram riso...
A noite poisou seus dedos de treva
no coração da Espanha...

Espanha,
em teus braços de Mãe,
em teus braços de terra,
apodrecem os corpos
de teus filhos inocentes...
Espanha,
na sombra que desceu
as feridas dos cadáveres abrem-se
como flores roxas de agonia...

Espanha,
noites de serenata,
sob os balcões floridos, nunca mais:
que os corações não batem já para o amor,
só para o aço dos punhais...

Espanha,
Carmen, cigana,
corpo de bronze, olhos de lume,
não mais amante...
Espanha,
na noite das catedrais,
correm lágrimas de marfim
pelas faces dos crucificados
- na tua face
são de sangue, Espanha!
Espanha!,
no silêncio das catedrais
sorrisos seráficos da Virgem
- na tua boca
sangue e fel, Espanha!


Joaquim Namorado

6 comentários:

samuel disse...

Muito bom!
Nunca deixa de arrepiar... e contagia quem escreve sobre ele.

Abraço.

Maria disse...

Arrepiante, fortíssimo!
Lorca está presente!

Um beijo grane

Anónimo disse...

Lorca foi assassinado às mãos dos fascistas, mas a sua memória perdura...
Abraço

Antuã disse...

Lorca libertou-se da lei da morte.

J.S. Teixeira disse...

Mais uma excelente tirada. Lindo poema.

Desculpa a publicidade. Samuel Cruz, candidato à Câmara pelo PS no Seixal, continua a sua demanda de victimização. Vejam porque no blogue O Flamingo

Fernando Samuel disse...

samuel: está ali o «ambiente» lorquiano...
Um abraço.

Maria: arrepiante, dizes bem...
Um beijo grande.

ludo rex: e perdurará muito para além do dia do fim do último fascista...
Um abraço.

Antuã: sem dúvida.
Um abraço.

J.S.Teixeira: já lá fui ver.
Um abraço.