POEMA

NESTA HORA


Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
e lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
ganhar meio salário
como só ter direito
a metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
e o resto joga com habilidade
porque pensa que o povo só pensa metade
porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
partir do olhar da mão e da razão
partir da limpidez elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- sob o ausente olhar silente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
na nudez de alegria que nos veste

20 de Maio de 1974


Sophia de Mello Breyner Andresen


6 comentários:

Graciete Rietsch disse...

É preciso impedir que a mentira se sobreponha à verdade e lutar sempre e cada vez mais para que ela se imponha e concretize.

Um beijo

samuel disse...

Pouco mudou, desde então... e se mudou, foi para pior.

Abraço.

Anónimo disse...

Sendo os posts de opinião do Cravo de Abril, marcos lúcidos e firmes do pensamento revolucionário, um blog que não transige com os ideais eternos da "liberdade, justiça, fraternidade, sem ambiguidades e tomando Partido", não consigo compreender a permanente inclusão de poesia que, apesar do incontestado valor literário, é produto de alguém oriunda da burguesia aristocrática do porto, que lutou ativamente contra os nossos objetivos e ideais como militante e deputada do PS, em detrimento de poetas verdadeiramente revolucionários e do nosso Partido, Ari dos Santos, por exemplo.

filipe disse...

37 anos volvidos, transborda de verdades inalteráveis e enorme actualidade!

GR disse...

Nestas três decadas mudou para pior!
Mas a Luta Continua e a poesia é também uma arma!

BJS,

GR

Maria disse...

Este Maio de 74 do nosso contentamento, apesar de tudo o resto...

Um beijo grande.