POEMA

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA



Para que ela tivesse um pescoço tão fino
para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
para que a sua espinha fosse tão direita
e ela usasse a cabeça tão erguida
com uma tão simples claridade sobre a testa
foram necessárias sucessivas gerações de escravos
de corpo dobrado e grossas mãos pacientes
servindo sucessivas gerações de príncipes
ainda um pouco toscos e grosseiros
ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdício de gente
para que ela fosse aquela perfeição
solitária exilada sem destino


Sophia de Mello Breyner Andresen


6 comentários:

Maria disse...

Este poema fez-me lembrar o "operário em construção".
Enorme Sophia!

Um beijo grande.

samuel disse...

Alguns e algumas nem assim conseguem. Continuam toscos como calhaus.
Mas, em contrapartida, cada vez mais escravos vão tomando consciência...

Abraço.

Justine disse...

A lucidez dita de um modo imensamente belo....

svasconcelos disse...

E o mundo ainda é assim: para que haja uma princesa continuam a existir muitos escravos; "para que haja um rico são precisos muitos pobres"...
Grande poema!
beijo,

Graciete Rietsch disse...

O poema é belo e exprime muito bem a essência do capitalismo.

Um beijo.

Fernando Samuel disse...

Maria: visto por outro ângulo...
um beijo grande.

samuel: apesar de tudo, as «coisas» avançam todos os dias um bocadinho...
Um abraço.

Justine: sem dúvida.
um beijo.

svasconcelos: será assim enquanto existir exploração...
Um beijo.

Graciete Rietsch: mesmo que essa não tenha sido a intenção da autora...
Um beijo.