POEMA

ESTA DIVINA VONTADE DO POVO


Fixa a rota firme o navegante. Nada que impeça
a viagem pode interpor-se, porque nada é maior
do que esta divina vontade do povo. Quem
o atacar que se detenha ao pé do dia luminoso,
procure os ossos enterrados,
oiça os idos lamentos das crianças e humedeça as
mãos com o sangue,
o bem amado sangue, a água vermelha e torrencial
que molha
a pele do rosto.

Não procuraremos o pão, mas a sonoridade azul
do trigo. No alto, tinge o ar
uma canção de muitas vidas novas. Tem a vida
um resplendor, uma desperta rosa de rocio,
um cálido declínio.
Não morre em vão, tontamente.
Vive na sua paz o navegante,
vive, para guiar a nave ao seu destino.
Quem duvide, perdeu toda a esperança.
Quem o ame tem de lutar e amar,
fortalecer as mãos para a criação,
jamais compadecer-se.


Joaquin González Santana

O MAR DE ROSAS

A pretexto de tudo e de nada, o primeiro-ministro atira-nos à cara com os êxitos da sua sábia governação: ele é um relatório da OCDE sobre a excelsa qualidade da política de ensino do Governo; ele é um código do trabalho cheio de melhorias; ele é uma resposta à crise que faz inveja a todo o mundo...
Ou seja: lá fora, as coisas estão uma desgraça; cá dentro, vivemos num mar de rosas...

Há dias, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertava:
«o sufoco económico e o empobrecimento da classe média estão a acelerar um processo que já era preocupante: a deterioração da saúde mental».
Preocupações lá deles, é claro, já que, por cá, no nosso mar de rosas, é só saúde - mental e da outra.

Senão vejamos:
a revista Notícias magazine de 25 de Janeiro, numa reportagem intitulada «A nacional depressão», confirma a pertinência do alerta da OMS: o desemprego, a precariedade, o trabalho mal pago, a falta de apoios sociais, enfim as consequências da política do Governo, estão a agravar cada vez mais a saúde mental de cada vez mais portugueses.

Diz o jornalista: «Em Portugal, os sintomas são evidentes. O consumo de antidepressivos a ansiolíticos não pára de aumentar (no top 10 dos medicamentos mais vendidos estão dois psicofármacos famosos, o Lorenin e Xanax). Um em cada três portugueses sofre de um distúrbio psicológico. A taxa de suicídio duplicou na última década».

E, olhando para o futuro, acrescenta: «Nas contas da tragédia portuguesa, é preciso obedecer a uma nova equação. Há cada vez mais gente a somar dívidas e a subtrair conforto à vida. Até ao dia em que estoira»


Mas tudo isto não passa, certamente, de propaganda anti-Sócrates.
Porque, como ele não se cansa de nos dizer, vivemos num mar de rosas.

POEMA

OP POEM


Isto é uma lâmpada eléctrica.
Olho o seu casquilho de metal
cheio de sulcos e relevos sem fim
dentro da lâmpada os filamentos de cobre
que alimentados por forças invisíveis
desfazem a obscuridade.

Enfrento o mistério deste ser de vidro
com a certeza de que se trata de um deus estranho
criado pelos feiticeiros deste século XX.


Domingo Alfonso

Posso entrar?

Alentejo... cada ruga tua é um sulco de sede no meu desassossego. cada rua é um labirinto na minha inquietação. cada centímetro de cal é uma língua no mais intimo dos meus sentidos. mas cada rosto é uma faúlha, promessa de fogueira na noite de solidão.



(foto: Ervidel, à porta da tasca do «par de cadeiras», Primavera de 2008)

POEMA

BELA É A COLUNA NEOCLÁSSICA


Bela é a coluna neoclássica,
o frontão negro, o trono de Luís XV
e o agressivo perfil do galeão espanhol.
Bela é a imagem do primeiro automóvel,
uma partitura de Mozart, os óleos de David
e os trajes que vestiam as damas de Versalhes;
mas nós nos proclamamos nesta hora
a favor da linha ultramoderna do Caravelle,
do Deus de Ernesto Cardenal,
da maneira de pensar de Fidel Castro,
das estridências dos Beatles,
da violência de Rap Brown
e de tanto problema que constitui a medula
deste tempo em que vivemos e sofremos
cheio de fealdade, cheio de miséria;
mas cheio também de uma beleza sem limites,
de uma esperança insuperável
impossível de encontrar nos museus ou na arqueologia.


Domingo Alfonso

«SÓ»? ««ÚNICO»?...

O «Caso Freeport» continua a dar que falar. Até quando, veremos.
Quanto ao seu desenlace, ao que parece há apenas duas hipóteses: a primeira e a segunda - mas eu, confesso inclinar-me mais para a terceira.
Isto porque há coisas que me confundem.

Por exemplo: o Diário de Notícias de hoje, em título garrafal, informa assim:
«Ingleses têm DVD contra José Sócrates».

Lido tal título, pensei: ai sim?, têm isso?, então está visto que o tal DVD de que tanto se tem falado, afinal é coisa insignificante que não aquenta nem arrefenta em relação ao esclarecimento do «caso».
E preparava-me para passar à página seguinte do jornal, quando me salta aos olhos uma frase que não resisto a partilhar com quem esteja interessado na partilha e que passo a transcrever:

«O primeiro-ministro consta de uma lista de suspeitos enviada pela polícia inglesa. Porém, o único indício apresentado ao Ministério Público português é uma conversa em que Charles Smith, um intermediário, afirma ter feito pagamentos a José Sócrates».

O que admiro nesta frase - e, se o usasse, tiraria o meu chapéu ao seu autor - é a forma genial como, com dois modestos vocábulos - um inofensivo «porém» e um insignificante «único» - se reduz ao grau zero de gravidade aquilo que a mim me parecia ser coisa de grau máximo de gravidade: a afirmação de um senhor inglês que diz «ter feito pagamentos» ao primeiro-ministro português.

Mas pronto, era eu que estava a ver mal: se é «só» o DVD, e se o «único» indício é a tal afirmação, não há problema, está tudo esclarecido e não se fala mais nisso.

POEMA

TRANSPARÊNCIA DA SOMBRA


I

(Foto do Vietnam, 1967)

Sobre a areia fazem trilho de vida
os caranguejos.
Sobre a areia
uma criança calca
a transparência da sombra.

Sobre a areia explode
a bomba.


II

(Rapariga perdida num bombardeio)

Quem reparou no seu vestido quando partiu
que possa reconhecer a cor da sua roupa?

Quem ouviu a sua voz na despedida
que a possa reconhecer entre os lamentos?

Quem a amou
que possa reconhecer o seu rosto entre as ruínas?


Alberto de Diego

EI-LOS!

Têm calendário: aparecem sempre em alturas certas: momentos de fortes lutas dos trabalhadores; anos de congresso; anos de eleições - enfim, quando lhes parece (a eles e sabe-se lá a quem mais) que é a melhor altura...
Também se repetem sempre no que respeita a «argumentos» utilizados.
E na indignidade.
E na desvergonha.

A semana passada foram quatro, no Porto, todos dirigentes do Sindicato dos Professores do Norte: no mesmo dia e à mesma hora anunciaram a sua saída do PCP.
Garantem, no entanto, que não se tratou de «uma posição conjunta, mas de uma mera coincidência»...
«Coincidência» será, também, o momento pelos quatro escolhido: quando a difícil e histórica luta dos professores contra a política de Sócrates se agudiza; quando se desenvolve uma intensa campanha procurando dividir os professores para enfraquecer a sua luta.
E cá está o «argumento» da praxe: «os sindicatos são estruturas independentes quer o PCP goste ou não goste».
Tradução minha: «independentes», para eles, significa: ao serviço dos interesses contrários aos dos trabalhadores que representam.
Como sempre, a notícia foi amplamente divulgada pelos média dominantes - que certamente não darão igual destaque à futura notícia da adesão formal dos quatro (em conjunto ou à vez) ao(s) partido(s) a que, presumivelmente, já pertencem...


Anteontem foi o Presidente da Câmara de Sines.
Em conferência de imprensa, como sempre amplamente divulgada pelos média dominantes, anunciou a sua demissão do PCP.
E cá está o «argumento» da praxe:
«Este partido está impregnado de um conjunto de características típicas de organização dogmática, com disciplina de caserna, que o tornam uma organização estalinizada, com práticas reaccionárias, envolvidas de um discurso pretensamente progressista mas, de facto, retrógrado
».
Tradução minha: neste partido não me safo; não tolero este funcionamento colectivo em que todo o bicho careta quer dar opiniões e ser ouvido; não suporto estes sectários que não me deixam fazer o que quero, como por exemplo mandar às urtigas o projecto autárquico da CDU e apoiar a política regional e nacional do PS, por isso demito-me...

Como sempre acontece, este Presidente, não se demitiu do cargo.
E porquê?
Porque, diz ele, «abandonar o cargo seria sinal de ligeireza e até de cobardia».
Traduzindo: mantendo-me como presidente, estarei em muito melhores condições para, por exemplo, encabeçar a lista do PS às próximas autárquicas.


POEMA

TALVEZ TUDO O APRENDIDO ESTIVESSE...


Talvez tudo o aprendido estivesse
na palidez do meu rosto, nas distantes maneiras
dos meus movimentos, ou em tantos baús,
maletas, beijos, pacotes, embrulhos e numa
ou outra lágrima. Era a chegada. Esse manejo
sugestivo da alfândega e ainda
algumas mulheres ligeiramente enjoadas
nos seus ocasionais chapelinhos, de véus e palhinha.

Os primeiros uniformes verde-escuros espantaram-me um pouco.
Mas logo, da sua cara lunar, negra e sorridente
o gordíssimo chofer de táxi me falou
de latifúndios e de monoculturas. Pediu-me
que só escrevesse a verdade do que visse,
julgando-me estrangeiro e jornalista. Chegava.
Balbuciei a querer explicar. Mas ele disse: Fidel.
Foi então, com o seu sorriso irmanado, que descobri
que a Revolução estava em marcha e que toda a viagem
será já diferente.


César López

INTENÇÕES CRIMINOSAS? QU'IDEIA...

Depoiamento de uma mulher de 41 anos, num hospital de Gaza, com o corpo em chagas por efeito de uma bomba de fósforo branco:

«Tenho nove rapazes e uma rapariga. Agora perdi três rapazes e a minha filha. O meu marido também morreu».

A bomba de fósforo branco devastou-lhe a casa e a família logo no 2º dia dos bombardeamentos.
Mas só ontem ficou oficialmente confirmado que os israelitas usaram bombas de fósforo branco nos bombardeamentos da Faixa de Gaza.
É claro que já toda a gente sabia que assim tinha sido, mas o governo israelita negava, dizia que não, que não senhor, iam lá eles fazer uma coisa tão horrorosa, e como é sabido há sempre umas boas almas interessadas em atrasar confirmações deste tipo - pesassem tais suspeitas sobre um qualquer país livre da canga dos EUA e estava logo tudo confirmado e a confirmação divulgada por todo o Planeta...

Mas, pronto, está confirmado mais este crime cometido pelo governo terrorista de Israel - confirmado, até, pelos próprios criminosos que, perante provas concretas, não tiveram outro remédio .
Mas atenção: os terroristas reconhecem ter lançado as bombas de fósforo branco, mas garantem solenemente que não o fizeram por mal.
Aliás, o chefe dos criminosos foi bem claro ao garantir que não lançaram as bombas criminosas «com intenções criminosas»...

POEMA

18 DE ABRIL


O passado na costa? A fome, o frio,
o crime e a dor? Não, companheiros!
Fora latifundiários e banqueiros!
Fora gusanos do ontem sombrio!

O Povo avança como um imenso rio
e há que aguentá-lo nos seus impulsos feros.
Marcham os camponeses, os operários
e desata-se o furacão do brio!

As milícias são rios de leões
que destroem seus tanques e aviões,
e lhes afundam barcaça após barcaça.

Tudo se ergue contra a ousadia
e até a Primavera os rechaça
como uma mancha no fulgor do dia!


Jesús Orta Ruiz
(Índio Naborí)

AS DUAS METADES...

Pela primeira vez na história da Bolívia, uma Constituição foi a votos e o referendo parece ter dado a vitória ao "sim", com cerca de 60% dos votos.
É uma muito boa notícia.
Comentando os resultados e o seu significado, Evo Morales - eleito Presidente em 2005, com 53% dos votos - afirmou: «O Estado colonial termina aqui. O neoliberalismo acaba aqui. Governaremos como nos pede o povo que refundou a Bolívia».

Nos jornais portugueses - Público, DN e JN - a notícia não é suficientemente importante para ter honras de primeira página (e para o Correio da Manhã e o Diário Económico nem sequer é notícia...).
No entanto, o Público dedica-lhe uma página interior, na qual, em título a toda a largura da dita página, «informa»:
«Eleitores foram às urnas por um país melhor e receberam-no dividido em dois».

«Dividido em dois»?: como? porquê?

O Público «esclarece»:
«60 por cento de votos no "sim" e o resto no "não", mostraram, como se supunha, uma Bolívia partida ao meio».

«Partida ao meio»?
Sim. Assim: uma «metade» com uns míseros 60% e a outra «metade» com uns substanciais 40%...
Curioso, este conceito de «metade» adoptado pelo Público, não é?...
É claro que, se o resultado fosse o inverso - 60% para o "não" e 40% para o "sim" - o Público não só não falaria de «Bolívia partida ao meio», como deitaria foguetes à «esmagadora vitória da oposição»...

Mas, afinal, onde é que o Público foi buscar a estória das «duas metades»?
É simples: lendo as notícias até ao fim, ficamos a saber que os «líderes da oposição boliviana» consideram que o resultado do referendo «deu um empate» - está-se mesmo a ver: o «empate» entre os 60% obtidos pelo "sim" e os 40% obtidos pelo "não"...
E pronto: bastou isso para que o Público - jornal que se afirma independente, isento, imparcial, e etc - tenha de imediato assumido o papel de porta-voz da dita oposição.
Oposição «democrática», sem dúvida, tão «democrática» que até já apelou à «desobediência» à nova Constituição...

Relembre-se que, entre os que votaram "sim" à nova Constituição, faltaram, pelo menos, 20 cidadãos bolivianos: os 20 camponeses, apoiantes de Morales, assassinados, em 11 de Setembro, pela «oposição» - «oposição democrática», obviamente...
E que, por isso, tem nos média portugueses - propriedade do grande capital - fiéis e fervorosos defensores e apoiantes.

POEMA

HAMLET NA ESCADA


Félix Contreras, meu amigo, companheiro,
pareces o jovem mais velho do mundo.
Na tua cara de máquina do tempo
revela-se prematura
uma velha e carnuda sabedoria,
porque a fome que passaste é antológica.

Essa fome impertinente, indecifrável,
que sempre esteve ao nosso lado;
que ninguém sabe donde vem
nem para onde vai;
nem se fica ou se parte,
burilou-te sem consideração,
com rugas cuneiformes,
a pele escura do rosto.

Essa relíquia, essa fome antiga,
todos a passámos mais ou menos.
Essa praga não alterou
o sereno fulgor do teu olhar.
As malvadas bruxarias
furaram-te a pele, que é a tua fronteira;
mas não te assomaram aos olhos,
que contêm o melhor que o homem tem:
o amor, a amizade, o alegre riso.

Entre a fome que te chegava por ráfegas,
como os ciclones tropicais,
e o misterioso desejo de ser poeta,
parecias um Hamlet de província
no meio de uma escada alta
declamando para um público invisível.

Subir ou descer a escada
que leva a reinos diversos.
Subir à glória ou à fome
ou descer ao jornalismo
frutífero das jantaradas.
Era assim no passado colonial.

Submerso em rios de café com leite
e no tédio atroz do quotidiano
deambulavas numa pobre bicicleta,
tão fraca como tu, mensageiro de farmácia,
por ruas soalhais, cheias de pó.
A tua única festa: livros emprestados.
Por alguém, por muito poucos, por qualquer.
Por alguém, por muito poucos, por qualquer,
por aquela velha do fonógrafo.

Agora a escada já não existe.
E o rumo está marcado em nova bússola,
vejo-te de pé, bem no teu tempo,
saboreando o que outros poetas auguraram.
Ninguém o merece mais do que tu.
No teu estilo não há ódio nem vazio
apesar dos chuvascos que passaste,
mas a aura serena do poeta.
Eu agradeço ter-te conhecido
a esta Revolução, maior do que nós,
pois conhecer um poeta é habitar um oásis
num mundo de loucos perigosos.


Oscar Hurtado

A BOM ENTENDEDOR...

Clara Ferreira Alves (CFA) - que, enquanto «santanete», conseguiu abichar o cargo de directora da Casa Fernando Pessoa, e que, entre outras actividades, verte no Eixo do Mal e bolsa no Expresso - deu entrevista ao Sol.

Mulher de «esquerda» - e que garante não votar na «direita»... - pronunciou-se sobre a governação de Sócrates, na qual vê, argutamente, «uma tentativa honesta de governar e de reformar o Estado»...
Pena é, lamenta CFA, que tal tentativa, por razões várias, não tenha sido totalmente conseguida - e dá um exemplo: «Correia de Campos, que era um bom ministro e que promoveu reformas num sector terrível, caíu com a contestação»...


Sobre se «o melhor para o país é uma nova maioria absoluta do PS», CFA - que se recusou a dizer em quem vai votar... - afirmou, sem papas na língua e sempre à «esquerda»: «Sem maioria absoluta penso que viveremos uma situação de ingovernabilidade que será pior para o país. Não concordo com tudo aquilo que o governo tem feito, mas nos próximos anos a estabilidade política é essencial».
A bom entendedor...

(E no entanto, entre parêntesis vos confesso que não me surpreenderia mesmo nada se, um dia destes, viessemos a saber que CFA irá integrar uma qualquer lista do BE...
Isto porque há muitas formas de levar a água ao moinho desejado - ou seja e neste caso concreto: muitos são os caminhos possíveis de conduzir ao objectivo «essencial» de assegurar a tal tão desejada «estabilidade política»...)

Aguardemos.

POEMA

TODAS AS FERRAMENTAS DO HOMEM


Aqui estão todas as ferramentas deste mundo,
todas as ferramentas que o homem fez
para se firmar bem neste mundo.
Aqui estão as navalhas de gume fino com que
fazemos a barba ao tempo.
E aqui as tesouras para cortar o pano,
para cortar os hipogrifos e as flores
e cortar as máscaras e todas as tramas e, por fim,
para cortar a própria vida do homem, que é um fio.
Aqui estão as serras e serrotes - também facas
sem dúvida, mas imaginadas
de tal modo que os próprios defeitos do borde sirvam
o seu fim.
E aqui está uma colher que alude aos princípios
e aos fins e em resumo
ao inqualificável desvalimento do homem.
Aqui está um fole para atiçar o fogo que serve para
animar o ferro
que serve para fazer o machado
com que se corta a generosa cabeça do homem.
Aqui está um compasso que mede a beleza justa
para que não ultrapasse e quebre e desfaça
o humilde coração do homem.
E aqui está uma trolha de pedreiro com que se unem
os materiais necessários
para que seja feliz e se proteja
de todo o dano.
Aqui está uma balança, chaves, canivetes e binóculos
(se é que o são, que não se sabe)
que na realidade não servem para nada senão para estabelecer
de uma vez para sempre a sólida posição do homem.
Aqui estão uns óculos que se têm de usar para ver
se já se fez o imaginável, o previsível, simples e
impossível
para tratar de garantir todas as ferramentas do homem.

E aqui está, finalmente, o almofariz a que confiamos
a mistura
com que uniremos os pedaços, migalhas, minúcias e despojos
se é que por fim e a tempo, se é que às cegas e por fim
não aprendemos a usar, domar, suavizar e manejar
todas as ferramentas do homem.


Eliseo Diego

O QUE ESTÁ A DAR

Pelo que nos é dito, esta crise do capitalismo internacional vai ser pretexto para muitos sacrifícios - e também, isto digo eu, para muitos benefícios.

Os sacrifícios recairão sobre os mesmos de sempre: quem trabalha e vive do seu trabalho; quem já trabalhou e deveria ter, mas não tem, reformas e pensões dignas; quem quer entrar no mundo do trabalho e só vê à sua frente intransponíveis muros (ou, na melhor da hipóteses, uma espécie de emprego nessa modalidade sinistra e brutalmente violadora dos direitos humanos que é a precariedade)

Os benefícios recairão sobre os mesmos de sempre: os grandes grupos económicos e financeiros, para os quais o lucro está sempre assegurado - quer a situação seja de crise económica, quer seja de retoma económica, quer seja de alta económica.
É assim desde o longínquo ano de 1976, quando Mário Soares iniciou a política de direita, de então para cá praticada pela mesma família política - PS/PSD/CDS-PP - numa espécie de sucessão dinástica que faz lembrar uma monarquia de tipo novo...

Nas situações de aperto como a actual - que são, sempre, momentos em que a hipocrisia não tem limites para os verdadeiros responsáveis por essas situações - multiplicam-se os apelos à boa vontade de todos, à conjugação de forças e de esforços de todos, ao patriotismo de todos, até!...

O primeiro-ministro é um especialista na matéria: pediu sacrifícios (aos mesmos de sempre) quando assumiu o cargo - nessa altura alegando que o governo anterior tinha deixado o país numa desgraça, etc, etc; pediu sacrifícios, agora, alegando que a crise internacional, etc, etc; pedirá sacrifícios mais tarde, alegando que as consequências da crise foram devastadoras, etc, etc...
O Presidente da República dedicou parte do seu discurso de Ano Novo pedindo aos partidos (todos!) que juntem forças para responder à crise.

Tais pedidos, sempre amplamente difundidos pela comunicação social dominante, acabam por influenciar pessoas e entrar na linguagem corrente como coisa positiva, natural, enfim, o que está a dar.
E influenciam, até, quem era suposto não se deixar influenciar...
É o caso do BE que, num dos seus cartazes por aí espalhados, proclama a necessidade de
«Juntar forças
Responder à crise» - frase que nada diz, fingindo dizer tudo, e que, por isso mesmo, vai toda ela no sentido dessa nova forma de fazer política intitulada o que está a dar...

POEMA

JORNADA (VARIAÇÕES)


O dia sai da casca,
toma corpo
e começa a andar
distribuindo ventos, ondas, ternura,
distribuindo canções
e demolindo bastiões
do tempo absurdo
tem que deter-se lentamente,
sua e sorri
e começa a dar a mão aos amigos
e tudo começa a mudar,
e a pessoa que toma um táxi
já não se senta atrás
mas ao lado do chofer
com quem fala amistosamente
com uma amizade mui velha
que acaba de começar,
e que o dia contempla com prazer.

Alguns basiliscos
alguns verdugos
alguns comerciantes
alguns generais
tentam bloquear o caminho ao dia
mas ele desliza entre eles
como a água entre os dedos
que não a podem agarrar;
e só quando ele se realizou
é que se vai, voluntariamente,
deixando um rastro de cores.


Alcides Iznaga

SEM COMENTÁRIOS

CITAÇÕES


José Sócrates, em 2005:
«Sou totalmente alheio ao empreendimento»

José Sócrates, em 23 de Janeiro de 2009, em Zamora:
«Eu bem posso falar, porque era ministro do Ambiente. Embora não tivesse participado no licenciamento, o Ministério do Ambiente fê-lo obedecendo a todas as normas e exigências ambientais. Disse-o em 2005 e digo-o agora».

Júlio Moreira, tio de José Sócrates, na TVI, ontem, e no Sol, hoje:
«Estou até a ser inconveniente para ele, não sei se sim se não. Estou-me nas tintas porque é a verdade. E esse Charles acordou uma reunião com o meu sobrinho, graças a mim, que lhe falei na véspera dos quatro milhões...»

José Sócrates, ontem:
«Houve, de facto, uma reunião alargada, no Ministério do Ambiente (...) Admito, embora não recorde esse facto, que também o meu tio, Júlio Monteiro, me tenha pedido para receber os promotores de modo a esclarecer a posição do Ministério do Ambiente sobre o projecto».


Sem comentários, aguardemos.
Fazendo votos para que se cumpra o «desejo» expresso por José Sócrates «de que a investigação em curso se conclua tão rapidamente quanto possível».

POEMA

ESCRITO NA MORTE DE MR. KENNEDY


As vacas pastaram
veneno
As doces cabeças rodaram
envenenadas
E o arroz? O arroz também foi
envenenado
O veneno choveu longamente
sobre o Vietname-do-Sul
Os dentes do napalm morderam
carne e madeira
Carne da mãe
e do filho e a madeira do telhado
e da mesa
O napalm mordeu
tanta coisa no Vietname-do-Sul
(Dos 162 mil mortos
do Vietname-do-Sul quantos
te pertencem?)
Também morreu o meu camarada Ñico
- Ñico Egozcue de la Rosa carpinteiro
e soldado deixou por acabar a mesa
do Círculo Social -
O meu camarada
morreu na estrada Covadonga-Praia Girón
(Hoje compreendemos com espanto que
tu também eras mortal)

Luis Marré

PARA APLICAÇÃO INTEGRAL

Enquanto Barack Obama tomava posse como Presidente dos EUA - em espectáculo transmitido em directo para todo o mundo - por cá tinham início, em Guimarães e no Porto, os julgamentos de uns tantos perturbadores da ordem. Perdão: da Ordem! (respeitinho é que é preciso...)

Segundo nos dizem os média, Obama é - para além da «liberdade» e etc. - a «mudança», a «esperança», a «bonança» e etc.
E ele, no seu discurso de tomada de posse, confirmou e precisou: disse que sim, que é isso tudo - e que é isso tudo para maior glória dos EUA...

Deixemo-lo, então, entregue ao seu «sonho americano» - a essa muito peculiar modalidade de sonho cuja concretização plena, assente na ideia de que o que é bom para os EUA é bom para o mundo, passa precisamente pelo domínio do mundo - e voltemos aos julgamentos de Guimarães e do Porto.

Os réus são oito: quatro dirigentes sindicais, três membros de movimentos de utentes de transportes e uma estudante do Ensino Secundário. Todos acusados do gravíssimo crime de se manifestarem publicamente contra a política do Governo, por isso todos perigosos...
Na verdade, trata-se de oito cidadãos portugueses que, exercendo direitos conquistados com a Revolução de Abril e consagrados na Constituição da República, se juntaram a muitos outros e vieram para a rua expressar o seu desacordo com uma política que lhes rouba direitos fundamentais.
Na verdade, trata-se do prosseguimento e intensificação da ofensiva do Governo PS/Sócrates contra os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos - no quadro de uma prática governativa que todos os dias nos rouba pedaços da democracia e da liberdade que conquistámos em 25 de Abril de 1974.
E sempre em nome do conceito de «democracia» e de «liberdade» fabricado nos EUA e exportado massivamente para todo o Planeta, comordem da marcha imperativa: para aplicação integral.

POEMA

POÉTICA


Quando se nos acabam as palavras,
no momento preciso em que nos fartamos de Saint John Perse
e J.R.J.
(poetas decididamente respeitáveis)
quando vamos olhando as coisas, vivendo entre as coisas
com um amor profundo
e uma melancolia que deve qualificar-se ainda assim de
"profunda sem dúvida",
no instante em que recebemos uma estranha espécie de patada
no peito e as coisas nos correm bem e estamos bem,
quando estamos entre gente e estamos sós,
se estamos sós e todo o mundo está connosco,
se ficamos a olhar um ponto fixo -
há que continuar.
Apesar dos que prefeririam palavras mais tranquilas,
talvez por eles mesmos,
pelo que vale tudo para todos,
pelos que choram e não são ouvidos,
pelo que fazemos juntos, enquanto restem
tantos sofrimentos, tantas decepções -
há que continuar.
Digo: estender o pescoço, cerrar os dentes
e continuar
digam os comemerdas o que quiserem.
Ou para o dizer de uma maneira definitivamente mais clara:
cagar-se na notícia.


Guillermo Rodriguez Rivera

O CHARLATÃO

«A crise é geral e vem de fora»: papagueou Mário Soares, hoje, no DN - e, para fazer nossa a sua conclusão, acrescentou: «como sabemos».

Com isto quer Soares dizer que não fora a malvada crise - vinda de fora... - e estaríamos a viver no melhor dos mundos.

Com isto quer Soares fingir que não sabe que, quando a crise global cá chegou, já nós por cá sofríamos os efeitos brutais de uma crise local provocada pela política de direita - que é, como nós e o Soares sabemos, uma política por ele inaugurada há mais de 32 anos, no cumprimento de ordens expressas dos seus patrões pagantes de aquém e de além mar.

Com isto quer Soares que concluamos que os tempos que aí vêm - com mais desemprego, piores salários e reformas, mais injustiças, mais pobreza, mais miséria... e mais vantagens para os grandes grupos económicos e financeiros - são consequência da crise que veio de fora.

Com isto quer Soares que, nas eleições que aí vêm, o Governo PS e a sua política de direita sejam premiados, se possível com maioria absoluta, pelo bom trabalho que fizeram - e que só não foi melhor porque a malvada crise, vinda fora, não deixou...

Com tudo isto, merece Soares que se lhe diga o que ele merece ouvir.

POEMA

CONVERSA COM JESÚS MENÉNDEZ


Diz quem o conheceu, que trazia no olhar
toda a tristeza da país, e que era sereno e calado
como alguém que procura que a lua não saia do canavial.
Ia pelos campos, com a febre da terra na fronte,
entre discursos e bandeiras, e até uma carroça lhe servia
de tribuna para defender os nossos direitos, cana lançada
ao caminho.

Nessa época o povo ia com a vida vazia
à procura de um rincão onde semear a semente do amor,
duma Primavera onde florescer. Mas todos os sulcos estavam
secos.
A esperança parecia um chapéu de abas largas rio abaixo.

Então viram-no abrir o peito e oferecê-lo como um pedaço
de terra boa. No Tiempo Muerto a fome nublava o campo,
não se ouviam décimas nos portais das cabanas e os
cantos desapareciam misteriosamente e a miséria batia
as palmas.

Diz quem viu cair seu sangue, que sempre recorda a luz.

Agora o seu sacrifício frutifica. Estão abertas as janelas
do país. Já as canas sonham, a fábrica canta, as carroças
são carroças. Estamos a edificar um futuro forte.
E a revolução é uma fonte
derramando-se diante dos nossos olhos.


Jesús Cos Causse

João Aguardela (1969-2009)

Faleceu João Aguardela, músico e compositor, vítima de cancro aos 39 anos, fundador de bandas como os Sitiados, Megafone, Linha da Frente e A Naifa.
O músico será cremado amanhã, dia 20, às 16h00, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa.
O Colectivo do CRAVO DE ABRIL deixa-vos registos de algumas bandas onde João Aguardela participou.

SITIADOS




MEGAFONE




A NAIFA

25 ANOS - A LUTA CONTINUA

DOIS POEMAS DO POETA DA REVOLUÇÃO



NÃO PASSAM MAIS

Em nome dos nossos braços
em nome das nossas mãos
em nome de quantos passos
deram os nossos irmãos.
Em nome das ferramentas
que nos magoam os dedos
das torturas das tormentas
das sevícias dos degredos.
Em nome daquele nome
que herdámos dos nossos pais
em nome da nossa fome
dizemos: não passam mais!

E em nome dos milénios
de prisão adicionada
em nome de tantos génios
com a voz amordaçada
em nome dos camponeses
com a terra confiscada
em nome dos Portugueses
com a carne estilhaçada
em nome daqueles nomes
escarrados nos tribunais
dizemos que há outros nomes
que não passam nunca mais!

Em nome do que nós temos
em nome do que nós fomos
revolução que fizemos
democracia que somos
em nome da unidade
linda flor da classe operária
em nome da liberdade
flor imensa e proletária
em nome desta vontade
de sermos todos iguais
vamos dizer a verdade
dizendo: não passam mais!

Em nome de quantos corpos
nossos filhos foram feitos.
Em nome de quantos mortos
vivem nos nossos direitos.
Em nome de quantos vivos
dão mais vida à nossa voz
não mais seremos cativos:
O trabalho somo nós.

Por isso tornos enxadas
canetas frezas dedais
são as nossas barricadas
que dizem: não passam mais!

E em nome das conquistas
vindas nos ventos de Abril
reforma agrária controlo
operário no meio fabril
empresas que são do estado
porque o seu dono é o povo
em nome de lado a lado
termos feito um país novo.
Em nome da nossa frente
e dos nosso ideais
diante de toda a gente
dizemos: não passam mais!

Em nome do que passámos
não deixaremos passar
o patrão que ultrapassámos
e que nos quer trespassar.
E por onde a gente passa
nós passamos a palavra:
Cada rua cada praça
é o chão que o povo lavra.
Passaremos adiante
com passo firma e seguro.
O passado é já bastante
vamos passar ao futuro.




E CADA VEZ SOMOS MAIS

Pela espora da opressão
pela carne maltratada
mantendo no coração
a esperança conquistada.
Por tanta sede de pão
que a água ficou vidrada
nos nossos olhos que estão
virados à madrugada.
Por sermos nós o Partido
Comunista e Português
por isso é que faz sentido
sermos mais de cada vez.

Por estarmos sempre onde está
o povo trabalhador
pela diferença que há
entre o ódio e o amor.
Pela certeza que dá
o ferro que malha a dor
pelo aço da palavra
fúria fogo força flor
por este arado que lavra
um campo muito maior.
Por sermos nós a cantar
e a lutar em português
é que podemos gritar:
Somos mais de cada vez.

Por nós trazermos a boca
colada aos lábios do trigo
e por nunca acharmos pouca
a grande palavra amigo
é que a coragem nos toca
mesmo no auge do perigo
até que a voz fique rouca
e destrua o inimigo.
Por sermos nós a diferença
que torna os homens iguais
é que não há quem nos vença
cada vez seremos mais.

Por sermos nós a entrega
a mão que aperta outra mão
a ternura que nos chega
para parir um irmão.
Por sermos nós quem renega
o horror da solidão
por sermos nós quem se apega
ao suor do nosso chão
por sermos nós quem não cega
e vê mais clara a razão
é que somos o Partido
Comunista e Português
aonde só faz sentido
sermos mais de cada vez.

Quantos somos? Como somos?
novos e velhos: iguais.
Sendo o que nós sempre fomos
seremos cada vez mais!

POEMA

POR ESTA LIBERDADE


Por esta liberdade de cantar à chuva
temos que dar tudo

Por esta liberdade de estarmos estreitamente unidos
ao firme e eterno cerne do povo
temos que dar tudo

Por esta liberdade de girassol aberto na aurora das fábricas
acesas e escolas iluminadas
e de terra que range e criança que acorda
temos que dar tudo

Não há alternativa senão a liberdade
Não há outro caminho senão a liberdade
Não há outra pátria senão a liberdade
Não haverá poema sem a violenta música da liberdade

Por esta liberdade que é o terror
dos que sempre a violaram
em nome de faustosas misérias
Por esta liberdade que é a noite dos opressores
e a definitiva aurora de todo o povo já invencível
Por esta liberdade que ilumina as pupilas afundadas
os pés descalços
os telhados remendados
e os olhos das crianças que rebolam na poeira
Por esta liberdade que é o reino da juventude
Por esta liberdade
bela como a vida
temos que dar tudo
se for necessário
até a própria sombra
e nunca será bastante.


Fayad Jamis

NÃO IMPROVÁVEL, PROVÁVEL, MAIS DO QUE PROVÁVEL...

Um título do Público de hoje diz-nos que a «direcção do BE rejeita colaboração com futuro Governo».
Lendo apenas o título, seríamos levados a concluir que alguém do «futuro Governo» (do PS, obviamente...) convidou o BE a integrá-lo e que o partido de Louçã, rejeitou o convite.
Todavia, lendo a notícia verificamos que não foi isso que se passou.
Porquê, então, aquele título?
Porque a moção da direcção do BE ao Congresso de Fevereiro diz que o partido «não participará em governo com o PS, porque os programas são contraditórios».

Estamos esclarecidos?: talvez...
Mas, assim sendo - isto é: não havendo (e tudo indica que, por enquanto, não há...) qualquer proposta do PS ao BE nesse sentido - por que raio é que os dirigentes actuais sentiram necessidade de ir propor ao Congresso que decida a não participação do partido «em governo com o PS»?

Será que a questão tem sido tema de debate (mais ou menos sigiloso) em alguns segmentos das altas esferas dirigentes do partido?: não é improvável...
Será que lá por cima há quem defenda essa via de acesso ao poder?: é provável...
Será que é a prática escabrosamente de direita do Governo PS/Sócrates que inviabiliza - para já... - a materialização do velho (e sempre novo...) sonho, que por lá paira, de acesso a uma cadeira de ministro ou secretário de Estado?: é mais do que provável...

POEMA

A CAMARADA


És a minha camarada
e antes de ti só ponho
a Revolução;
te afanas e afadigas,
compreendo,
pelas crianças,
pelos bairros de cartão,
lata e lixo,
pelos doentes e mortes prematuras.

Hoje estás aqui,
junto aos meus olhos que te seguem;
amanhã em Santiago
ou Pinar del Rio
ou no meio da madrugada
organizando rectificações,
tentando pôr de pé
o que caiu,
cerceando o apodrecido.
Assim, jardineira, construtora,
ser do vento, semeando e indo...

A ti não te destrói
Praia Girón,
novos mercenários ou fuzileiros,
em ti falha o terror;
tu pensas, tu trabalhas,
para que as coisas sejam
como devem ser.


Alcides Iznaga

LEMBRAM-SE DELA?

Da Zita?
Sim, essa, que em tempos foi membro do PCP e depois foi expulsa - injustamente expulsa, ingratamente expulsa, tenebrosamente expulsa, prepotentemente expulsa, ortodoxamente expulsa, estalinianamente expulsa... pelo grupo de estalinistas, ortodoxos, prepotentes que, com Álvaro Cunhal à frente, dominavam o Partido...
Na altura, os média - sempre do lado das boas causas, como lhes compete enquanto propriedade do grande capital - fartaram-se de «informar» sobre o assunto:
a heróica Zita, comunista até mais não, o que queria era «um PCP mais forte», «um PCP mais comunista»;
o tal grupo que dominava o Partido, gente horrorosa, ignara, boçal, inculta como Álvaro Cunhal e muitos outros, o que queria era o contrário disso, era acabar com o Partido, deixá-lo definhar, liquidá-lo;
e os média, é claro, estavam do lado da Zita, da genial Zita, e do Partido da genial Zita - e contra o tal grupo horroroso que dominava tudo e todos e queria destruir o Partido.
E a Zita lá foi à vida arrastando consigo uns tantos zitos, género Pina Moura, Vital Moreira, José Magalhães, Mário Lino, etc, etc.
Lá foram, cantando e rindo, todos de punhos erguidos, todos fazendo questão de jurar solenemente: «SEREI SEMPRE COMUNISTA!».
Juraram e cumpriram: de então para cá, todos foram (e/ou são) administradores de grandes empresas, ministros, secretários de estado, deputados, presidentes de câmara, etc., ao serviço dos partidos que, levando por diante a política de direita, têm como objectivo supremo a construção do comunismo em Portugal. E está quase...

Lembrei-me disto tudo (e de muito mais...) ao ler, no Público, entre as notícias sobre a ida do banqueiro Oliveira e Costa à Assembleia da República, uma que tinha a ver com a deputada do PSD, Zita Seabra.
Foi assim: a referida deputada ficou profundamente indignada com o que fizeram ao banqueiro e achou por bem expressar publicamente essa indignação.
Ora, como ninguém se lembrou de lhe pedir a opinião, dirigiu-se ela ao Público a dizer o que pensava sobre o assunto.
Que era o seguinte: na opinião da deputada laranja, a ida de Oliveira e Costa à Assembleia foi «a maior cedência do Parlamento ao populismo de esquerda, desde o PREC»,
já que «exibir um banqueiro preso nos Passos Perdidos» - coisa pela primeira vez acontecida agora - «era o sonho de todos os revolucionários a seguir ao 25 de Abril»...

Elucidativa, esta forma concreta de cumprir o tal juramento de ser sempre comunista, não acham?
Subtil, esta forma concreta de defender as fraudes do banqueiro, não acham?

Para além de deputada do PSD, Zita Seabra é Presidente do Conselho de Administração de uma editora - da qual, Manuel Dias Loureiro é Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
Honni soit qui mal y pense...

POEMA

E AGORA O NOSSO COMENTÁRIO EDITORIAL


A Revolução está aqui.
É como um projéctil
como uma maçã
como uma árvore que cresce.
Tudo acaba de começar
agora não temos tempo
- perdão -
um dia nos reuniremos
para comemorar
o canto dos heróis.


Minerva Salado

SÓ À BOMBA

O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, participou nas comemorações do 125º aniversário do Casino da Figueira da Foz.
Confesso que não esperava ver um representante de Deus em tais andanças comemorativas.
Mas as coisas são como são e em matéria religiosa tudo pode acontecer: como é sabido, Deus ora escreve direito por linhas tortas, ora escreve torto por linhas direitas, vá lá a gente perceber porquê, nem vale a pena perdermos tempo com isso, loucos seríamos se tentássemos penetrar nos imperscrutáveis desígnios do Senhor.

Assim sendo, está tudo explicado: foi a inspiração divina que levou o Cardeal Patriarca ao Casino da Figueira - onde, aliás, proferiu espectaculares e desassombradas declarações.
Começando por dizer - por inspiração divina, é claro... - que «o diálogo com os muçulmanos é muito difícil», resolveu, a seguir, dar «conselhos às jovens portuguesas».
E, sempre com a inspiração divina a atiçar-lhe o verbo, aconselhou assim:
«Cautela com os amores, pensem duas vezes antes de casar com um muçulmano, pensem, pensem muito seriamente. É meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam».

Não comento os conselhos do Cardeal porque, se o fizesse, não resistiria a dar-lhe uns quantos conselhos de inspiração bem terrena e em linguagem ainda mais terrena - e não me apetece ir por aí.
Nesse aspecto, apenas me congratulo com alguns comentários produzidos por algumas mulheres portuguesas casadas com muçulmanos - comentários pertinentíssimos e que farão (fariam...) o Cardeal meter o rabinho entre pernas e pedir mil desculpas, se ele for (fosse) pessoa para isso.

Numa coisa tem o Cardeal razão, no entanto: é que, com interlocutores como ele, «o diálogo com os muçulmanos (ou seja com quem for) é muito difícil.
Muito, muito difícil: só à bomba...

POEMA

REVOLUÇÃO


Entre tu e mim
há um montão de contradições
que se juntam
para fazer de mim o sobressalto
que fica de testa suada
e te edifica.


Miguel Barnet

DISPARAR A MATAR

António Manuel Pina, na sua crónica de hoje no Jornal de Notícias, disparou a matar sobre uma decisão aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Porquê tão mortíferos disparos?
São essencialmente duas, as razões invocadas pelo cronista:
1 - porque a decisão aprovada, condena «firmemente» a agressão de Israel e exige «a retirada das tropas israelitas» - coisa grave, certamente, na opinião do cronista;
2 - porque a decisão «cita 16 vezes Israel e a agressão israelita contra os direitos humanos do povo palestiniano» e, vejam bem!, «quanto ao Hamas é como se não existisse» e, vejam bem!!, no texto da decisão, «mesmo os "rockets" sobre civis israelitas, citados timidamente, não têm autor» - na verdade, não há direito de tratar assim gente de bem como são os governantes israelitas ... e esquecer assim, vejam bem!!!, os «rockets»!, os «rockets», senhores!!.

Mas há mais.
Sabem quem é que convocou a sessão da Comissão de Direitos Humanos que tomou tal decisão?
O cronista responde, vertendo ironia por todos os orifícios: «tudo gente respeitadora dos direitos humanos» - como, por exemplo, Cuba...
E é visível o enlevo democrático do cronista quando cita países que se abstiveram ou votaram contra a decisão: o Canadá, os países da União Europeia, o Japão, a Suiça - enfim, nestes casos, sim, tudo gente respeitadora dos direitos humanos...

POEMA

REVOLUÇÃO


Havia uma palavra fundamental.
Dissemo-la uma noite perto da mulher
que soluçava junto do cadáver
do filho morto a tiro.
Dissemo-la uma tarde quando os sicários
lançaram sobre o cais o afogado,
porque estava nas pálpebras
e no vazio da boca.
Repetimo-la quando o sangue dos nossos camaradas
corria sobre os ladrilhos de San Lorenzo
arrastando pequenos fragmentos encefálicos,
filamentos de vísceras fugazes
urina e rum e alentos rancorosos.
Fomo-la repetindo nas enfermarias,
nos prostíbulos com ébrios e marujos,
nos cinemas e nas fábricas.
Dissemo-la um dia entre estampidos e clarins
à hora de uma das vitórias,
gritámo-la à porta dos escritórios,
das embaixadas e das escolas
até que vimos uma coluna de gente
erguida pela palavra persistente.
À nossa volta reinava o silêncio
que cerceia todo o som,
o silêncio sem parques,
sem escolas, sem fábricas,
o silêncio sem rotativas,
sem carabinas, sem crianças,
o silêncio sem recordações
sem quandos nem mais tardes,
em que começámos a repetir
a esclarecer a esgrimir a acariciar
essa ardente palavra.


Aldo Menéndez

O ÓDIO DE CLASSE

Oliveira e Costa foi à Assembleia da República para ser ouvido sobre as fraudes que cometeu enquanto chefe máximo do BPN - fraudes que o levaram à prisão, como é sabido.
Afinal, dizem as notícias, «entrou mudo e saiu calado», ou seja: recusou-se a responder às questões colocadas por deputados da Comissão de Inquérito ao caso BPN.
Sublinhe-se: recusou-se a responder a todos os deputados.
Teve, contudo, uma reacção diferente para com o deputado do PCP: diz o jornal que, quando este se lhe dirigiu, Oliveira e Costa «olhou-o com ar arrogante».

Percebe-se que assim tenha sido: ser ouvido por deputados de partidos burgueses, ainda enfim, é gente da sua classe, basta não responder e pronto; mas ser ouvido por um deputado comunista, isso é coisa que qualquer banqueiro, preso ou à solta, não tolera.

E o ódio de classe do banqueiro preso por fraude expressou-se da única forma possível na circunstância: o «ar arrogante».
Pudesse ele, e ao «ar arrogante» teria acrescentado outras respostas bem mais contundentes...

POEMA

NENHUMA PALAVRA TE FAZ JUSTIÇA


Tremor mais forte que a cópula,
companhia mais intensa do que a solidão,
conversa mais rica que o silêncio,
realidade mais estranha que o sonho,
verdade do dia e da noite,
céu colorido de bandeiras,
canção que não se detém,
razão de estar aqui:
Já vês que nenhuma palavra te faz justiça.
Revolução.


Roberto Fernández Retamar

e se me beijasses?...


navego como sempre naveguei. rasgando imagens, sorvendo um por um o torrão da terra que amo, devorando a história do povo do qual conheço a língua. cada alentejano esperando o crepúsculo antes do retorno maternal ao lar, anunciando o crepitar da noite, é um estalo na planície rachando à fome dos homens. lá dentro, cada objecto é deus, olhando a condição em que se organizam os homens perante a amargura. navego como sempre naveguei, comendo a espuma das searas no inverno acabado de semear, na brassadura que estala nos ossos de quem trabalha. as capelas do meu país são galinhas, e o casario os pintos protegidos pelo sino erguido pelo medo das gentes a que pertenço. e eu navego como sempre naveguei. percorro a planicie como quem, morrendo em sede, descobre as fontes de um peito e pressente que quer ficar. alentejo, alentejo... águas agitadas da planície ressequida, minha sofreguidão de um país que ergo aos meus sentidos. navego clareando o crepúsculo, acendendo candeeiros na minha memória conturbada pelo teu corpo de montado e olivais. navego espantando os pardais, fugindo com eles em bandos dos beirais que escolhi para o susto do entardecer. sózinho. como pode este país desertificar? navego-te como sempre naveguei. rompendo as entranhas dos teus barrancos e montes com o cante das tuas gentes. bebo-te em cada fonte, mesmo quando bebo noutro país, sonho-te em cada noite mesmo quando, peregrino, durmo fora. ai alentejo alentejo... e se me beijasses?



Foto: Aldeia de Pêroguarda, Ferreira do Alentejo, Dezembro de 2008.

O DISCURSO DO CHEFE

Informa o DN que o Instituto de Emprego o Formação Profissional (IEFP) abriu 18 concursos para 173 vagas.
Nos 18 concursos são abertas as promoções para lugares que vão desde conselheiro de orientação profissional/assessor a técnico superior de formação.
Até aqui, nada a registar.

Diz ainda a notícia que os requisitos de candidatura aos vários lugares de promoção, descritos em 18 circulares informativas, incluem em todos os casos uma prova escrita de conhecimentos para a qual é recomendada documentação considerada relevante para o efeito.
Até aqui, tudo bem.

Ora acontece - e aqui é que a coisa aquece - que, entre essas leituras recomendadas para os 18 concursos se inclui, nem mais nem menos do que um discurso de José Sócrates!!!
Percebe-se a intenção: é a palavra do Chefe, não é verdade? - e, como tal, deve ser lida, estudada, assimilada e debitada.


Quem assim não pensa é o Sindicato Nacional dos Técnicos de Emprego, segundo o qual (diz o DN) a recomendação de leitura de um discurso do primeiro-ministro, num concurso de um organismo público, pode representar «uma indecorosa "partidocratização"(ou na nossa própria acepção, "apparatchikização") do aparelho do Estado».

Mas o mais provável é que o Sindicato não esteja a dar a devida importância ao discurso do Chefe...
Porque o Chefe é que sabe.
O Chefe é o Mestre.
O Chefe é o Chefe.

E o Chefe é... Sócrates.

POEMA

NA MORTE DUM LUTADOR PELA PAZ


O que não se rendeu
foi abatido.
O que foi abatido
não se rendeu.

A boca que admoestava
foi tapada com terra.
A aventura sangrenta
começa.
Sobre a cova do amigo da paz
calcam os batalhões.

Foi então vã a luta?

Se aquele, que não lutou sozinho,
foi abatido,
o inimigo
ainda não venceu.


Brecht

noite de Beja

POEMA

COMPLICAÇÃO


As ondas indo, as ondas vindo - as ondas indo e vindo sem parar um momento.
As horas atrás das horas, por mais iguais sempre outras.
E ter de subir a encosta para a poder descer.
E ter de vencer o vento.
E ter de lutar.
Um obstáculo para cada novo passo depois de cada passo.
E as complicações, os atritos, para as coisas mais simples,
até para a pronúncia duma simples vogal.
E o fim sempre longe, mais longe, eternamente longe.

Ah! mas antes isso.

Ainda bem que o mar não cessa de ir e vir constantemente.
Ainda bem que tudo é infinitamente difícil.
Ainda bem que temos de escalar montanhas e que elas vão sendo cada vez mais altas.
Ainda bem que o vento nos oferece resistência
e o fim é infinito.

Ainda bem.
Antes isso.
50 000 vezes isso à igualdade eterna, seca, estéril, fútil da planície.


Mário Dionísio

VALHA-NOS A SANTA PACIÊNCIA

A propósito das votações na AR em torno das propostas sobre a avaliação de professores - contudo sem referir os manobrismos adoptados nas respectivas votações... - Manuel Alegre, como sempre altissonante, recusou que a «disciplina de voto seja um mandato».
Como sempre grandíloquo, defendeu que «o deputado é livre de exercer o seu mandato» - portanto à margem das posições do partido pelo qual se apresentou ao eleitorado e em cujas listas foi eleito - e, como sempre pomposo, acrescentou que o deputado tem, isso sim!, «de responder perante os eleitores e o País».
Quem fala assim, não é gago.

Ora, Alegre não está esquecido, certamente, que integra, há mais de três décadas, as listas do seu partido à Assembleia e que nelas tem sido sempre eleito deputado...
Pelo que, ou anda desde 1975 a ser eleito nas listas de um partido que não responde perante os eleitores e o País - e assim sendo pactuou durante todo esse tempo com esse atropelo à democracia - ou considera que esse partido sempre respondeu perante os eleitores e o País e só agora deixou de o fazer - o que, abonando em relação a uma tomada de atitude meritória embora muito, muito atrasada, muito mais abona em relação às tropelias antidemocráticas praticadas por sucessivos governos do PS desde 1976.
E entre uma e outra das hipóteses, venha o... Alegre e escolha.

Mas isto é o Alegre a falar... a representar: comigo não há disciplina de voto e a mim ninguém me cala, etc, etc, etc.
Porque, logo a seguir, ele explicou que, enfim, há votações em que a disciplina de voto é necessária... por exemplo, as que respeitam ao Orçamento do Estado, a moções de confiança e de censura e ao programa do Governo.
E nessas matérias, ele tem cumprido...
Ou seja, e se bem entendo: nessas matérias o deputado já não tem de responder perante o eleitorado e o País...
Valha-nos a Santa Paciência!...

POEMA

REMATE


O que é obscuro
tentemos
elucidá-lo.

O que é complexo
tentemos
simplificá-lo.

O que é impuro
tentemos
purificá-lo.


Armindo Rodrigues

A TAREFA

«Operação Chumbo Endurecido»: assim chama o governo israelita ao massacre que está a levar à prática em GAZA, e que, tanto quanto se sabe, já provocou, no mínimo, 665 mortos e cerca de 3 mil feridos - sendo que grande parte dos mortos e dos feridos são civis e entre os mortos há pelo menos 100 crianças.

Entretanto, enquanto, em Gaza, os assassinos cumprem a tarefa de matar, por cá, os média cumprem a sua tarefa de apoiar os assassinos.

Diz o Jornal de Notícias de hoje que:
«Israelitas mantêm a ofensiva. E acusam os palestinianos de usar civis como escudos humanos para justificar elevado número de baixas com bombardeamentos». E o JN fornece-nos a opinião de um «professor de direito internacional» - opinião escancaradamente pró-Israel.
Diz o Diário de Notícias que:
«ontem foi um dia particularmente sangrento para as duas partes»...

Dos EUA chega a notícia de que Obama «quebrou o silêncio»!
E que disse ele?
Disse: «A morte de civis em Gaza e em Israel é uma fonte de inquietação profunda para mim».
Pondo as coisas assim, o homem não podia ser mais claro.
Estou tentado a concluir, mesmo, que a expressão pública desta «profunda inquietação» de Obama corresponde ao cumprimento de uma tarefa: a mesma tarefa que cumprem os assassinos israelitas em Gaza, matando; e os média, no mundo, apoiando a matança.



QUINTA-FEIRA, DIA 8, ÀS 18 HORAS

CONCENTRAÇÃO FRENTE À EMBAIXADA DE ISRAEL

POEMA

DIGAMOS NÃO


Agora que estamos juntos
direi o que tu e eu sabemos
e que às vezes esquecemos:

Vimos o medo
ser lei para todos.
Vimos o sangue
- que só faz sangue -
ser lei do mundo.

Não,
eu digo não,
digamos não.
Nós não somos deste mundo.

Vimos a fome
ser pão para muitos.

Como fizeram calar
tantos homens
cheios de razão.


Raimon

AO QU'ISTO CHEGOU!

Parece ser já um hábito do primeiro-ministro, utilizar dados e factos que são falsos quando em exercício de auto-louvação das suas excelsas qualidades de governante.
Outro hábito parece ser o de, quando confrontado com essa falsidade, ele, ou sorri e mantém a falsidade, ou sorri, apenas - e passa à falsidade seguinte.

E, pelos vistos, assim se vai institucionalizando o recurso à falsidade...
Outra coisa não se pode concluir de uma notícia que nos diz que o Público foi averiguar «o rigor das informações factuais dadas pelo primeiro-ministro, na entrevista à SIC».
A notícia vale por si, na medida em que a iniciativa do jornal é, por si só, bem reveladora, em primeiro lugar,
do grau de natural desconfiança suscitado pelas informações produzidas por José Sócrates;
e, em segundo lugar,
da naturalidade com que é encarada a utilização, pelo primeiro-ministro, de informações falsas...

A conclusão do Público foi a seguinte:
no decorrer da referida entrevista, Sócrates deu «9 informações certas, 4 informações erradas e 4 informações duvidosas».

Curiosamente, a conclusão do Público face a estes dados é que
«José Sócrates passou no teste»
.
Ou seja: o primeiro-ministro é entrevistado; suporta as respostas às perguntas que lhe são feitas em 17 afirmações, das quais 8 são falsas ou duvidosas - e, mesmo assim, passa no teste!
É caso para perguntar:
1 - a quantas informações falsas deveria Sócrates ter recorrido para chumbar no teste?; e
2 - quer isto dizer que a utilização de informações falsas pelo primeiro-ministro se aceita desde que fique abaixo dos 50%?

Ao qu'isto chegou!


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QUINTA-FEIRA, DIA 8, ÀS 18 HORAS
CONCENTRAÇÃO FRENTE À EMBAIXADA DE ISRAEL

POEMA

SE OS HOMENS QUISESSEM


Brincava na praia, saído da escola,
- os pés maculando a espuma de prata -
na espádua - menino - a suja sacola,
na espalda - soldado - a espada de lata.

Ao longe, uma estrela cadente na seda
do céu.
A bala perdida
tocou no menino, levou-o...
Na queda,
inútil, ficou-se a espada partida.


Se os homens quisessem,
o engenho assassino,
as armas da Morte, talvez se rompessem
sem nada valer.
- Espada de lata do loiro menino -
Se os homens quisessem...

E os homens vão querer!


Álvaro Feijó

CRIMINOSOS!

O massacre levado a cabo pelos militares às ordens do governo israelita e que roubou a vida, até agora, a centenas de pessoas, é o que sabemos: um crime monstruoso cometido por gente que faz letra morta da razão, da justiça, do respeito pelo ser humano e pela sua dignidade.

A realidade tem confirmado que os criminosos - para além da força bruta e da ausência de escrúpulos de que dispõem - contam com fortes apoio à escala internacional.
Apoios políticos e apoios propagandísticos. Apoios expressos em declarações públicas e apoios dados através de silêncios cúmplices - enfim, os apoios necessários para que o crime seja concretizado à vontade dos criminosos e para que as vítimas sejam vistas como culpadas.
Tudo à boa maneira do capitalismo reinante.

A ONU não faz nada.
A UE - sucursal europeia do imperialismo norte-americano - faz o que lhe mandam: cala-se.
O Governo se Sócrates faz o que se esperava que fizesse - que é, nem mais nem menos, aquilo que o boss quer que seja feito.
E por aí fora.

Os meios de propaganda - também designados por «órgãos de comunicação social» - mentem, deturpam, mistificam, manipulam, servem o crime como coisa necessária - e atingiriam o grau máximo de abjecção se esse não fosse já o seu estado natural.
Em todo o mundo, Portugal incluído.
Todos os dias, os jornais, rádios e televisões fazem chegar aos cidadãos, como coisa boa, a versão dos criminosos.
Todos os dias, através de notícias, artigos, de comentários, de debates/farsa, as virtudes do crime são amplamente difundidas.
Todos os dias a inteligência humana é insultada, humilhada, ofendida.
Tudo à boa maneira do capitalismo reinante.

Um pequeno exemplo - o Jornal de Notícias de hoje - que aqui deixo sem outro comentário que não seja o que sublinho.
Título à largura de quase toda a página:
«Hamas força Israel a ir para a luta porta a porta»

Em baixo: uma foto com vários jovens palestinos, alguns lançando pedras, e a legenda:
«Em Gaza os palestinianos continuam a hostilizar os israelitas que, por sua vez, procuram decifrar quem é civil ou militar do Hamas».

Ao lado: um artigo de «opinião», intitulado «Hamas é o responsável» - e assinado por um «Conselheiro da Embaixada de Israel em Portugal»




QUINTA-FEIRA, DIA 8, ÀS 18 HORAS
CONCENTRAÇÃO FRENTE À EMBAIXADA DE ISRAEL

Vamos lá tratá-los pelos verdadeiros NOMES?

POEMA

ARTE POÉTICA


A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilazes.
A poesia está na vida.
Nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos, de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica
e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vai-vem de milhões de pessoas ou falando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
- e só dura esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas dos comboios a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.

A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos rasgados abertos para amanhã.


Mário Dionísio

«O ANO DE TODOS OS PERIGOS»

Miguel Sousa Tavares (MST) enche todas as semanas uma página do Expresso. Ali faz a defesa assanhada da política de direita que conduziu o País à lastimável situação em que se encontra. De vez em quando, para mostrar a sua independência, mascara-se de oposição e critica, por vezes até iradamente, como lhe convém, um ou outro aspecto secundário, dessa política - sabendo ser essa a melhor forma de, de facto, a defender.

No sábado passado MST debruçou-se sobre «2009: o ano de todos os perigos».
Escreveu, escreveu, escreveu (uma página do Expresso exige uns largos milhares de caracteres...); verteu monotonamente o paleio da moda em relação à crise; arrotou umas tantas postas de fingido saber; bolsou todas as alarvices habituais nestas circunstâncias; e defecou a fedorenta tese da necessidade de, todos, cerrarmos fileiras para enfrentar a dita crise...
Todos! Ou seja: os que a provocaram e nada sofrerão com ela, e os que lhe sofrem as consequências mais brutais.

Nesse sentido, a grande preocupação de MST vai para os trabalhadores, isto é, para o papel que os trabalhadores têm a desempenhar na resolução da crise...
Ora, conclui MST, nessa matéria as coisas estão más. E estão más porquê?
Porque, explica MST,
«Vieira da Silva, talvez o melhor ministro deste Governo, falhou na ténue revisão da legislação laboral, que os sindicatos e o PCP combateram por todas as formas».
E agora, para agravar ainda mais a situação - grita MST, irritado - ainda veio «o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade da norma que previa o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias, antes da passagem do trabalhador a efectivo».
E em que é que o Tribunal Constitucional se baseou para tomar tão grave decisão?
MST infla a narina direita, passa a mão pela melena do mesmo lado, e explica, impaciente: «nos princípios do "direito ao trabalho" e da «segurança laboral», tão caros à nossa patética Constituição».
Para MST, essa coisa dos direitos dos trabalhadores é coisa ultrapassada e que deve ser, de imediato e definitivamente, posta de parte - tal como a «nossa patética Constituição» que, à revelia e em oposição á opinião de MST, ainda contempla velharias como o «direito ao trabalho»...
Direito ao trabalho, sim; mais do que isso: direito ao trabalho altamente remunerado - mas um direito selectivo, de elite, ou seja: para MST e para os seus colegas propagandistas da política de direita.

Finalmente, para superar a «crise», MST proclama a necessidade de uma «política de reformas» no estilo das que ele muito aprecia, tais como: as que o ex-ministro de Saúde começou a executar e as que a actual ministra da Educação está a executar.
Mas, como ele diz no título do seu artigo, há «perigos»: é que «a política de reformas e a própria necessidade de cerrar fileiras para enfrentar os tempos difíceis que aí vêm, encontram pela frente uma grandiosa e organizada resistência» - uma «resistência» diversificada, por vezes até proveniente de sectores antagónicos, mas da qual emerge, como perigo maior «a cartilha leninista do PCP, seguida à letra pelos sindicatos que lhe prestam obediência».
Salazar não diria melhor.

Esperemos que 2009 seja, de facto, «o ano de todos os perigos»: para a política de direita e, por arrasto, para todos os seus propagandistas encartados.
Esperemos e façamos tudo para que assim seja: lutando, lutando muito.

POEMA

PÁTRIA MINHA


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
é minha pátria. Por isso, no exílio
assistindo dormir meu filho
choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
como, por que e quando minha pátria.
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sol e a água
que elaboram e liquefazem a minha mágoa
em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria,
de niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
de minha pátria, de minha pátria sem sapatos
e sem meias, pátria minha
tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
em contacto com a dor do tempo, eu elemento
de ligação entre a acção e o pensamento

Eu fio invisível no espaço de todo o adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
de flor; tenho-te como um amor morrido
a quem se jurou; tenho-te como uma fé
sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
e sem pé direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra,
quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi Alfa e Beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
à espera de ver surgir a Cruz do Sul
que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
o não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
lábaro não; a minha pátria é desolação
de caminhos, a minha pátria é terra sedenta
e praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
que bebe nuvem, come terra
e urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
que um dia traduzi num exame escrito:
«Liberta que serás também»
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
que brinca em teus cabelos e te alisa,
pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
e ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
e pedirei que peça ao rouxinol do dia
que peça ao sabiá,
para levar-te presto este avigrama:
«Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes».

HÁ QUARENTA ANOS - VINICIUS

«1969 é para Vinicius de Moraes um ano "português". Lisboa recebe-o entusiasticamente. aplaudindo-o com o máximo calor»: assim se diz na nota à 4ª edição de «O Operário em Construção e Outros Poemas», publicada em 1975, com selecção e prefácio de Alexandre O'Neill.

É certo que Vinicius tinha passado por cá em finais de 1968, a caminho de Itália, tendo então participado num serão em casa de Amália, onde também estiveram a Natália, o Ary, o Mourão-Ferreira - e desse serão nasceu o disco «Amália/Vinicius».
Mas foi em 1969 que o Poeta nos visitou como queríamos.

Recordemos alguns momentos dessa visita.
No dia 13 de Dezembro de 1969, no Teatro Villaret, em Lisboa, Vinicius - com Baden e Marcinha - realizam o seu segundo (ou terceiro?) espectáculo.
Um espectáculo inesquecível.
A dada altura, Vinicius falou da situação que então se vivia no seu País: no dia anterior, os militares fascistas que, com o apoio dos EUA, ocupavam o poder no Brasil há cinco anos, tinham instaurado o Ato Institucional Nº5 - o sinistro AI5 - que institucionalizava a censura, a repressão, a prisão, a tortura, o assassinato.
E o Poeta falou da tragédia que caira sobre o seu povo - comparando-a à situação que se vivia em Portugal.
Depois, leu o poema Pátria Minha, que Baden acompanhou dedilhando, no violão, o Hino do Brasil.
Mais tarde - aproximava-se o espectáculo do fim - chegou a notícia (que creio não viria a confirmar-se) de que o Chico teria sido preso.
E o Poeta falou do seu amigo... - enquanto a Marcinha chorava... e o público chorava...
Um espectáculo inesquecível.

Nos dias que se seguiram, o grupo faz mais uns tantos espectáculos - na boite Ad Lib, em Lisboa, e em várias cidades portuguesas: um êxito, em todo o lado.
Vinicius foi, então, muito criticado por alguns... críticos que achavam que poeta não deve fazer poemas para canções e muito menos ir a boite cantar e dizer poemas... enfim, os «argumentos» que, de facto, pretendiam (eles sabiam porquê...) menorizar a qualidade maior da poesia de Vinicius (como, mais ou menos por essa altura, fizeram - e continuam a fazer... - em relação ao nosso Zé Carlos).

A vinda de Vinicius a Portugal, fora antecedida, em Abril de 1969, pela publicação, pela Dom Quixote, do livro acima referido: «O Operário em Construção e Outros Poemas» - que foi, talvez, a primeira, ou uma das primeiras edições portuguesas de poemas de Vinicius.
O livro teve imediato sucesso: ainda nesse ano saíu uma 2ª edição, no ano seguinte, outra... e já lá vão creio que umas dez...
A 4ª edição - a de 1975 - teve enorme vantagem de vir aocmpanhada por uma «Carta-Prefácio Para Vinicius de Moraes», na qual o O'Neill fala precisamente desse «ano português» de Vinicius.
Trata-se de um texto que - mesmo indo este post já tão longo e com a consciência de que estou a abusar da vossa paciência - não resisto a deixar-vos aqui.

«Amigo:

Quando estiveste, da primeira vez, por aqui dando show, umas granfas (loiras e morenas notáveis, como diria Mestre Carlos, mas ganfas), comentando os preços da boate onde, em duas ou três sessões, te produziste com a tua turma, disseram ou fizeram dizer: «Quem não tem dinheiro, não tem Vinicius.» Vinicius, vícios... não ligues. Olha que elas dispunham de muito bago. Estavam era a ser desajeitadas na maneira de te homenagear. Algumas conheciam de ti o poeta encaixilhado no sério. Charmoso, mas, apesar de tudo, respeitável-respeitoso. Usavam o teu "Soneto do Amor Total" não como tabatière à musique, nem como máquina de pensar, mas como caixinha de arroubos, entre as muitas outras que sempre trazem na malinha, com coisinhas para pôr ou tirar dor de cabeça.
Dessas, uma quantas mostraram-se decepcionadas contigo por teres descido do livro à boate, do soneto ao samba. E fizeram constar a decepção, a ofensa que sentiam. Não ligues. Estavam mordidinhas de inveja perante a quantidade de liberdade que tu, em cada noite, produzias!
Marcus Vinicius, eu vi-te aquém e além palco, con-vivi-tigo. No Alentejo, que agora, mais do que nunca, ai de nós, é um adjectivo, vi-te, convivi-te no teu simplório convívio. Estavas em construção, como sempre não definitivo. Tua felicidade, teu riso mais riso, era entre pessoal amigo.
Há muita gente ainda por aí (tenho medo que aumente!) que de ti o que quer é o catorze, quer dizer o soneto, e rejeita teu outro meio de comunicar, que afinal é o mesmo: tocantar.
Perceba, por uma vez, essa gentalha, que o Vinicius poeta e o Vinicius sambista são da mesma igualha!
São
o operário
em construção.

Abração
Alexandre O'Neill
Lisboa, Nov. 75»