POEMA

NÃO NOS DEIXAM CANTAR


Não nos deixam cantar, Robeson,*
meu canário com asas de águia,
meu irmão negro com dentes de pérola,
não nos deixam cantar as nossas canções.
Têm medo, Robeson,
medo da aurora, medo de olhar
medo de ouvir, medo de tocar.
Têm medo de amar,
medo de amar como amou Ferhat, apaixonadamente.
(Decerto que também vocês, irmãos negros,
têm um Ferhat, como é que lhe chamas, Robeson?)
Têm medo da semente e da terra,
medo da água que corre,
medo da lembrança.
A mão de um amigo que não deseja
nem desconto nem comissão nem moratória
igual a um pássaro quente,
não apertou nunca a sua mão.
Têm medo da esperança, Robeson, medo da esperança!
Têm medo, meu canário com asas de águia,
têm medo das nossas canções, Robeson...


Nazim Hikmet

* Paul Robeson, cantor negro norte-americano. Do seu reportório faziam parte cantos espirituais negros e outras canções tradicionais, de combate e de luta. A dada altura foi proibido de fazer espectáculos nos EUA: ficou célebre o espectáculo que realizou no Canadá, no limite da fronteira com os EUA, ouvido por milhares de compatriotas seus...

4 comentários:

Justine disse...

Mas haverá sempre quem insista em cantar, em voar, em viver!
Tão belo, este poema.

Maria disse...

Mas pode sempre haver poesia. E da melhor!

Um beijo grande.

Olinda disse...

Um dos mais bonitos poemas de Nazim.

Fernando Samuel disse...

Justine: «eles não sabem, nem sonham...»
Um beijo.

Maria: é um facto.
Um beijo grande.

Olinda: sem dúvida.