DEPOIS DE 24, A LUTA CONTINUA

Ainda a propósito das lutas dos trabalhadores, vale a pena abordar uma outra questão actualmente muito em voga em certos blogues e caixas de comentários.
Trata-se das comparações aí feitas entre as lutas levadas a cabo pelos trabalhadores de alguns países da Europa (França, Grécia, etc.) e as lutas que os trabalhadores portugueses têm vindo a desenvolver - comparações que, diz quem as faz, são extremamente desfavoráveis para os trabalhadores portugueses...

Dizem essas vozes que (nesses países) é que se luta, lá é que as lutas têm a dimensão e o conteúdo revolucionário que se exige, lá é que o capitalismo treme... - enquanto que em Portugal é uma tristeza... só agora é que se avança para a primeira greve geral e mesmo assim uma greve desprovida de conteúdo anticapitalistas, conciliadora, etc, etc.

Segundo as ditas vozes, as culpas de todas estas carências revolucionárias, destes desvios oportunistas, desta conciliação com o inimigo capitalista, etc, etc, radicam na postura oportunista e revisionista do PCP e da CGTP.

Nada disto é novidade.
Aliás, como a experiência nos mostra, este paleio surge por vagas regra geral coincidentes com períodos de ascenso da luta de massas: ouvimo-lo nos anos sessenta, quando as massas trabalhadoras intensificavam a sua luta rumo à vitória; ouvimo-lo durante o processo revolucionário de Abril, quando o movimento operário e popular avançava impetuosamente para as grandes conquistas transformadoras que marcaram esse período; ouvimo-lo agora, quando por toda a Europa - Portugal incluído - o movimento de massas cresce e avança.
E é claro que - sempre e na situação actual de forma bem evidente - este paleio cíclico tem como alvo prioritário as forças que, nos planos político e social, constituem a incontestável vanguarda da luta das massas contra a política de direita: o PCP e a CGTP.

Menorizando e desvalorizando a luta dos trabalhadores portugueses, essas vozes estão, de facto, a insultar milhares e milhares de trabalhadores que, com uma coragem e uma consciência notáveis, têm dado um combate sem tréguas à política de direita -para além de não se coibiram de evidenciar uma gritante carência de rigor (para não dizer outra coisa...) na avaliação dessa luta.

É um facto que, nas últimas três décadas, a luta dos trabalhadores portugueses assumiu uma força, uma dimensão e um conteúdo singulares em toda a Europa.
Porque os trabalhadores portugueses são «especialíssimos»?
Não: porque, como sempre acontece, a força, a dimensão e o conteúdo da luta de massas depende das condições concretas - objectivas e subjectivas - existentes em cada momento.

Ora, nas últimas três décadas, Portugal foi o único país da Europa onde se fez uma Revolução - Revolução que liquidou o capitalismo monopolista e o latifúndio; que teve como preocupação primeira e essencial o respeito pelos direitos e interesses dos trabalhadores; que restituiu a Portugal a soberania e a independência; que iniciou a construção de uma democracia económica, social, política e cultural, amplamente participada: uma democracia avançada, rumo ao socialismo - e que consagrou todas essas conquistas naquele que é um dos mais belos textos em língua portuguesa: a Constituição da República aprovada em 2 de Abril de 1976.
Assim tendo sido, é natural que nesse processo revolucionário e nesse período tenham occorido as mais fortes e participadas lutas de todo o continente europeu - lutas revolucionárias erguidas pelo poderoso movimento operário e popular, tendo à frente, naturalmente, o PCP e a CGTP.

Depois, veio a contra-revolução... que os trabalhadores portugueses enfrentaram com uma coragem e uma determinação notáveis.
E mais uma vez a luta em Portugal se situou nos níveis mais elevados da luta de massas em toda a Europa.
Recorde-se - só um exemplo - a luta dos trabalhadores da Reforma Agrária em defesa daquela que foi «a mais bela conquista da Revolução»: foram 14 anos de resistência heróica fazendo frente à repressão, às prisões, aos espancamentos, aos julgamentos sumários, aos assassinatos, à brutalidade e à violência praticadas às ordens dos soares, dos barretos, dos cavacos, de toda a corja contra-revolucionária - uma luta que ficará como referência marcante na história da luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.

São, enfim, 34 anos de luta - de uma luta singular em toda a Europa, travada com o duplo objectivo de defender a Revolução e de procurar a satisfação de reivindicações e interesses mais imediatos.
Uma luta que, por isso mesmo, teve e tem como alvo a política de direita e o sistema capitalista que ela integra.
Uma luta que se tem traduzido, ao longo de todos estes anos, na concretização de poderosas movimentações de massas.
Uma luta que, nos últimos meses, tem vindo a crescer e a atrair novos segmentos das massas trabalhadoras, com significativas greves e paralisações, com jornadas de luta memoráveis, com gigantescas manifestações de massas.
Uma luta que, com a Greve Geral de 24 de Novembro, atinge um novo e superior patamar .
Que não é a luta final - mas que nos vai permitir tirar a mais importante de todas as conclusões: depois de 24, a luta continua.

Face a tudo isto, parece-me um pouco estranho (para não dizer outra coisa...) o que as tais vozes vêm repetindo sobre uma suposta posição recuada dos trabalhadores portugueses comparativamente com os seus camaradas de luta de outros países europeus.
Será que não vêem mesmo?
Será que não querem ver?
Ou será que...?

14 comentários:

do Zambujal disse...

Lá ver, vêem... são é cegos!
Lá não querer ver, não querem... mas têm de ver!
O problema é que... isso mesmo!
Esta tua mensagem é de uma enorme oportunidade e necessidade.
O virus dessas dúvidas, para além de quem as inocula, é contangiante. É que as pessoas - as massas - precisam de respostas mas a noção do tempo (do tempo histórico) é das mais importantes e difíceis na tomada de consciência. Há "tempos" em que o JÁ! é a mais contra-revolucionária palavra de ordem, ao lado do TUDO!
e das duas juntas TUDO JÁ!
O teu texto é uma grande ajuda.

Um abraço

Anónimo disse...

Ver ou não ver eis a questão.

Mas basta ter ouvido hoje as declarações da UGT para perceber o papel deste "Sindicato" na greve geral: sabotagem e capitulação.

Mais uma vez a Inter dá um tiro no pé como tem acontecido desde sempre.

Oxalá eu me engane!

Maria disse...

É a terceira hipótese, nitidamente.
Eles bem podem berrar, mas dia 24 vai ser um dia de uma grande Luta e uma enorme Festa!

Um beijo grande.

svasconcelos disse...

Eu confio que no dia 24 seremos muitos, muitos mesmo, e que a voz dominante será a de LUTA contra quem nos quer oprimir.
beijo

JN disse...

A luta sempre foi e será dificil para quem nela está com consciencia de classe . Esta linguagem como tu o dizes faz lembrar anos sessenta e setenta, faz lembrar aquela figura de gola à Mao filho de burguês, mas muito "revolucionário", faz lembrar os "grandes revolucionários" da Suiça, um deles ainda dizia à dias que nós tinhamos direitos a mais. M;as a LUTA CONTINUA e CONTINUARÁ ATÉ À VITÓRIA FINAL .
Abração
JN

joaquim adelino disse...

São os despresíveis de sempre, aparecem sempre a horas oportunas a fazerem o frete por conveniência, eles não ignoram que os trabalhadores portugueses lutam arduamente desde 1976 na defesa da sua dignidade enquanto trabalhadores e seres humanos e que o dia 24 de Novembro é mais uma etapa nesta luta tão desigual que estamos a travar. A comparação é despresível para quem a faz, "lá fora" os trabalhadores lutam também quando os seus direitos contitucionais estão ameaçados e respondem de forma firme quando a isso são solicitados, aqui em Portugal a nossa luta é constante, não é só pelos direitos constitucionais, é também contra os atentados das entidades patronais bem alicerçados pelo também detentor da Corte que tudo tem feito para espuliar os portugueses mais fracos até ao tutâno.
Sabemos que nunca nos darão seja o que for, a luta é e será sempre o único caminho, goste-se ou não.

samuel disse...

Muito bem!
Mais uma das respostas necessárias...
Ah... e claro que é a hipótese "será que...?"

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

Não concebo que se possa afirmar que as grandes lutas a que se tem assistido não atacam este sistema político. Pois se a palavra mais ouvida é ruptura, de que se trata afinal? Nunca vi em nenhum dicionário ruptura como sinónimo de conciliação.
Grande e esclarecedor post este.

Um beijo grande.

Manuel Rodrigues disse...

Sempre foram assim estes "grandes educadores da classe operária". Do alto da sua arrogância, trocam com facilidade os desejos pela realidade, procurando baralhar para confundir. O que os move é, de facto, o inconfessável desejo de que, dando a ideia de um vertiginoso movimento, tudo continuasse parado, como se tivéssemos chegado ao "fim da história". O que os inquieta, em Portugal (e no mundo) é o movimento. Mas, inquietam-se ainda mais quando o movimento ganha direcção; quando vai para além das razões imediatas e ousa pôr em causa a ordem dominante; quando aponta caminhos e soluções para derrotar a exploração. Eles bem podem gritar que, em Portugal, isto é uma pasmaceira, que tudo está parado. O que a nossa vida mostra é que "isto vai, amigos, isto vai". Ou, então, como terá dito Galileu, perante os "grandes educadores" da época: "eppure si muove".

Antuã disse...

Os grandes "revolucionários" e "educadores" dos tempos do glorioso Abril, hoje espalham-se pelo CDS,PSD e PS com brutos rendimentos.

Fernando Samuel disse...

do Zambujal: tal como o teu comentário...
Um abraço.

Anónimo: confesso que não percebo o raciocínio do «tiro no pé»...

Maria como dizia um dos personagens de Jorge Amado, a greve é a festa dos trabalhadores...
Um beijo grande.

smvasconcelos: também estou convicto de que é isso que vai acontecer.
Um beijo.

JN: e essa é a grabde conclusão a tirar de tudo isto.
Abração.

joaquim adelino: como a vida e a históri nos mostram, tudo terá que ser conquistado pela luta.
Obrigado pela visita e pelo comentário.
Um abraço.

samuel: também me inclino para essa hipótese...
Um abraço.

Graciete Rietsch: o anticomunismo não precisa de lógica, pelo contrário alimenta-se na ausência dela..
Um beijo.

Manuel Rodrigues: e é interessante verificar como, décadas passadas, os «argumentos» se repetem...
Um abraço.

Antuã: estão todos metidos na política de direita...
Um abraço.

maria povo disse...

De acordo!
às vezes parece-me que quando se fala na luta dos trabalhadores se está a excluir os que não o são (neste momento preciso!!) Penso que quando se fala de Luta terá de se inserir o Povo Inteiro!!! Trabalhadores, estudantes, reformados, desempregados, enfim... TODOS!! e se a cantiga é uma arma, deviam estar carros de som da CGTP em posições estratégicas divulgando as razões desta Grande Luta! e com musica, Agitando a Malta!!! desde já!!!
a 24.11 estarei em greve como estive em 1988!!!
até lá...

Anónimo disse...

A VER SE ENTENDO!
1-O 25 de Abril foi um golpe militar forçado pelos heróicos povos das colónias que empurrou para diante um grupo de capitães com uma leve ideia de democracia e de projecto político e social que, na madrugada do dia 25 nos deixou a todos sem percebermos o que era aquilo: certo?
2-Seguiu-se um imprevisível processo revolucionário em que a classe operária, os assalariados agrícolas, o povo dos bairros pobres, os soldados e marinheiros, assumindo a democracia de massas pressionaram o processo ocupando os latifúndios do sul, ocupando casas devolutas, fábricas descapitalizadas, saneando pides e fascistas, organizando-se em organismos e assembleias populares.
3-O poder, (MFA/Governo Provisório) para evitar a bancarrota e o boicote económico procedeu à nacionalização das empresas e Bancos dos grandes grupos monopolistas.
4-O povo nas ruas, acreditando na democracia do trabalho, e movido por interesses de classe, avançou com a Reforma Agrária, fez calar a reacção da rádio e dos jornais, organizou uma grandiosa manifestação contra a presença da NATO, impôs a democracia nos quartéis, esboçou o começo de uma revolução popular contra o capitalismo.
5-As derrotas reaccionárias em 28 de Setembro e em 11 de Março acirraram as contradições entre os que queriam parar o processo e os que queriam avançar na legalidade democrática. Com pânico da efervescência revolucionária convocaram-se rapidamente eleições Constituintes que foram ganhas pelo PS. E aqui começa a grande desilusão.
6-O sonho cor-de-rosa desvaneceu-se sem um tiro, precisamente no dia 25 de Novembro de 1975. Faltou-nos ambição e audácia revolucionária; faltou o Leninismo.
7-Uma a uma, sob o impulso da democracia burguesa, as conquistas populares de Abril esfumaram-se. O que resta é esta democracia dos tubarões. O rotativismo de clientelas dos partidos vencedores que partem e repartem o bolo produzido pelos trabalhadores, deixando as migalhas do nosso descontentamento e revolta. AH! E esse livro maravilhoso chamado Constituição.
8-Somos 700 000 desempregados, 1 milhão de precários, 2,5 milhões abaixo do limiar da pobreza salário mínimo miserável tal como a maioria das pensões, salários lucros e mordomias avassaladoras para uma minoria da população.Estamos perto da bancarrota É preciso dizer mais?
9-Apesar de tudo isto, concluir que somos os maiores a resistir em toda a Europa, e que estamos a caminho de uma democracia avançada, é no mínimo não perceber nada nem do que se passou nem do que se está a passar.
Há quem queira continuar a fazer da luta de classes um romance, cheio de flores e de gente bonita. A realidade não se compadece com sentimentalismos.

O BÁRBARO E OS CARDOS.

Fernando Samuel disse...

Maria Povo: a luta de massas é isso mesmo. Até 24 (e dias seguintes...)

Anónimo: partindo de um pressuposto a anos-luz da realidade, é impossível concluir de forma diferente da que o anónimo conclui...