POEMA

SALDOS NO VIETNAME


Bombas de esferas:
cachos de bombas nascem de uma só bomba-mãe.
Cada bomba-filha ejecta, à altura do homem,
300 esferas que vão penetrar na carne aos ziguezagues.

Parente deste sanguinário jogo de berlinde
é o jogo das setas: um polegar de tamanho,
aletas que lhe permitem
entrar em parafuso carne dentro,
pontas de arpão,
o que torna a sua extracção muito difícil.

(Agora, as setas, quando já no corpo
- é um melhoramento! - fragmentam-se.)

Também há projécteis de plástico
não detectáveis pelos raios x;
e a bomba dita de nuvem explosiva.

Quando entra em cena o seu papel é este:
introduzir, primeiro, por escâncaras ou frinchas,
no teatro onde está a actuar,
uma expansiva nuvem de etileno.
Só depois explode: então, o fogo
pega-se ao etileno e... cai o pano!

E mais uma invenção: as minas-aranhiços,
que desenrolam patas de 6 metros
quando tocam no chão.

Ai de quem tropeçar numa das patas:
nem a mosca da alma terá tempo
de se evolar!

A TV veio também colaborar
com «directos» bem sofisticados:
realizador-bombista, o pessoal-piloto
a um só tempo fabrica e realiza a própria acção
e faz-vê, em grande plano, o seu desfecho.

Outros sinetes deixou o americano
no texto Vietname.
Um dos mais velhos: a incandescente lepra
à procura de pessoas que se chama napalm;
um dos mais novos: a bomba
devoradora de todo o oxigénio
250 metros em derredor
do ponto onde cair.

E onde o americano espera nunca estar.


Alexandre O'Neill

3 comentários:

samuel disse...

Não! O "americano" está sempre abrigado sob o toldo da "democracy" e da "liberty", ou do Nobel da Paz...
Todos, menos alguns rapazes-soldados... mas esses nunca contam.

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

Terrível este poema. Mais terrível ainda por ser real e estar a passar-se hoje mesmo.
Quem pode andar descontraído, hoje em dia?

Um beijo.

Maria disse...

Tremendo!

Um beijo grande.