POEMA

OS MEDOS


É a medo que escrevo. A medo penso,
a medo sofro e empreendo e calo.
A medo peso os termos quando falo.
A medo me renego, me convenço.

A medo amo. A medo me pertenço.
A medo repouso no intervalo
de outros medos. A medo é que resvalo
o corpo escrutador, inquieto, tenso.

A medo durmo. A medo acordo. A medo
invento. A medo passo, a medo fico.
A medo meço o pobre, meço o rico.

A medo guardo confissão, segredo,
dúvida, fé. A medo. A medo tudo.
Que já me querem cego, surdo, mudo.


José Cutileiro
(In Versos da Mão Esquerda)

6 comentários:

GR disse...

Não conhecia este poema.
Deve ter sido escrito quando vivíamos no “país do medo”.
Depois veio Abril, as cores alegres da Revolução, da Liberdade de Expressão. Com coragem exigíamos, reivindicávamos!
Novamente estamos no “país do medo” tornando este poema, tão actual.
Um excelente poema para alertar consciências e lutar com coragem, contra o “medo”!

GR

samuel disse...

Parece feito expressamente para os trabalhadores precários, desempregados, funcionários públicos que já desconfiam ter bufos como "colegas", jovens à procura do primeiro trabalho...

Fernando Samuel disse...

gr e samuel: estes «medos» de outros tempos, são «medos» de hoje, de facto...

Justine disse...

É sufocante,este poema. Infelizmente tão actual...
Mas, a contrapôr, temos as flores-luta e a esperança!

Anónimo disse...

Sigamos em frente!...

Fernando Samuel disse...

justine: ou seja: o não-medo dos medos...

antuã: e sem medo!...