A história que se segue foi-me enviada por um amigo - e completada por umas quantas buscas minhas na internet.
É a homenagem do Cravo de Abril à memória dos heróicos jogadores de futebol do Dínamo/FCStart, que souberam morrer de cabeça levantada enfrentando os criminosos nazis.
Nos ano de 1941, as hordas nazis invadiram a Ucrânia - então uma República da União Soviética.
O país, e de forma especial a cidade de Kiev - a capital - transformou-se num inferno de violência, repressão, perseguições, prisões, terror.
A dada altura, os alemães levaram para Kiev centenas de prisioneiros de guerra, que não estavam autorizados nem a viver nas casas nem a trabalhar, pelo que, doentes e desnutridos, vagueavam pelas ruas, na mais absoluta indigência.
Entre esses soldados estava Nikolai Trusevich, o outrora famoso guarda-redes daquela que era a mais popular de todas as equipas de futebol da época - o Dínamo de Kiev.
Aí o descobriu, um dia, um tal Josef Kordik, adepto fervoroso do Dínamo, dono de uma padaria e que, por ser alemão se movimentava relativamente à vontade na cidade ocupada.
Kordik, violando as leis dos ocupantes nazis, levou para a padaria o seu ídolo Trusevich, com o qual viria a firmar grande amizade e ao qual deu a tarefa de encontrar os seus antigos colegas de equipa.
Trusevich percorreu a cidade devastada dia e noite e foi descobrindo, um a um, os seus colegas do Dínamo. Na busca, encontrou ainda três futebolistas da equipa russa do Lokomotiv, que antes fora grande rival do Dínamo.
Daí a criarem uma equipa de futebol - sempre fortemente estimulados pelo padeiro Kordik - foi um passo .
Como o Dínamo tinha sido proibido pelos nazis, deram à nova equipa o nome de FC Start, que, em 7 de Junho, de 1942, realizou o seu primeiro jogo, precisamente com uma equipa formada por soldados alemães - o FC Start venceu por 7 a 2.
O segundo jogo foi com uma equipa da guarnição húngara e o FC Start venceu por 6 a 2.
O terceiro, com uma equipa romena e o resultado final foi 11 a 0...
E assim sucessivamente, até que as vitórias do FC Start começaram a irritar os ocupantes nazis, que, a 17 de Julho, enviaram uma equipa do exército alemão para esmagar a canalha... e o resultado foi 6 a 2 - vitória do FC Start, obviamente...
Entretanto, a equipa do FC Start tornara-se um caso sério de popularidade: as suas vitórias sobre equipas dos ocupantes ganhavam um significado político e os campos de futebol enchiam-se de entusiasmados adeptos do Dínamo disfarçado, que eram, ao mesmo tempo, patriotas e militantes anti-nazis.
Os alemães requisitaram, então uma equipa de muito maior qualidade - o MSG, da Hungria - para acabar com aquilo: no primeiro jogo, o FC Start venceu por 5 a 1 e no jogo de desforra exigido pelos vencidos, voltou a ganhar, desta vez por 3 a 2.
Foi então que os alemães decidiram arrumar de vez a questão. Uma equipa composta por membros da Luftwaffe - o Flakelf, que era uma forte equipa e, como tal, era utilizada como instrumento da propaganda hitleriana, foi chamada a pôr ponto final nas façanhas desportivas dos futebolistas do FC Start...
Ou seja: os nazis recorreram ao melhor que tinham para acabar de vez com a atrevida invencibilidade do FC Start e estavam certos de que era isso que iria acontecer.
Por isso, foi grande o seu espanto e maior ainda a sua raiva quando, no final do jogo, a equipa de Hitler saiu derrotada por um humilhante 5 a 1...
Era demais!
E, de Berlim chegou a ordem para acabar com todos eles, o padeiro Kordik incluído.
Todavia, os chefes nazis ocupantes não se contentaram com isso: não queriam que a última imagem de todo aquele processo fosse a da equipa invencível e que, ainda por cima, tinha derrotado a selecção de Hitler.
E decidiram que, antes de os fuzilar, iriam fazer o grande jogo - e que, perante os badamecos soviéticos iriam demonstrar a superioridade da raça ariana...
O jogo foi em 9 de Agosto de 1942, com o estádio Zenit cheio de uma multidão que aplaudia e incitava os jogadores do FC Start - e vaiava os alemães.
Antes do início do jogo, um oficial das SS foi à cabine e, em russo, informou que iria ser ele o árbitro da partida e que todos deviam respeitar as regras, a começar pela de fazer a saudação nazi...
Alinhadas as duas equipas no campo, os jogadores do Flakelf - de camisolas brancas e calções pretos - bateram os calcanhares, fizeram a saudação nazi e gritaram «Heil Hitler!», enquanto os do FC Start - de camisolas vermelhas e calções brancos - levaram as mãos ao peito e gritaram «Fitzculthura!» - expressão soviética que proclamava a cultura física.
Ao intervalo, apesar da absoluta e escandalosa parcialidade do árbitro, o FC Start vencia por 2 a 1... e um outro oficial das SS foi à cabine dizer como era e que pode resumir-se em meia dúzia de palavra: se ganharem o jogo serão todos mortos.
Os atletas do FC Start consideraram a situação, pesaram prós e contras, colocaram a hipótese de não reentrarem em campo para a segunda parte... mas pensaram nas suas famílias em grande parte assassinadas pelos nazis... pensaram nos crimes cometidos pelos ocupantes... e ouviam a multidão, nas bancadas do estádio, gritando por eles...
E decidiram ir jogar - com a consciência de que com tal opção estavam a condenar-se à morte.
Deram um baile de futebol aos nazis. A dada altura, o avançado Klimenko, fintou o guarda-redes alemão deixando-o caído no terreno e, com a baliza à mercê, num gesto de desprezo, de superioridade absoluta, deixou a bola na linha de golo e virou as costas ao guarda-redes - assim com quem diz não marcamos mais golos porque não queremos...
O FC Start ganhou por 5 a 3.
Os jogadores saíram do campo sob os aplausos vibrantes da multidão que enchia as bancadas - e, hoje, 70 anos passados, os possuidores dos bilhetes daquele jogo memorável, têm entrada livre no estádio do Dínamo de Kiev.
O primeiro a morrer, torturado em frente de todos os outros, foi o padeiro Kordik.
Klimenko, Kuzmenko e Trusevich (este com a camisola do FC Start vestida) foram brutalmente assassinados no campo de concentração de Siretz...
Os restantes foram torturados até à morte - à excepção de dois - Goncharenko e Sviridovski - que conseguiram fugir e sobreviver até à libertação de Kiev, pelo Exército Vermelho, em Novembro de 1943.
Um monumento erguido em Kiev, homenageia esses heróicos futebolistas e cidadãos soviéticos - e nele pode ler-se: «AOS JOGADORES QUE MORRERAM DE CABEÇA LEVANTADA ANTE O INVASOR NAZI».
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Meus amigos:
A partir de hoje, vou fazer uma pausa - breve, espero - nestes encontros diários convosco.
Voltarei.
Talvez em Abril - com os Cravos...
E não esqueçam: dia 11, o encontro é no Terreiro de Paço.
Abraços.
Fernando Samuel
9 comentários:
Bela estória... de uma terrível História!
Boa "viagem", seja ela o que for...
Abraço.
Bom descanso.
Um abraço
Uma estória tremenda, mas que transmite muita força.
Bom descanso.
Um beijo grande.
volta então com os cravos e retempera as forças.
um grande abraço,
miguel tiago
De qualquer forma se pode lutar contra a titania e a opressão. E esses futebolistas e o amigo que os reuniu fizeram-no heroicamente, perdendo até a própria vida.
Resistiram, sempre de cabeça levantada e nunca se submetendo ao opressor.
Também quero desejar-te que voltes rapidamente.
A tua luta corajosa está bem expressa neste blogue.
Um beijo grande.
Tinha lido esta estória no sopro leve e,fiquei sensibilizada com a coragem e a dignidade daqueles homens.Tal,que recomendei ao meu filho que a lesse.Sao exemplos e referencias de valores humanos.
Até "amanha"¡(O computador nao tem til,é espanhol)
Abraço, sentindo já a falta...
Até breve
Saúde, felicidades e bom trabalho
Fraternais saudações revolucionárias
Que venhas logo!!
Um beijo!
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