POEMA

NOME DE VASCO


A tua voz excessiva tornava-os mais pequenos.
Eles exigiam-te palavras untuosas,
as secas flores da jactância,
seu sono e alimento.
A verdade saía da tua boca iluminada
e eles tinham os ouvidos postos na mentira
no bocejo intrigante, na fala camuflada.
A tua voz recuada na origem não se perdia
nos afazeres verbais da litigância
não sabia a ganância.
Era o vento dos pobres sobre os metais do luxo.
Não te punhas a embalar o povo
como à criança que tarda a adormecer.
Atiravas-lhe à cara as palavras abruptas
um rosto incorruptível por marés de ferrugem
e gestos de morrer.

A tua fronte vasta tornava-os mais pequenos.
Nela despertava o susto das mães familiares,
o trigo parco dos homens nas tabernas
que te olhavam ingénuos vendo a seara crescer.
Ao colo dos pais os meninos sorriam
e os velhos viam coisas saltar dos teus cabelos.
Mas eras tu que soltavas a vida
amarrada a um poste como um burro de carga
a vida desavinda que os enraivecia
e que lhes dava um coice na pança saciada.

Aqui perde-se o tempo a trabalhar as lendas.
Mas o teu rosto não pode adormecer
sobre a toalha tépida que tece a tua ausência
onde derramo o choro e os outros vão beber.
Porque o teu pulso não suportava a febre
e erguia-se no ar como um pássaro agudo
que respirasse os ventos antes de partir.

Sobre o ladrar dos cães a tua voz alteia
como a papoula que o tempo não desfolha
a coluna de fogo que cai sobre a alcateia.
És o lagar imenso onde as uvas fermentam
sob os pés descalços e vivos da memória.
És a boca que a História utilizou por boca
o corredor onde o orvalho cresce entre a juventude
e os homens se passeiam com trigo na cintura.
Neste lugar de inverno lembramo-nos de ti
como quem desperta.
Ninguém aqui precisa de recuar no tempo
nem das sereias que engolem o nevoeiro.
Ninguém aqui suporta que tu voltes
como um Desejado
com o seu cortejo de rotas feiticeiras
que gritem pelo teu nome junto aos becos do mar
com as suas luas gordas de saudade e preguiça.
Teu nome está de pé como um mastro
de cal rubra.
Estás aqui, entre nós, no meio do teu País.
Connosco vais contigo porque o povo assim o quis.


Armando Silva Carvalho

7 comentários:

GR disse...

Tantos poemas com palavras tão belas.
Honra, Trabalho, Ética, Respeito, Futuro era o seu verdadeiro ideal.
Tão perto esteve de transformar a sociedade.
Sinto uma forte saudade, alegria e eterno reconhecimento,
pelo nosso Companheiro Vasco.

GR

Maria disse...

Este poema arrepiou-me toda.
O Vasco tão bem (d)escrito... teve uma influência enorme na minha decisão de trabalhar a sério na frente sindical e no que depois se seguiu...
Tantas memórias, e tão boas!

Um beijo grande

rapariga do tejo disse...

Lindo e arrepiante!!

As lágrimas caíem me e eu não as consigo conter.

Não quero!
Não posso!

A luta continua! Companheiro Vasco

Ana Camarra disse...

Acima de tudo lembro-me da emoção sincera que colocava nas palavras, lembro-me de um apelo que fez para um domingos de trabalho, e de toda a gente, sair para a rua, e as domésticas e os reformados, apanhavam ervas e limpavam os passeios, não queriam nunca era ficar de fora!

Beijos

samuel disse...

Decididamente, o Vasco é a essência do melhor de nós!

Abraço

Cs disse...

Será o meu "bom fim-de-semana", obrigado!

Fernando Samuel disse...

GR: Vasco sempre!
Um beijo.

Maria: é uma referência fundamental para todos nós.
Um beijo grande.

rapariga do tejo: a comfirmar que o Companheiro Vasco está nas nossas memórias e nos nossos corações.
Um beijo amigo.

Ana Camarra: bons tempos esses, tempos de Revolução...
Um beijo.

samuel: provavelmente...
Um abraço.

Cs: força!
Um abraço.