EU E OS CARDEAIS PATRIARCAS...

Confesso que há entre mim e os cardeais patriarcas de Lisboa um conflito insanável.
Não gosto deles, de nenhum deles, por razões que adiante explicarei.
Falo dos que conheci, isto é, dos que patriarcaram Lisboa desde que me conheço, que são três, a (má) conta que Deus fez, a saber:
D. José Policarpo, D. António Ribeiro e D. Gonçalves Cerejeira.

Ontem, trouxe-vos aqui o primeiro e a sua invocação da caridade-para-matar-a-fome como forma de ocultar as causas da fome, ou seja; a sua acção ao serviço dos interesses do capitalismo explorador e opressor.
Razões mais do que suficientes para eu não gostar de semelhante criatura.

Há dias, o dr. Mario Soares (que, pelas qualidades inatas que possui, também não estava mal como patriarca de Lisboa...) lembrou-me o segundo - D. António Ribeiro - ao revelar que os dois conspiraram activamente para destruir a democracia de Abril.
Razões mais do que suficientes para eu gostar tanto do Cardeal Ribeiro como gosto do ciático Soares.

Falta o terceiro, de seu nome Manuel Gonçalves Cerejeira: O Cerejeira: de má memória.
Esse teve o privilégio de servir não apenas o capitalismo tout court, mas o capitalismo na modalidade de ditadura terrorista do grande capital - ditadura fascista.
E saíu-se bem da tarefa, por tal tendo assegurado, certamente, um lugar ao sol lá no céu.

O fascismo salazarista instituiu a caridade como política social do regime e o analfabetismo (isto anda tudo ligado...) como política cultural...
O ditador falou e pôs a falar sobre a caridade e o analfabetismo todos os jornais e comentadores políticos de então - e eles, como os seus sucessores de hoje, estiveram à altura da tarefa.

Era o tempo em que a frase «hoje vamos fazer caridade» corria pelo país e os jornais informavam do «Chá de Caridade, no Tivoli, promovido por uma Comissão de Senhoras da nossa Primeira Sociedade» (sic, incluindo as maiúsculas...) - e no dia seguinte davam notícia do êxito da iniciativa e mostravam fotografias das filhas das promotoras - «um friso de gentis meninas» (sic, outra vez...)- repletas de caridade bebida em chávenas de porcelana.
Era o tempo, portanto, em que o Cardeal Cerejeira estava como peixe na água a apregoar a sua terceira virtude teologal...

Nas escolas, desde a instrução primária, o ensino da caridade era a prioridade as prioridades - e, porque isto anda tudo ligado, também se pregavam as virtudes do analfabetismo.
Sobre os 75% de analfabetos existentes, os comentadores políticos de então escreviam assim: «A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos»;
ou assim: «Felizes aqueles que não sabem ler!»...
E sobre a virtude da caridade os livros escolares, neste caso o da terceira classe, ensinavam deste jeito:
«Gosto muito deste pobrezinho. Chora sem lhe fazerem mal e sem dizer porquê. Quando lhe levo alguma coisa que o consola, vou tão depressa que nem sinto os pés tocar no chão. Ando sempre contente nos dias em que posso visitá-lo e dar-lhe esmola. Não há alegria como a de fazer bem. Nosso Senhor ensinou que a maior de todas as virtudes é a caridade.»
Imagine-se o gozo devoto que tais ensinamentos às criancinhas provocavam no cardeal Cerejeira - e o estimulo que isso era para a sua pregação da CARIDADE.

Mas o fascismo não era só analfabetismo e caridade...
E nas suas outras vertentes teve sempre no Cardeal Cerejeira um activo propagandista, apoiante e colaborador.

Guardo na memória, para sempre - e para que fascismo nunca mais... - a resposta do Cardeal Cerejeira à carta que a esposa do embaixador de Brasil lhe enviou quando do assassinato, pela PIDE, de Raul Alves, operário, comunista, de Vila Franca de Xira.
Os pides lançaram Raul Alves do terceiro andar da António Maria Cardoso e arrumaram o assunto dizendo tratar-se de suicídio.
Contudo, de uma janela da Embaixada do Brasil, a esposa do embaixador assistiu ao crime e, emocionada, escreveu ao Cardeal Cerejeira a contar o sucedido.
E o Cardeal Patriarca de Lisboa - recorrendo a todos os dotes que fizeram dele um histórico arauto das múltiplas virtudes da caridade - reconfortou-a assim:

«Não há motivo para ficar tão impressionada. Trata-se, apenas, de um comunista sem importância».

Não gosto de cardeais patriarcas, pronto!
E não adianto mais razões.

13 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Também não gosto de cardeais, papas, bispos, padres e religiões que prometem o"céu" aos infelizes para os manter agarrados ao seu infortúnio na Terra.
A ignorância também é uma arma para essa gente e políticos afins. Senão como poderiam os desafortunados acreditar no "céu"?
No inferno é fácil acreditar porque existe cá neste minúsculo canto do Universo, o planeta Terra.
Mas o "céu"....?

Um beijo.

Maria disse...

Nem consigo comentar o facto que relatas...
Mas também não gosto dos gajos que se vestem de saias ou capas ou seja-lá-o-que-isso-for até aos pés, sejam elas pretas ou encarnadas. Fazem-me brotoeja...

Um beijo grande.

do Zambujal disse...

Junto-me ao coro-dos-que-não-gostam-de-cardeais-patriarcas, em boa hora (Boa Hora? safa!) por ti criado ou em criação.

Grande abraço

samuel disse...

São as estórias podres da História podre das "divas" pouco castas da santa madre igreja... que convém não esquecer.

Abraço.

Anónimo disse...

Junto-me também ao grupo ou coro dos que desprezam os cardeais patriarcas deste país.
Não posso com o negócio de Fátima, explorado pelos mesmos cardeais e todas as cerimónias de culto, com as tradicionais velinhas e a beatificação das nossas desgraças e misérias.

(Jorge)

Aristides Rodrigues disse...

E seriam necessárias ainda mais razões?
Abraço

António disse...

De cardeais está o Inferno cheio.

Anónimo disse...

Se o analfabetismo e a política cultural estão intimamente ligados, tal como se pode ler neste spot, também a cultura política e o revisionismo não deixam de obedecer a esses princípios. Ainda ontem a propósito da importância cultural do cinema soviético, apresentaram-se 3 filmes para que os visitantes deste blog os julgassem por si próprios. No entanto os revisionistas de serviço, logo se apressaram a escamotear os filmes do período de Staline, que mesmo não os tendo visto, não tiveram a humildade nem a franqueza de o dizer, enfantizando como não podia deixar de ser um filme do período revisionista não declarando o ano da sua realização nem o seu autor.
Excelente cultura...

cid simoes disse...

Graças a Deus também não gosto de cardeais.

A.Silva disse...

Tristemente, Almada cidade de tantas tradições na luta contra o fascismo foi brindada hà pouco tempo com uma estátua do Cerejeira, é certo que a estátua é da responsabilidade da igreja e está nos seus terrenos, mas virada para o espaço público, no que acho uma provocação aos cidadãos desta cidade. Uma vergonha!

svasconcelos disse...

Partilho os anticorpos aos cardeais contigo. Na verdade estendem-se a bispos, padres e por essa patética e pérfida hierarquia. ( salvaguardando-se excepções, claro).
O teu texto é claríssimo. Há dias numa feira do livro descobri livros da 3ª classe da minha mãe e correspondiam exactamente à promoção do analfabetismo e caridade, como descreveste. A igreja ali estava a controlar a doutrina dos submissos e obedientes cidadãos futuros , "os que seriam a alma do país" que lhes convinha, claro, aos fascistas.
A última história arrepia-me, de cada vez que a leio mistura-se-me a repulsa com a convicção que fiz a escolha certa para a minha vida.
Um beijo,

Fernando Samuel disse...

Graciete Rietsch: e como nunca ninguém voltou, nem voltará, «lá de cima» a dizer como era, os que esperam pelo céu continuam a esperar...
Um beijo.

Maria: e a brotoeja é incómoda que se farta...
Um beijo grande.

do zambujal: é um coro com pés para andar - ou com vozes para cantar...
Um abraço.

samuel: para que a memória não se apague.
Um abraço.

Jorge: subscrevo...
Um abraço.

Aristides Rodrigues: de facto, bastam estas...
Um abraço.

António: e entre eles e o inferno venha o diabo e escolha...
Um abraço.

cid simões: haja Deus!...
Um abraço.

A.Silva: concordo.

svasconcelos: Viva, viva, voltaste!
Um beijo grande.

Anónimo disse...

Anónimo das 19:36, essa discussão pertence a outro texto e outro "post". Não pertence a este, portanto, o seu comentário nada tem a ver com o que estamos a comentar.
No entanto, uma vez mais, esqueceu-se de assinar o seu comentário, ou não será «Chispa!»
Deve ser terrível a sensação de ninguém lhe dar atenção, mas continue a tentar.