POEMA

POSIÇÃO DE GUERRA


Crescem em mim milhões de punhos
cerrados,
bandeiras desfraldadas,
horizontes.
Soam em mim milhões de brados
resolutos,
protestos brutos,
queixumes.
Abrem-se em mim milhões de chagas,
como crateras de fogo.
Rompem em mim vendavais.
Sou eu que me interrogo,
a tudo atento,
sobranceiro ao gozo ou ao sofrimento,
com pensamentos verticais.


Armindo Rodrigues

PARA ALÉM DA NÁUSEA

Não pára, a publicação de livros da autoria de reputados historiadores que, quais prestidigitadores, tiram triunfantemente da manga (ou da cartola) a conclusão de que em Portugal não existiu fascismo.

Confesso que me cansei de os ler. Em primeiro lugar porque, citando-se uns aos outros, dizem todos o mesmo e, por isso, chateiam que se fartam. Em segundo lugar, porque a operação de branqueamento do fascismo que de há uns anos a esta parte tem vindo a invadir livrarias, médias, escolas, etc, cheira que tresanda a promoção do fascismo.

Agora, foi dado à luz mais um desses livros: «Estados novos Estado Novo», de Luís Reis Torgal.
Deu notícia dele, há dias, no Jornal de Letras, um «mestrando em História Contemporânea na Faculdade de Letras de Lisboa», que sintetiza aspectos vários do pensamento do autor, designadamente em matéria de comparação do fascismo português (isto digo eu, é claro...) com o fascismo italiano.
O autor, muito embora reconhecendo a existência de algumas «semelhanças (do salazarismo) com o fascismo italiano», salienta as diferenças, essas, sim, ao que parece, significativas.
E quais eram essas diferenças?
Ele explica: «Salazar não era um chefe de partido como Mussolini, mas alguém que sabia conciliar diversas opiniões (a própria União Nacional era entendida como um "instituição Nacional" e não como um partido» - confesso-me estupefacto e deslumbrado com esta imagem do Salazar conciliador de opiniões diversas...
Outro exemplo apresentado para ilustrar as tais «diferenças»: enquanto no fascismo italiano imperava o princípio de «autoridade sem liberdade», em Portugal, Salazar defendia o princípio de "autoridade e liberdade» - coitados dos italianos do tempo do Mussolini e felizes dos portugueses do tempo de Salazar...

Assim fica mais uma vez demonstrado que em Portugal não existiu fascismo - com a promessa de que a demonstração vai prosseguir para além da náusea.

POEMA

DOIS CAMINHOS


Há um silêncio imposto e outro de repouso.
Um é nocturno e estreito e o outro um dia aberto.
Num, apenas a medo o sonho é um débil gozo.
No outro, o sonho cabe após dele desperto.
Num, o que é certo e necessário é enganoso.
No outro, mesmo o engano é necessário e certo.


Armindo Rodrigues

MAIS UM GOLPE...

Os jornais de hoje - todos - tratam como era esperado tratarem, o golpe de estado militar que depôs e exilou o Presidente das Honduras, Manuel Zelaya.
Como caninos obedecendo à voz do dono, eles repetem-se quer na relevância dada aos acontecimentos - que remetem para as páginas interiores - quer no seu conteúdo, que pode resumir-se assim: o referendo era «ilegal», logo o golpe foi «legal».
É sintomática, igualmente, a preocupação comum a todos eles de ilibar os EUA de quaisquer responsabilidades no golpe e de sobrevalorizar as declarações chapa 1 de Obama - assim como quem diz que os EUA nada têm a ver com o golpe...

Em causa está, obviamente, um golpe militar - mais um! - feito à imagem e semelhança de dezenas de outros que na América Latina, ao longo da história, foram perpetrados contra governos que, eleitos democraticamente, levavam por diante, legitimamente, políticas que tinham como preocupação primeira servirem os interesses dos seus povos e não os interesses dos EUA.
Daí a participação activa dos vários governos norte-americanos na organização e, por vezes, na própria concretização desses golpes que, amiúde, foram acompanhados de sangrentas matanças.

Dir-se-á (e já houve quem dissesse) que também as forças anti-imperialistas recorreram ao golpe militar para ascenderem ao poder...
E é verdade.
Com uma diferença significativa: é que essas tentativas de golpe ocorreram, sempre, em países dominados por ditaduras - por sinal, todas instaladas e (ou) apoiadas pelos EUA...

Não têm razão de ser, portanto, as «dúvidas» dos analistas sobre a quem é que serve o golpe de estado das Honduras: dêem-lhe as voltas que derem - e mesmo invocando os golpes que condenam - em última análise, como a História nos mostra, qualquer golpe militar levado a cabo em qualquer país da América Latina ou é contra ou é a favor do domínio dos EUA nesse país.
Tirem, então, as conclusões sobre a quem interessa e quem levou a cabo o golpe militar que depôs o Presidente Manuel Zelaya...

POEMA

MEUS IRMÃOS...


Meus irmãos
é preciso atrelar os nossos poemas
à charrua do boi magro
é preciso que este se enterre até aos joelhos
na vaza dos arrozais
é preciso que eles façam todas as perguntas
é preciso que recolham toda a luz
é preciso que os nossos poemas como marcos quilométricos
balizem as estradas
é preciso que sejam o sinal a anunciar a aproximação do adversário
é preciso que batam tambor na selva
e enquanto na terra houver um único país
ou um único homem escravo
e enquanto no céu restar nem que seja
um única nuvem atómica
é preciso que os nossos poemas dêem tudo,
corpo e alma para a grande liberdade.


Nazim Hikmet

SIMULTANEIDADES...

O Presidente da República marcou as eleições legislativas para 27 de Setembro - e não, como era sua vontade, para a mesma data das autárquicas.
Ele bem artimanhou, bem tabuzou, bem cavacou, mas não conseguiu impor a sua vontade: a operação eleições simultâneas foi derrotada.
Tratou-se, de facto, de uma operação montada a rigor: Cavaco começou por dar sinais de querer meter as duas eleições no mesmo saco; depois, logrou atrair para a sua «causa» a generalidade dos propagandistas da política de direita; e chegou, mesmo, a invocar uma misteriosa «sondagem», segundo a qual a maioria dos portugueses defendia a simultaneidade das eleições... - «sondagem» pelos vistos só do seu conhecimento e, provavelmente, feita num universo de inquiridos composto pelos seus amigos mais chegados (admitindo que os tem)...


Estou em crer que a grande falha da cavacal operação foi ter começado demasiado tarde e, por isso, não ter dado o tempo suficiente aos propagandistas de serviço para levarem à prática, com êxito, a manobra em que são peritos de, a partir de uma opinião muitas vezes publicada, fabricarem a desejada opinião pública...


Recorde-se, entretanto, que esta ideia da simultaneidade das eleições não é ideia nova. Já foi falada noutras alturas - e, por sinal, sempre por más razões e com maus objectivos, o que não surpreende na medida em que misturar várias eleições num mesmo acto eleitoral é uma excelente forma de baralhar para reinar - matéria na qual os executantes da política de direita são verdadeiros especialistas.


E já agora, vale a pena lembrar (quanto mais não seja a título de curiosidade e também para que não caia no esquecimento...) que a simultaneidade de eleições era um dos caminhos escolhidos pelos golpistas do 11 de Março de 1975 - o tal golpe organizado por Spínola e cuja preparação o PS/Mário Soares acompanhava a par e passo através dos encontros de Manuel Alegre e outros homens de mão de Soares com os golpistas.
Relembremos, então, ainda que resumidamente, os planos dos golpistas:
concretizado o golpe - depois de presos e colocados em «unidades seguras» os «elementos pró-comunistas do Conselho dos Vinte» - Spínola assumiria o poder, proclamaria o estado de sítio "até ao pleno funcionamente das instituições", suspenderia as liberdades democráticas, adiaria as eleições para a Assembleia Constituinte marcadas para Abril e anunciaria eleições para Novembro.
Nessas eleições, os portugueses elegeriam, simultaneamente, o Presidente da República e os deputados para a Assembleia. Mas não só: a simultaneidade englobava ainda, o Programa do Governo e a Constituição!!! - ou seja: matavam todos os coelhos com uma só cajadada...


Mas voltando ao dia de ontem: o Presidente da República marcou as eleições legislativas para uma data não coincidente com a das autárquicas.
Não tendo possibilidade de fazer o que queria, teve que fzer o que não queria.
Por isso - e só por isso... - fez bem.

POEMA

OS GRANDES AMIGOS


São como as árvores
de grande porte.
Quando elas partem
as raízes ficam
aquém da morte.


Luís Veiga Leitão

UNIÃO DE FACTO

Possivelmente há quem ache exagerada a insistência com que escrevo sobre a acção desenvolvida pelos média dominantes enquanto porta-vozes caninos dos interesses do grande capital - que é o dono deles.
Provavelmente, haverá também quem ache que insisto demasiado na apresentação de situações concretas exemplificando o carinhoso tratamento reservado ao BE por esses média do grande capital.
Mesmo assim - e porque penso que não é assim... - vou continuar a insistir.


Há dias, trouxe aqui o exemplo de um texto do Público que constituía uma desavergonhada acção de propaganda eleitoral a favor do BE - texto, a meu ver, impublicável em qualquer jornal minimamente sério, e de assinatura inimaginável para qualquer jornalista minimamente sério.
Ora, a confirmar que isto anda tudo ligado, aí está mais do mesmo. Desta vez no Sol.
Quem assina a peça é o já nosso conhecido Manuel Agostinho Magalhães - que nunca se sabe bem se é um jornalista/BE ou um BE/jornalista, mas que se sabe bem ser um entusiástico propagandista do BE.
Eis o título deste atentado ao jornalismo - título que, como se vê, poderia encabeçar um qualquer folheto de propaganda do BE:
«Bloco rejuvenescido com programa radical».
Depois, a acção de propaganda segue por aí fora (ouvindo um dirigente do BE que, por acaso ia ali a passar...) e sempre atropelando e atropelando a acção jornalística até a deixar às portas da morte...
E, quando se pensava que não era possível esticar mais a corda propagandística, eis que o propagandista entra em parafuso eleitoralista e, a partir de um enorme SE
- SE o BE obtiver X% dos votos nas legislativas... -
conclui que, SE... o BE vai eleger, «sensivelmente o dobro dos actuais oito deputados»...
E assim se demonstra como é fácil meter o Rossio na Rua da Betesga: basta um «se»...

Já agora, actualizo os exemplos: no Público de hoje, a pretexto de uma desavença entre be's algarvios (uns ex-PSR, outros ex-UDP) - desavença relacionada com a lista para as legislativas - o autor da «notícia», de seu nome Idálio Revez, aproveita para informar os leitores que «o BE tem fortes possibilidades de se estrear na eleição de um deputado por Faro» - isto SE... repetir «nas legislativas o resultado das eleições europeias».
Cá temos outra vez o enorme SE...

E cá temos, sempre, a comovente relação amorosa entre os média - propriedade do grande capital - e o BE.
Uma relação que, pelas abundantes provas de carinho e de ternura evidenciadas, bem pode considerar-se como uma verdadeira união de facto.

POEMA

NATUREZA MORTA


As bombas destruíram todas as casas menos uma,
as casas onde viviam os homens que não tinham cor nenhuma.

Por entre os escombros
alguns milhões de cadáveres contavam anedotas e encolhiam os ombros.

Quando já não havia mais homens para matar,
nem pedras por calcinar,
nem searas por destruir,
foi só então que as bombas cessaram de cair.

Sobre a mesa vermelha
uma verde maçã e uma garrafa amarela e torta.
Natureza morta.

Felizmente as bombas destruíram todas as casas menos uma,
as casas em que viviam os homens que não tinham cor nenhuma.

Aí, com perícia esmerada,
os sábios reconstituíram um corpo, tão perfeito como se fosse vivo.
A casa, essa, foi reservada
para museu e arquivo.


António Gedeão

CONFIRMAÇÕES

Os governos dos 27 países da UE decidiram, por unanimidade, reconduzir Durão Barroso no cargo de presidente da Comissão Europeia.
Quer isto dizer que, se se der crédito às declarações de José Sócrates, de Cavaco Silva, etc - para os quais defender a entrega de tal cargo a um português é «um acto de patriotismo» e favorece o «interesse nacional» - os governos dos restantes 26 países nem são «patrióticos» nem defendem o seu «interesse nacional»...


Mas, deixando de lado as patrioteirices de meia tigela e as imbecilidades patetas e patéticas, há que registar o facto de Barroso ter sido reconduzido e extrair dele (do facto, é claro...) o significado de que se reveste.

A ida de Barroso para presidente da Comissão Europeia foi, como sabemos, a paga pela sua atitude de cúmplice na criminosa invasão e ocupação do Iraque e no bárbaro morticínio de centenas de milhares de iraquianos - o que evidencia luminarmente, quer as «qualidades» de Barroso, quer as «qualidades» dessa Europa do grande capital e sucursal do imperialismo norte-americano que dá pelo nome de União Europeia.

A recondução de Barroso confirma-o como... o que ele é; e confirma os que o reconduziram como... o que eles são:
criados para todo o serviço ao serviço das «pátrias» e dos «interesses nacionais» do grande capital explorador e opressor.

POEMA

O QUE DA RAZÃO NÃO FAZ...


O que da razão não faz
uma firme barricada
de que mais será capaz
que de não sê-lo de nada?
Pois vale a pena viver
a contrariar a vida?
Pior que a vida perder
é aceitá-la perdida.
Fique às nuvens e ao luar
a cobardia do céu.
Recto seria julgar
a lei primeiro que o réu.


Armindo Rodrigues

«ARQUIVE-SE»?

Um destaque na primeira página do Diário de Notícias de hoje, diz o seguinte:
«Freeport. Se a aprovação do outlet for considerada legal, os crimes investigados já prescreveram».

Confesso que, receando o que iria encontrar, não fui ler o desenvolvimento da notícia nas páginas interiores.
E fico a interrogar-me sobre o significado desta notícia...
E, apesar de tudo o que já aconteceu em matéria de arquivamentos de processos semelhantes, é ainda com alguma perplexidade que me interrogo:
será que estamos, uma vez mais, perante um «caso» cujo esclarecimento e resolução passa pelo recurso ao tradicional carimbo «arquive-se»?
Não é possível!
Não?...

POEMA

«SE EM PORTUGAL UM ESCRITOR...»


Se em Portugal um escritor é largamente proclamado
com coros de louvores; e se é inteligente -
deve por certo começar a ter terríveis dúvidas
de ser alguma coisa de em verdade grande.
Porque a chamada crítica ou que se arroga tal
atira ciosamente lama e vómitos
a quem seja, senão grande, pelo menos digno
- numa ânsia de que o público imagine que a honradez
é um vício, e ser canalha uma virtude.


Jorge de Sena

gente cá da terra!


tem nome de esteva marítima que todo ele é a força da serra e dos cabeços que calcorreou fugindo, como água de enxurrada, à tirania que lhe proibia o pão. o Saragaço vende cautelas e sorri aos amigos que vê passar. o seu corpo franzino é uma faúlha da brasa nas tardes que fazem ferver o sangue entre a cal em ebulição. Sempre que conhece alguém, o Saragaço tira da algibeira o orgulho do seu sentir. orgulhoso, -se possível em tão pouco corpo, inchado - diz com todo o ar que lhe sai do peito: «este é o meu Partido», logo acrescentando «camarada» à frase que assim cumprimenta o novo amigo. para o Saragaço, que do bravio do mar e da planta só tem o nome - e a coragem! - não lhe cabe na cabeça que haja alguém que possa não o ser... Camarada! e a palavra nele tem todo o sentido da grande casa que acaba de abrir a porta ao novo amigo. por estas bandas há também quem isto confunda com alguma loucura, logo humanizada na ternura que sempre reconhecem a um velho (bem sei que nem parece!). eu não me engano, e sei bem que o Saragaço tem é um coração maior que as pernas canetas que o suportam. e é vermelho como a fome do trigo nos campos. hoje, como é hábito desde que nos conhecemos, comprei-lhe uma cautela. sentei-me com ele. bebemos uma cerveja. no café, os ricos da terra olhavam com algum espanto « o antropólogo e o cauteleiro???». ele sentiu-o. rimos os dois. ele puxou do cartão do nosso Partido. colocou-o em cima da mesa. chamou-me camarada. como se tivesse acabado de me conhecer. como se sempre me tivesse conhecido. num sussurro o meu coração gritou-lhe um «camarada» enquanto brindávamos. ele disse-me « vamos ver se é desta que sai». se sair, apontem como promessa de homem comunista, vamos os dois a Cuba. o cauteleiro e o antropólogo. o galamba e saragaço. os camaradas, pois!
bela gente tem a minha terra.

POR QUE SERÁ?

O registo de hoje em matéria de manipulação mediática diz respeito a uma peça de propaganda eleitoral, disfarçada de «notícia»: o propagandeado é o partido de Francisco Louçã; o propagandista é o jornal de Belmiro de Azevedo.

A «notícia», que é assinada por Leonete Botelho, começa assim:
«BE recandidata Pureza por Coimbra nas legislativas».
Logo a seguir a este título informativo, eis que Leonete nos «informa» que o candidato do BE se apresenta «desta vez com a expectativa de ser eleito deputado»...
Depois de, como quem não quer a coisa, sublinhar que o BE «subiu a terceira maior formação política em votos», Botelho passa a anunciar os primeiros candidatos do BE por Braga, Vila Real e Aveiro - todos acompanhados de simpáticos dados biográficos ...
A seguir, embalada, Leonete dedica parte grande do espaço disponível da «notícia» às primeiras figuras do BE por Lisboa e Porto: para «informar» que «ainda estão por decidir»... mas que tudo indica que venham a ser, respectivamente, Louçã e Fazenda...
Finalmente, e já em pleno desvario propagandístico, Botelho «informa» que, «de acordo com uma projecção» elaborada por um blogueiro (que cita), «extrapolando os resultados do dia 7 para as legislativas, o BE elegia 21 deputados» - ou seja, explica a diligente e prestimável Leonete, «mais treze do que os actuais 8».

Estamos, assim, perante uma «notícia» que outra coisa não é senão uma despudorada peça de propaganda eleitoral, debitando «informações», «apreciações» e «opiniões» que parecem ter sido - e talvez tenham sido - produzidas pela secção de propaganda do partido propagandeado...
Não há dúvida: o jornal de Belmiro de Azevedo tem um fraquinho pelo BE.
Por que será?

Registe-se, agora, o contraponto:
a CDU anunciou na quinta-feira passada os seus primeiros candidatos por Évora, Lisboa, Santarém e Setúbal - que o Público silenciou absolutamente.
a CDU realizou, com a presença de centenas de pessoas, sessões públicas de apresentação desses candidatos nos distritos de Évora, Santarém e Setúbal - o Público dedicou meia dúzia de linhas a uma dessas iniciativas e silenciou as restantes.
Não há dúvida: o jornal da Sonae não pode com a CDU.
Por que será?

POEMA

PEQUENA BALADA DO SOLDADO ALIADO


Irá que o seu dever é ir.
Irá que assim lhe ordenaram.
Irá que é lá que está o inimigo.
Irá que o regime tem de cair.
Irá que a democracia deve impor-se.
Irá que uma nova ordem é precisa.
Irá que a vontade do povo não conta.
Irá que a paz faz-se com a guerra.
Irá que os mortos deles não se choram.
Irá que os vivos deles não se importam.
Irá que os filhos deles não são seus.
Irá que um herói deve lá estar.
Irá que Deus está com ele.
Irá que só Allah está com os outros.

Virá?


Joaquim Pessoa
(Março de 2003)

O CARNICEIRO ESTÁ COM MEDO

O governo de Gordon Brown decidiu abrir um inquérito sobre a participação da Grâ-Bretanha na invasão e ocupação do Iraque.
É claro que, antes mesmo de conhecidos os resultados do inquérito, muita coisa se sabe, já, sobre essa participação criminosa:
sabe-se que o Governo britânico, chefiado por Blair, manifestou incondicional apoio político à invasão chefiada pelo imperialismo norte-americano; sabe-se que o Governo de Blair desenvolveu intensa actividade na divulgação da vasta rede de mentiras que serviu de pretexto para o crime; sabe-se que, por decisão de Blair, soldados britânicos foram enviados para o Iraque e aí participaram, sob a designação de «aliados», na brutal ocupação daquele país e no monstruoso morticínio dela decorrente - sabe-se, enfim, que Blair é - com Bush, Aznar, Barroso e vários outros criminosos de guerra - um dos responsáveis pelo assassinato de muitas centenas de milhares de homens, mulheres e crianças iraquianas.

E, sabendo-se tudo isto, sabe-se muito: sabe-se o suficiente, por exemplo, para julgar e condenar Blair pelos crimes de que é responsável - coisa que aconteceria em qualquer país democrático...
Ora, acontece que, ao que tudo indica, para além do muito que se sabe, há mais... ou seja, parece que o colaboracionismo criminoso de Blair se reveste de particularidades até agora desconhecidas.
Daí o pedido que Blair fez a Gordon Brown no sentido de não tornar públicos os resultados do inquérito.

Inquérito, sim - «somos democratas, não é verdade?»... - mas para ficar na gaveta, bem escondido e bem longe das vistas e do julgamento do povo.

Se Gordon Brown vai, ou não, silenciar as conclusões do inquérito... é o que veremos.
Mas uma coisa parece certa: Blair, o carniceiro, está com medo.

POEMA

CASA DE PENHORES


I

Rua estreita - não sei quem lá passou.
Porta aberta - não sei quem lá entrou.
Não sei - não sei dizer e não me importa,
nem a rua, cansada de ser rua,
nem a porta, cansada de ser porta.

Mas foi aqui, na rua triste e nua,
e junto à porta aberta, fria e larga,
que me surgiu aquela frase amarga
e nunca mais me deixou:
- Schubert empenhou o violino e o mundo não estoirou!

II

Mas não falemos de Schubert... falemos da velha tonta...
- a velha tonta que perdeu a neta
e anda, de porta em porta, a imitá-la...

Diz assim, aflautando a sua fala:

«Ó velha, conta... ó velha, conta
aquela história triste do poeta...»

- A velha tonta que perdeu a neta
todos os dias ajoelha
em frente da lamparina...

(O Cristo empenhou-o a velha
para salvar a neta pequenina...)

E a velha tonta reza à lamparina:

- «Meu Deus, perdoa-me a audácia
de ter teu Filho empenhado...
- Foi por causa da conta da farmácia...
Perdão, meu Deus, perdão!»

- E o Cristo, resignado,
em três meses de juro crucificado,
espera o dia do leilão.


Sidónio Muralha

O VERDADEIRO ANIMAL FEROZ

«Novas Fronteiras» é uma coisa que o PS/Sócrates cozinha, de vez em quando, para exibir uma suposta definição de nova política governamental - género, «agora, sim, agora é que é»... - e para, ao mesmo tempo, demonstrar a «abertura» da cena, servindo ao respeitável público, uns quantos «independentes» que decidiram pôr as suas incomensuráveis inteligências e saberes ao serviço do programa eleitoral do PS.
A coisa foi a lume brando ontem, na FIL, com todos os ingredientes: lá estava, no papel de «independente», a inevitável Irene Pimentel; e lá estava o estado maior do PS... ou estado menor, se tivermos em conta o papel maior ali desempenhado pelo pequeno António Vitorino.
E lá disseram o que ia ser o programa eleitoral do PS:
blá-blá-blá - decidiu Sócrates;
blá-blá-blá - copiou Vitorino;
blá-blá-blá, repetiram todos, em coro síncrono.
E, a concluir: Temos programa - disse Vitorino;
Porreiro, pá! - disse Sócrates.

No entanto, Sócrates disse mais - e mais importante: rejeitou, indignado, as acusações de «humildade» que lhe têm sido feitas e voltou a assumir, triunfante, a postura de «animal feroz» que tão bem lhe cai.
É de homem!
E com tal veemência o fez que contagiou o seu «coordenador do programa eleitoral».
Foi assim que, a dada altura, o pequeno Vitorino, em biquinhos de pés, «desafiou o PSD a dizer o que vai fazer se vencer as legislativas»: «Vá, digam o que querem, não tenham medo, digam verdadeiramente o que pretendem» -intimou, triunfante, qual «animal feroz» plastificado.
É de homem!


E lá partiram todos, provavelmente cada um comentando para si que, independentemente dos programas eleitorais, as práticas governamentais do PS e do PSD obedecem, uma e outra, ao mesmissimo programa - o do grande capital.
Esse, sim, o verdadeiro animal feroz.

POEMA

ROTEIRO


Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço.

Pago embora seja raro.
Mas homem não tem avesso
e o peso da pedra eu comparo
à força do arremesso.

Um rio, só se for claro.
Correr, sim, mas sem tropeço.
Mas se tropeçar não paro
- Não paro nem mereço.

E que ninguém me dê amparo
nem me pergunte se padeço.
Não sou nem serei avaro
- se carácter custa caro
pago o preço.


Sidónio Muralha

GRANDECÍSSIMOS... PLURALISTAS!

Prossegue a operação visando a reabilitação de Sócrates, através da substituição da sua imagem arrogante - e derrotada - por uma imagem humilde- e vencedora...
A SIC deu o primeiro grande passo nesse sentido, proporcionando-lhe uma oportuníssima entrevista conduzida por uma oportuníssima entrevistadora...
Ontem foi a vez de o Diário de Notícias mostrar o que vale: a primeira página do jornal incitava-nos a ler, na sua «Notícias TV - A Revista de TV e SOCIAL MAIS LIDA EM PORTUGAL», uma reportagem (com FOTOS EXCLUSIVAS) de umas mini-férias de Sócrates, no Algarve. Trata-se de um texto encomiástico até dizer chega e que mais parece uma peça de publicidade paga.

Mas Sócrates é também PS: porque é o PS que vai a votos lá para Setembro/Outubro...
E o prestimoso Diário de Notícias não dorme: hoje, ofereceu toda a primeira página do seu suplemento «DN Gente», ao conhecido militante do PS, Pedro Adão e Silva: texto encomiástico até dizer chega e que mais parece uma peça de publicidade paga...

Não se pense, no entanto, que o DN só pensa em Sócrates/PS. Não! De forma alguma!
A comprová-lo veja-se a atenção que dá a outros partidos, por exemplo, o PSD, o CDS/PP e, é claro, o filho querido da casa, o BE, sobre o qual o DN, na sua edição de hoje, publica nada mais nada menos do que 8-notícias-8!
E todas simpáticas para o referido partido: encomiásticas até dizer chega e que mais parecem peças de publicidade paga...

Que grandecíssimos... pluralistas!

POEMA

LÍRICA SEM NEBLINA


Já nos versos dos Vedas,
há 2500 anos,
crepitavam as labaredas
dos problemas humanos.
Já então, quando as aves emigravam,
os homens não falavam de saudade,
mas simplesmente levantavam
uma canção à liberdade.
Então e sempre entrou a luta na poesia
como um pregão pela janela aberta
e enriqueceu-a dia a dia
numa perpétua descoberta.
Nem narcóticos, nem neblinas, nem adornos, nem véus,
pega o poeta em palavra, tijolos e argamassa,
e constrói um arranha-céus
que cada hora se ultrapassa.
E nesta maré de novo e de renovo,
movimento ascensional,
em cada poema o povo
põe a sua impressão digital.


Sidónio Muralha

NEM A BRINCAR...

A notícia chegou e disse:

Gustavo Villoldo era um empresário cubano - representante da General Motors em Cuba - e pai de um filho com o mesmo nome.

Em 1959 a sua empresa foi nacionalizada por decisão do governo revolucionário, aplicada pelo Che, então presidente do Banco Nacional de Cuba - e Gustavo Villoldo, inconformado com o facto, suicidou-se, tomando uma dose elevada de comprimidos para dormir.

Gustavo Villoldo (filho) fugiu para os EUA e, em 1967, integrava o comando de agentes da CIA que perseguiu e assassinou o Che na Bolívia.

Agora, o filho intentou uma acção contra Fidel e o Che, acusando-os de responsáveis pela morte do pai.

E um juiz norte-americano não só lhe deu razão como condenou Fidel e o Che a pagarem-lhe uma indemnização de 700 milhões de euros.

A notícia só não diz como é que a sentença vai ser executada, e o que acontecerá aos acusados se não pagarem a indemnização ao acusador...

Esta justiça norte-americana é danada para a brincadeira... - mas nem mesmo a brincar deixa de exibir o seu conteúdo de classe.

POEMA

PARA VÓS O MEU CANTO...


Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos;
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais o leito dum rio;

- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim: e confio;

- para vós os meus versos, companheiros da vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios pra cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...

Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia de Juízo...

Que o Dia do Juízo
não é no Céu... é na Terra!


Sidónio Muralha

A LUTA CONTINUA!

A repressão sobre dirigentes e activistas sindicais aumentou consideravelmente no ano de 2008: contam-se por milhares - muitos milhares! - os representantes dos trabalhadores vítimas das mais diversas medidas repressivas.
Do despedimento à prisão, à tortura e ao assassinato, passando pelas ameaças e chantagens do mais variado tipo, a tudo o grande capital internacional e os seus serventuários nos governos têm recorrido, com o objectivo de desarticular a luta organizada dos trabalhadores e de enfraquecer e, se possível liquidar, as suas estruturas representativas.

Dados divulgados pela Confederação Sindical Internacional mostram que a repressão tem vindo a assumir novas formas, sendo muitos os casos em que são os próprios patrões - através das suas polícias privadas e com a complacência das autoridades governamentais - a prender, agredir e torturar trabalhadores.
Também o número de trabalhadores assassinados por desenvolverem actividade sindical continua a aumentar: no ano de 2008, foram mortos 76 sindicalistas.

A Colômbia continua a ocupar o primeiro lugar na repressão anti-sindical: dos 76 assassinados no ano de 2008, 49 eram sindicalistas colombianos.
Recorde-se que, nos últimos dez anos, mais de 2 700 sindicalistas foram assassinados no país governado pelo narcofascista Uribe.
Registe-se que, no ano de 2009, o número de dirigentes sindicais assassinados na Colômbia é já de, pelo menos, 17.
Recorde-se e registe-se que a Colômbia é vista pelos EUA como a democracia mais avançada da região e onde o respeito pelos direitos humanos é uma realidade...

Sublinhe-se que por maior e mais brutal que seja a repressão ordenada pelo grande capital, ela não conseguirá impedir a continuação da luta dos trabalhadores e dos povos - luta que prosseguirá até à vitória final.

POEMA

ÂNGULOS DIFERENTES


A diferença
entre cavalgar
e ser cavalgado
é pesada
contundente
crucial.

Cavalgando, o cavaleiro exclama:
- é épico.
Cavalgado, o cavalo constata:
- é hípico.

Frases de pouca monta
totalmente desmontadas
quando é o cavalo que monta
o cavaleiro.


Sidónio Muralha

QUANDO AS «MULTIDÕES» SE ATRASAM...

Como era previsível, o Irão volta a ser tema em destaque neste blog.
Melhor dizendo: o que é tema em destaque é a forma como os média dominantes têm vindo a tratar a situação iraniana, pois foi essa a matéria que abordei nos meus dois posts anteriores.

Sobre o regime iraniano, sobre Ahmadinejadi, as suas opiniões, as suas práticas políticas, escusado será dizer que não me merecem a menor simpatia, antes pelo contrário. E o mesmo digo sobre Mussavi, que é o homem dos EUA no Irão.
E já agora acrescento que nada me garante que não tenha havido fraudes nas eleições - tanto mais que, como sabe quem quer saber, são muito raros os países onde as eleições não são mais ou menos fraudulentas.

Aquilo para que tenho vindo a chamar a atenção é para a poderosa e despudorada operação mediática em curso, subvertendo a realidade, mentindo, mistificando, manipulando - e fazendo tudo isso, insisto, ao serviço dos interesses do imperialismo norte-americano, do Governo de Obama, que, escusado será dizer, não me merecem mais simpatia do que o regime iraniano e o seu chefe - e o mesmo digo do Sarkozy, da Merkhel, e etc.

Sobre a operação mediática:
No meu post anterior, deixei no ar a hipótese de, um dia destes, as «multidões» - de que os média falavam, equiparando-as às «manifestações de 1979» (apesar de nunca referirem mais de «dois mil manifestantes»...)- aparecerem finalmente.
É que eu tinha a sensação nítida de que, por efeito de qualquer «falha», os média se haviam adiantado às «multidões», começando a falar delas antes de elas existirem...
Ora, a leitura dos jornais de ontem e de hoje confirmou-me plenamente essa sensação, porque, de duas uma: ou as multidões», por qualquer «falha», se atrasaram atrasado, ou os média, por qulquer «falha», se adiantaram a anunciá-las...
Quer isto dizer que os acontecimentos que os média relataram no domingo e na segunda-feira... só ocorreram nos dias seguintes...
São estes média que nos informam...

Entretanto, e certamente com grande alívio para os média, as «multidões» chegaram, ou seja, o que estava previsto acontecer, aconteceu:
«estimativas da polícia» chegadas ao Público falam de «quase dois milhões de pessoas nas ruas»; «fontes policiais» disseram ao DN que «o número de manifestantes poderia ultrapassar o milhão e meio»; e «fontes da polícia» informaram o JN que «há meio milhão de pessoas na rua».
Outras «fontes» (ou as mesmas) disseram a todos os média que os apoiantes de Ahmadinejadi «também estão na rua», e que «são milhares», «muitos milhares» ou «dezenas de milhares»... E sublinham outra diferença: enquanto os contestatários são «jovens», «dinâmicos» e «cheios de entusiasmo» (mesmo quando pacificamente incendeiam autocarros e automóveis, e destroem tudo o que podem), os apoiantes de Ahmadinejadi, garantem as «fontes» ao Público, manifestam-se «sem entusiasmo, como se fossem robôs»...
En resumo, a manipulação continua.

Para além disso, as «preocupações» com a «violência» continuam a tirar o sono aos que, por vocação, sempre se «preocupam» com certas «violências» e nunca se «preocupam» com outras violências.
Há dias, o Público deu notícia das «preocupações» do vice-presidente dos EUA: o que, então, mais «preocupava» Joe Biden era «a forma como eles reprimem a multidão»...
Curiosamente, e a confirmar que isto anda tudo ligado, registe-se que quando Biden fez estas declarações, a «multidão» ainda não tinha chegado...
Ontem, foi a vez de Obama se pronunciar: «Como qualquer outro americano, fico extremamente impressionado quando a violência é utilizada para oprimir as vozes daqueles que pacificamente manifestam o seu descontentamento», disse o homem da «mudança» - e, impressionado, acrescentou: «eu e o resto do mundo partilhamos as maiores preocupações»...
O dono do mundo não diria melhor...

POEMA

POEMA


Cantaremos o desencontro:
o limiar e o linear perdidos

Cantaremos o desencontro:
a vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga


Sophia de Mello Breyner Andresen

A FARSA CONTINUA

Desculpem a insistência, mas é minha opinião que nunca é demais denunciar o papel desempenhado pelos média dominantes na desinformação organizada ao serviço dos interesses do grande capital.

Ontem, deixei aqui alguns exemplos da farsa informativa em torno das eleições iranianas.
Hoje, é necessário dizer que a farsa continua - e que, pela forma como está a decorrer, é bem possível que estejamos perante uma daquelas operações em que o imperialismo norte-americano e os seus vassalos são especialistas.
Senão, vejamos:
Numa primeira fase, os média espalharam a ideia de que Ahmadinejad ia ser derrotado. A ideia era fundamentada nos resultados de vária sondagens - e, certamente, no facto de Obama, numa atitude de inédito desaforo, ter feito apelo público ao voto na «mudança», isto é contra Ahmadinejad...

Contados os votos, e sendo clara a vitória de Ahmadinejad, os média espalharam a ideia de que as eleições foram (ou talvez tivessem sido...) fraudulentas - pelo que era mais do que legítimo contestá-las recorrendo a todos os métodos possíveis.

E lá surgiram, no momento próprio, os contestários: 2000 no cumprimento da democrática tarefa de «incendiar automóveis, autocarros e pneus; de gritar «morte ao ditador!» e de atirar pedras aos polícias». 2000: a «multidão» que, segundo os média, enchia as ruas de Teerão», num poderoso «levantamento popular»... - «brutalmente reprimidos à bastonada e com gases lacrimogénios» e impedidos, assim, de concretizar a tal democrática e incendiária tarefa...

E lá surgiram os iranianos professores em universidades dos EUA, entrevistados pelos média para dizerem coisas do género: «nunca duvidei de que Ahmadinejad venceria, mas não esperava uma tão avassaladora maioria», por isso - porque «não esperava»... - «este universo de eleitores só pode ter sido conseguido com fraude»...

E lá surgiram os inevitáveis chefes de Estado do costume, todos repetindo as «preocupações» do governo dos EUA em relação à «repressão» - «preocupações» que atormentam o vice-presidente Joe Biden, pobre do homem, que nem dorme a pensar «na forma como eles reprimem a liberdade de expressão, no modo como reprimem a multidão, na maneira como as pessoas são tratadas»...

E aí estão todos - governo dos EUA, chefes dos Estados vassalos, professores em universidades dos EUA... - a repetir, a repetir, a repetir, para que os média difundam que:
Teerão é, «até agora», a única cidade em que os contestários sairam às ruas...

Este «até agora», expressa um claro sentimento de frustração (de quem contava com contestatários em todas as cidades...) e uma esperança em que os contestários prometidos apareçam nas outras cidades....
Assim como quem diz, irritado: se tudo estava programado para que a contestação fosse generalizada e massiva, de forma a que a «mudança» acontecesse - como o Presidente Obama desejava - por que raio é que aparecem estes dois mil e em Teerão?...

Aguardemos para ver se a contestação generalizada e massiva acontece...
Ou - o que, bem vistas as coisas, é o mesmo - se o «mundo» responde ao lancinante apelo de Reza Pahlavi, filho do último Xá e exilado nos EUA: «Já é tempo de os meus compatriotas serem apoiados mundialmente no seu combate pela liberdade, pelos direitos humanos e pela democracia»....

CHE

Se fosse vivo, faria hoje 81 anos.
Se fosse vivo, continuaria a ocupar a primeira fila da luta contra «o inimigo número um da humanidade: o imperialismo norte-americano».
Se fosse vivo, continuaria a ocupar a primeira fila da luta por uma sociedade sem exploradores nem explorados.

Por isso, o seu exemplo é uma referência para milhões de homens, mulheres e jovens que, em todo o planeta, continuam a sua luta - até à vitória final.



CHE

Che, tu conheces tudo,
as voltas da Sierra,
a asma na erva fria,
a tribuna
as ondas da noite
até como se fazem
os frutos e os bois se jungem.

Não é que eu queira dar-te
caneta por pistola
mas o poeta és tu.

Miguel Barnet



ELEGIA DAS ÁGUAS NEGRAS PARA CHE GUEVARA

Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.

Pálidas vozes procuram-te na bruma;
de prado em prado procuram
um potro, a palmeira mais alta
sobre o lago, um barco talvez
ou o mel entornado da nossa alegria.

Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.

A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.

Cada palavra tua é um homem de pé,
cada palavra tua faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos contigo
no coração em redor do fogo.

Eugénio de Andrade

A BANDALHEIRA DO COSTUME

Obviamente, o «Ocidente» e os «média do Ocidente» não gostaram do resultado das eleições no Irão.
Por isso, à sua maneira, reagem como reagiram alguns apoiantes do candidato derrotado: indo para a rua incendiar e destruir tudo o que puderam...

Eis alguns títulos do Público e do Diário de Notícias:
«Teerão em fúria»; «Uma vaga de protestos»; «Contestação desce à rua»; «Motins nas ruas»; «As ruas de Teerão foram tomadas por protestos».
Pelas «reportagens» ficamos a saber que os manifestantes - «alguns milhares», segundo o DN - desceram à rua e «incendiaram pneus, motorizadas, caixotes do lixo», e atiraram «pedras contra os agentes».
E diz o Público que, «à hora a que estavam a ser anunciados os resultados oficiais, a polícia carregava sobre os mais de dois mil manifestantes - quase todos jovens - que tinham ocupado a Praça Vanak».
São evidentes as simpatias do DN e do Público pelos jovens incendiários, e o desejo e a esperança que têm em que aos dois mil se juntem mais, muitos mais, e façam... o que se espera deles...

Sobre a participação do eleitorado e os resultados, o pitoresco Público saiu-se com esta pérola analítica: «Umas eleições que foram as mais participadas de sempre, com uma taxa de 85 por cento, mas nas quais Ahmadinejad recolheu um pouco mais de 62 por cento dos votos»!!!
Sublinhe-se que o Público, sempre demonstrando a sua isenção, imparcialidade e seriedade informativas, quando se refere a Ahmadinajed designa-o, regra geral, por «o ultraconservador»...

E é também pelo Público que ficamos a saber que o que o New York Times e o Los Angeles Times dizem sobre o assunto - e o que dizem é, no essencial, o mesmo que o Público diz...
E, ainda pelo Público, ficamos a saber que os «especialistas do costume» - isto é, os propagandistas do imperialismo norte-americano - dizem que estão satisfeitos com os «motins», mas querem mais, muito mais... e que esperam mais, muito mais, porque «o potencial para a agitação é elevado»...

De resto, continua a informar o prestimoso Público, «o Ocidente está a acompanhar a situação».
Obama, no próprio dia das eleições e quando a votação estava em curso - disse:
«Nós tentámos fazer passar a mensagem de que as eleições são sempre uma possibilidade de mudança».
E, porque afinal não houve «mudança», a Clinton já veio dizer que «os EUA estão a seguir muito de perto os últimos desenvolvimentos no Irão»... («os último desenvolvimentos», ou seja: os motins... que, ao que parece, até agora não foram tão participados como se esperava - e como a «mudança» exigia...)

Quanto ao governo francês, diz que «tomou nota dos resultados anunciados e da contestação».
Quanto ao governo britânico, diz que «está a seguir com atenção a situação na capital iraniana».
Quanto ao governo do Canadá, diz que «está extremamente preocupado com a informação sobre irregulariadades e com os actos de intimidação que se lhe seguiram».
Três formas de dizer que, tal como a Clinton, estão a «seguir muito de perto os últimos desenvolvimentos»...
E prontos para o que for necessário e possível...
E criando as condições para fazer o que for necessário e possível - como se vê pela divulgação de uma sondagem de última hora que garante que «75% dos iranianos querem retomar as relações com os EUA»...

Enfim, a bandalheira do costume - com os perigos que, normalmente, a acompanham.

POEMA

VOSSOS NOMES


No chumbo, no terror, na morte, com sangue escrevo,
Alfredo e Catarina,
vossos nomes.

Na pedra, no ácido, neste branco muro escrevo,
Humberto e Militão,
vossos nomes.

Nas trevas, no medo, na raiz da aurora, escrevo,
Maria e Lourenço,
vossos nomes.

No sonho, nos ventos, na flor do trigo escrevo,
Pedro e Guilherme,
vossos nomes.

No aço das duras tarefas, no relâmpago escrevo,
Álvaro e Rui,
vossos nomes.

No amor, na cólera, na fome desta ave escrevo,
Virgínia e António,
vossos nomes.

No sol que levamos, na verde esperança escrevo,
Paula e Dinis,
vossos nomes.

No riso, nas lágrimas, no coração da pátria escrevo
e semeio
vossos nomes.

No ventre em flor da minha amada semeio, escrevo
e multiplico
vossos nomes.


Papiniano Carlos

O CHEFE É QUE MANDA!

Diz o Diário de Notícias de hoje que «Manuela Ferreira Leite volta a escolher as listas sozinha».
Assim é que é!
A chefe é que manda. Sozinha.
A chefe é que decide. Sozinha.
E viva a democracia interna do partido!

A notícia não surpreende. Aliás, aquele «volta a escolher» é por demais elucidativo do que a casa gasta - a confirmar que sempre assim foi no passado deste partido e sempre assim será no seu futuro.
E o mesmo pode dizer-se de todos os partidos burgueses - todos praticantes de uma «democracia interna» assente num férreo centralismo antidemocrático - nos quais às bases partidárias está distribuído o papel de espectadoras e... O CHEFE É QUE MANDA!.
Por isso os propagandistas da ideologia dominante lhes chamam «partidos democráticos»...

E é esse conceito de democracia partidária interna que leva esses mesmos propagandistas a classificar o PCP como partido «não democrático» ou «antidemocrático» - porque, no PCP, os militantes de base desempenham um papel crucial na definição das orientações do Partido e na aplicação dessas orientações; porque, no PCP, o centralismo é democrático; porque no PCP o colectivo é quem mais ordena; porque, no PCP, o funcionamento democrático interno é uma fonte de força essencial do Partido.

(Digam lá se passa pela cabeça de alguém ver num jornal uma notícia assim: «Jerónimo de Sousa escolhe as listas sozinho»? Absurdo, não é?
E digam lá em que outro partido é que isso seria absurdo?...)

POEMA

EPIGRAMA


Há só mar no meu País.
Não há terra que dê pão:
mata-me de fome
a doce ilusão
de frutos como o sol.

Uma onda, outra onda,
o ritmo das ondas me embalou.
Há só mar no meu País:
e é ele quem diz,
é ele quem sou.


Afonso Duarte

A GRANDE QUESTÃO

O futebolista Cristiano Ronaldo foi comprado pelo Real Madrid, onde ficará a ganhar 30 mil euros por dia (segundo o Público) ou 25 mil euros por dia (segundo o Diário de Notícias).
É evidente que esta diferença de cinco mil euros/dia é irrisória: para o caso, mais cinco mil menos cinco mil não aquenta nem arrefenta.
Todavia, essa diferença, esses mais (ou menos) cinco mil euros/dia de Ronaldo, adquirem uma nova significância se os compararmos, por exemplo, com os cinco mil euros/ano de grande parte dos portugueses...

A notícia da fabulosa compra ocupou, destacadamente, as primeiras páginas dos jornais de hoje, sagrando-se como a grande notícia do dia - com o Ronaldo, em grande plano, de dedo indicador no nariz, a mandá-los calar...
E presumo que assim tenha acontecido em toda a União Europeia - «somos europeus», não é verdade?...

O primeiro-ministro e o ministro do Desporto da Grã-Bretanha pronunciaram-se sobre o assunto: contristados, lamentaram a perda que é, para o Manchester, a saída de Ronaldo, mas, eufóricos, congratularam-se com o «bom negócio» feito pelo clube inglês, já que, como pragmaticamente registou o ministro do Desporto, o Manchester «vende Ronaldo por 80 milhões de libras, depois de o ter comprado por 12».
A Rainha, por enquanto, ainda não se pronunciou sobre a ocorrência.

Que eu saiba, José Sócrates também ainda não disse nada.
Nem o Presidente da República.
(consta que Francisco Louçã proferirá a todo o momento uma oração pública sobre o tema.)

O comprador - um tal Florentino Pérez, que é o «sexto homem mais rico de Espanha» e «presidente da maior construtora espanhola»... - está satisfeito com o negócio e vai comprar mais: segundo disse, tem 300 milhões de euros destinados à compra de futebolistas e, até agora, apenas gastou 163 milhões.


Posto isto, eis a grande questão que se me coloca:
Donde vêm e para onde vão tantos milhões de euros?

POEMA

O MINEIRO E O DIAMANTE


Mineiro pobre e viúvo.
De volta do turno da noite, ao descalçar as botas,
encontrou, em uma delas,
um pequeno diamante. Tão breve no tamanho
que alembrava a mais pequena das estrelas
na escuridão da noite.
Não se conteve. Chamou a filha.
E no azul dos olhos dela viu
o pequeno diamante mais crescido
que a estrela, que a estrela de alva.
De repente, mergulhou a cabeça entre as mãos
e pensou:
Entregá-lo à empresa das minas?
Não.

Ninguém devolve uma estrela. Sobretudo,
uma estrela que fugiu da Via-Láctea
e na bota de um mineiro se escondeu.


Luís Veiga Leitão

RAZÕES PARA ESTAR SATISFEITO

«Oposição aplaude Cavaco, Sócrates não vê ali recados»: eis o título de uma peça do Público sobre «apreciações ao discurso do Presidente».
Título manipulador, visto que, lida a notícia, constatamos que o Público ouviu, para além de Sócrates, Manuela Ferreira Leite e Diogo Feio - e é a estes que, manipulador, designa por «oposição».

É óbvio que o órgão da Sonae está farto de saber que PSD e CDS/PP não são oposição à política do Governo - pelo que, tratá-los como se fossem, é manipular conscientemente a realidade.
É óbvio que o órgão da Sonae está farto de saber que a política de direita - que há 33 anos consecutivos tem vindo a destruir a democracia de Abril e a instaurar a ditadura do grande capital - tem sido levada à prática, sempre, pelo PS e pelo PSD (sozinhos, de braço dado ou com o CDS/PP atrelado) - pelo que, fingindo que cada um destes partidos é alternativa ao outro, está a manipular conscientemente o eleitorado.
É óbvio que o órgão da Sonae está farto de saber que, para o seu patrão, o que interessa é que a política de direita prossiga; e tanto lhe faz que ela seja praticada por um governo PS como por um governo PSD (sozinhos ou com companhia) - pelo que, fingindo ignorar isso e mascarando-se de isento, imparcial e independente, está a insultar conscientemente a inteligência sos seus leitores.

Reconheça-se, no entanto, que - porque sabe que é para isso que foi criado e existe - o órgão da Sonae tem razões para estar satisfeito consigo próprio...

POEMA

QUEM ESCOLHE O CAMINHO DAS PEDRAS


Quem escolhe o caminho das pedras
foge à fascinação do fácil

Quem escolhe o caminho das pedras
sabe de cor a cor do sangue

Quem escolhe o caminho das pedras
nada quer para tudo ser

Quem escolhe o caminho das pedras
ama o amor na raiz do lume

Quem escolhe o caminho das pedras
equilibra-se nos fios da morte


Luís Veiga Leitão

CAVACO & BARRETO, SARL...

Nem de propósito: a primeira das quatro quadras de António Aleixo do meu último post, podia ter sido escrita ontem, em Santarém, após os discursos de Barreto & Cavaco:

«Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
Mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.»

De facto, a «crítica» de Cavaco aos «políticos» e o «conselho» de Barreto aos «portugueses», não passam de indecorosos «sermões», que assentam como luvas no «crítico» e no «conselheiro»...
Cavaco & Barreto pertencem, embora fingindo que não, aos «políticos» que ontem criticaram - e ambos integram, por direito próprio, o grupo de responsáveis pela situação a que Portugal chegou.

Olhando para a prática política de ambos, o que vemos é de fugir...
Um, enquanto primeiro-ministro e Presidente da República; outro, enquanto ministro e escriba ao serviço da política de direita, estão ligados aos mais brutais atentados à democracia de Abril: destruição da Reforma Agrária e das nacionalizações; entrega do poder político ao grande capital; desprezo pelos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos - enfim, por tudo o que está na origem daquilo que, ontem, criticaram, falando do alto de uma pretensa postura moral, e sacudindo a água dos respectivos capotes.
Hipócritas. Hipócritas. Hipócritas.

A hipocrisia esteve presente, também, na pretensa «homenagem» ao Capitão de Abril, Salgueiro Maia - a confirmar que Cavaco é um exemplo acabado desses políticos que critica, desses políticos que «pela forma como actuam no desempenho das suas funções», minam «a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas»...

Ah!, e houve as condecorações: 35 - homens e mulheres - 35! - quase todos escolhidos a dedo, e uns poucos escolhidos para disfarçar... isto para além de uma coisa inominável que, tendo como padrinhos Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e a CIA, diz ser UGT.
Não há dúvida: em matéria de condecorações, Cavaco é um daqueles exemplos que Barreto nos aconselha... e que, por isso e para fechar, está mesmo a pedir... António Aleixo outra vez:

«Condecoro o Presidente...
E sabem por que razões?...
- Por ter posto a tanta gente
tantas condecorações!»

POEMA

QUATRO QUADRAS


Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.

Negas a escola à criança
p'ra toda a vida ser cega...
e ter sempre confiança
em quem a vista lhe nega.

Quem trabalha e mata a fome
não come o pão de ninguém;
mas quem não trabalha e come,
come sempre o pão de alguém.

Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme.
Quando ele acordar, acaba.


António Aleixo

PR QUER ACABAR COM A FESTA

Nem mais: o Presidente da República quer acabar com a Festa do Avante!.
Vinda de quem vem, tal intenção não surpreende:
basta pensar na governação antidemocrática e antipatriótica de Cavaco nos dez anos em que foi primeiro-ministro.

O «argumento» utilizado por Cavaco para acabar com a Festa do Avante! tem raízes numa questão a que o Cravo de Abril já fez várias referências: o conceito de lucro.
Como estamos lembrados, aqui há tempos a Entidade das Contas e Financiamentos dos Partidos considerou a Festa do Avante! ilegal e enviou o seu parecer para o Tribunal Constitucional (TC).
A «ilegalidade» decorria do facto de o PCP considerar - vejam bem! - que o lucro da Festa é a diferença entre as receitas e as despesas, enquanto que a Entidade considerava - vejam bem! - que o lucro é as receitas...
O TC, sensatamente, não apenas não declarou a Festa ilegal, como considerou correcto o conceito de lucro do PCP e errado o conceito que a Entidade queria impor.
Recentemente, nas alterações à Lei do Financiamento dos Partidos aprovadas pela Assembleia da República, esse critério foi especificamente adoptado - daí o voto favorável do PCP.

Recorde-se, entretanto, a intensa campanha de mistificação posta em andamento nos média do grande capital. A campanha girava em torno de duas questões centrais dessas alterações: o aumento das subvenções do Estado aos partidos e o aumento dos limites para a angariação de fundos por parte dos partidos.
Recorde-se, ainda, que essa campanha de mistificação tinha como alvo preferencial o PCP, de tal forma que lendo os textos produzidos pelos comentadores de serviço, só podia concluir-se que o PCP vivia, e queria viver, à custa das subvenções do Estado - quando, como a verdade mostra, o PCP sempre esteve, e votou, contra o aumento das subvenções do Estado aos partidos.
Enfim a habitual chafurdice em que os média dominantes se sentem como peixes na água.

Agora foi, então, a vez de o Presidente da República dar a sua opinião.
E fê-lo vetando as alterações à Lei aprovada na Assembleia da República.
E entre as razões para o veto invocadas por Cavaco, lá está, uma vez mais o celebérrimo conceito de lucro.
Com efeito, Cavaco veta, entre outras razões, porque, nas alterações, «o limite da angariação de fundos passa a ter por referencial, não as receitas, mas a diferença entre receitas e despesas».
Ou seja: para Cavaco, o lucro da Festa do Avante! é a totalidade das receitas da Festa e não a diferença entre as receitas e as despesas.

Este Cavaco já deu abundantes provas de que não gosta da Democracia, abomina Abril e não tolera o PCP.
Juntando a Festa do Avante! aos seus ódios de estimação, Cavaco está apenas a ser igual a si próprio...

POEMA

ÁRVORE QUE NÃO CANSA


Sabes o que é a luta? Embora pises
areias ardendo e cimentos
aflorando pontas de lança?
- É a ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA
de dar folhas, frutos, rebentos,
com lanhos no tronco e nas raizes.

Luta em ti, fora de ti, na rua,
porque lutando
a ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA SERÁ TUA.

E enquanto a vida queira e possa,
lura sempre, porque lutando
a ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA será NOSSA!


Luís Veiga Leitão

O QUE OS PREOCUPA

Analistas, politólogos e outras aves de capoeira continuam a debruçar-se sobre a «derrota histórica do PCP» nas eleições de domingo.
Tal tarefa foi iniciada, como estamos lembrados, logo na noite das eleições, antes mesmo de serem conhecidos os resultados concretos da CDU... e, de então para cá, a ideia do «fracasso da CDU», da «meia derrota da CDU», etc., tem sido amplamente difundida em tudo quanto é média, de modo a assegurar que nenhum português fique sem a «informação».

E é espantoso como, após a divulgação dos dados oficiais, esse galináceos foram adaptando as suas prosas à, para eles, desagradável realidade que é o magnífico resultado eleitoral da CDU.
Ainda hoje, uma dessas luminárias, não podendo ocultar a subida da CDU, disparatava um texto significativamente intitulado «Ganhar perdendo», no qual considerava que «o crescimento da CDU teve um sabor amargo» - porquê?: porque «passou para 4ª força partidária»...
E é aqui - na passagem da CDU para 4ª força e do BE para 3ª - que eles mordem e mordem e mordem. Aparentemente sem se terem colocado a si próprios interrogações tão comezinhas como estas: o BE passou para 3ª força porque foi buscar votos à CDU?; ou: a CDU passou para 4ª força porque perdeu votos para o BE?
As respostas são óbvias.
E os resultados da CDU não deixam margem para dúvidas: comparativamente com as anteriores eleições para o Parlamento Europeu, a CDU subiu mais de 70 mil votos; cresceu 1,6 pontos percentuais; aumentou em 23% a sua massa eleitoral; aumentou o número de votos e a percentagem em todos os distritos e nas regiões autónomas; foi primeira força em três distritos (Beja, Évora e Setúbal) e em mais de três dezenas de concelhos, enfim, obteve os seus melhores resultados dos últimos quinze anos...

Ora, CDU mais forte significa lutas mais fortes...
E estou em crer que é isso que preocupa os analistas, politólogos e outras aves de capoeira - tudo gente cuja tarefa, certamente bem remunerada, é a de servir fielmente, caninamente, os interesses do grande capital.

POEMA

(Chama que nenhum vento apaga...)


A Revolução
parece às vezes que pára
ou que recua
tornando mais funda a escuridão
e a noite menos clara
- como se qualquer Mágica Mão
apagasse o sol dentro da lua.

Mas só os medrosos temem
que a viagem
para a Manhã do Renovo
com limpidez de sémen
termine
- antes que cheguem à paisagem
sonhada para o povo por Lenine.

Não. A nossa Revolução
ainda não acabou
nem tão cedo acaba
- como no alto mar
não gela nenhuma vaga
ao sol de Verão.

Não. A nossa Revolução
continuará,
chama que nenhum vento apaga
- enquanto no coração
dos rico-senhores
doer a ameaça
de os cavadores vermelhos
(o tojo inútil, os estevais, o rasto
das lebres e dos coelhos)
- guiados pelo malogro,
o asco
e a esperança
da sombra de fogo
da Voz do Vasco
colérica e doce.


José Gomes Ferreira

HOJE, DIA 8

Hoje, dia 8, como prometemos, continuamos a luta.
Hoje, dia 8, como desejámos, a luta é mais forte - porque somos mais fortes, porque nos fortalecemos com os votos que obtivemos.
Tudo isto a confirmar que a CDU avança com toda a confiança.
E esse é o dado mais relevante destas eleições, e certamente o que mais preocupa aqueles que tudo fizeram para impedir o reforço eleitoral da CDU - e que foram, ao fim e ao cabo, eles sim, grandes derrotados.
Na verdade, a CDU não apenas não foi derrotada como eles queriam, mas aumentou o número de votos e subiu em 1,5 pontos a sua percentagem, alcançando o seu melhor resultado dos últimos quinze anos.
Os «comentadores» de serviço nas televisões na noite de ontem (repararam que a RTP e a SIC, excluiram, cirurgicamente, representantes da CDU?...), salvo raras e circunstanciais excepções, primaram pelo desconchavo, pela toleima, pelo despautério, às vezes pela provocação soez - sendo de registar a deprimente figura dessa lastimável criatura que dá pelo nome de António Barreto - o qual, em total descompostura, de olhos demenciais a saltar-lhe das órbitas e de cabelos demencialmente desgrenhados, mais parece um possesso saído do romance de Dostoievski...

De resto, os resultados das eleições constituem uma flagrante condenação da política do Governo de Sócrates - com o PS, ao que parece, a perder votos para todos: PSD, BE, CDS/PP e CDU...
O que não significa que todos os votos que o PS perdeu venham a ser utilizados na luta contra a política de direita.
Bem pelo contrário: grande parte deles vão continuar a servir - por portas travessas... - essa mesma política.

O que é seguro e certo é que a CDU vai utilizar nessa luta todos os votos que obteve: os que já tinha mais os que, agora, se lhes juntaram.
O que é seguro e certo é que os mais de 70 mil novos votos ganhos pela CDU - os mais de 70 mil homens, mulheres e jovens que juntaram o seu ao nosso voto - constituem um poderoso reforço para as lutas futuras.

POEMA

A QUEIMADA


A erva daninha era o escalracho.
NÓS o arrancámos.
Depois botámos fogo à planície.
Nada houve tão necessário
desde o fundo dos tempos.
Cresceram chamas até aos astros
e o clamor da nossa voz
foi um cântico de certeza
na boca do vento.

Agora o nosso olhar possui a planície.
NÓS trazemos as águas,
NÓS trazemos o arado e as sementes
e suamos sangue:

Irmãos, a planície é nossa!


Papiniano Carlos