A VERDADE COMPLETA

«A troika vota PSD» - confidenciou Passos Coelho.
E é verdade.
Só que a troika também vota PS e CDS/PP... Ou seja, a troika vota na troika; ou, dizendo o mesmo mas com mais rigor: a troika ocupante vota na troika colaboracionista...
(Outra verdade é esta: em quem, seguramente, a troika não vota é na CDU.)

«Irei cumprir o acordo na íntegra» - prometeu Passos Coelho.
E é verdade.
Essa é mesmo a única promessa eleitoral que ele cumprirá - porque assinou e festejou o acordo com a troika e a troika não é para brincadeiras...
Por isso - quer ganhe quer perca as eleições, no Governo ou representando a farsa de «oposição» - Passos Coelho (o PSD) vai cumprir, submisso e satisfeito, a sua função de colaboracionista com a troika ocupante.

«Se o acordo não for cumprido podemos ter uma tragédia à grega»- alerta Passos Coelho.
(Faço minhas as palavras de Jerónimo de Sousa: «se o acordo for cumprido podemos ter é uma tragédia à portuguesa» - e está tudo dito.)

Por seu lado, Mário Soares está zangado.
Diz ele que, dos candidatos em presença, nenhum disse nada sobre «como iremos acordar no dia 6 de Junho e como nos confrontaremos com os problemas e os compromissos que nos esperam».
Está visto: para Soares, os candidatos da CDU - que todos os dias falam do dia 6 e da luta que é necessário levar por diante para fazer face aos graves problemas que nos esperam e para impedir a consumação do acordo de submissão assinado pela troika colaboracionista - para Soares, dizia eu, os candidatos da CDU não contam...

Diz ainda Soares que «eles» - obviamente os candidatos dele - apenas pensam em «ganhar», e atacam-se assim: diz um: «Tu é que foste o responsável pela crise e, por isso, és um irresponsável»; e responde o outro: «Não, tu é que és em absoluto irresponsável e, por isso, chegámos à crise em que estamos»...
Se quisesse dizer a verdade - coisa que nele é impossível de conceber... - Soares poderia dizer que ambos os candidatos dele estão cheios de razão, já que ambos lideram os partidos - PS e PSD - que são os grandes responsáveis pelo estado a que o País chegou...

E, já agora - e já que estamos a falar de responsáveis pela dramática situação em que o País se encontra - diga-se a verdade completa, dizendo a Soares:
Tu - enquanto chefe da contra-revolução de Abril, homem da mão da CIA e do imperialismo norte-americano, vendedor da independência e da soberania nacional aos grandes e poderosos da União Europeia, etc, etc, etc. - tu, é que és o principal responsável por tudo isto.

POEMA

(Saltimbancos.)


Ao som dum sol-e-dó
vão dois maltrapilhos
a ensinar os filhos
a dançar no pó.

Que pena esta gente sem pão
não ter
imaginação
para sofrer!


José Gomes Ferreira

VOTO, A QUANTO OBRIGAS!...

Ontem, os líderes dedicaram-se ao eleitorado do Porto - «do Norte» lhe chamam alguns...
E a ânsia de caça ao voto deu-lhes a inspiração necessária...

Assim, para Louçã, «esta campanha vai decidir-se no Norte» - provavelmente, em vez de «esta campanha» queria dizer «estas eleições»... mas lá ficou o que o líder queria que ficasse: o elogio ao «Norte», susceptível, pensa ele, de arrebanhar uns quantos votos de... agradecimento...

Por seu lado, Passos Coelho, jurou que o povo da «Afurada é pão, pão, queijo, queijo» - e lá no íntimo, o líder pedia a todos os santinhos para que nenhum dos presentes lhe atirasse qualquer coisa do género: contigo é hoje pão, amanhã queijo...

Quanto a Sócrates, o líder dos líderes, decretou que «não há povo como o do Porto».
E, dito isto, agora de duas uma: ou irá dizer o mesmo em, pelo menos todas as capitais de distrito onde se deslocar - o que poderá levar algum espectador atento a retorquir-lhe: seu aldrabão, já disse isso no Porto... - ou não repete o elogio, e corre o risco de alguém, em Braga, em Aveiro, em Coimbra, em Lisboa, etc, lhe gritar: põe os patins e vai para o Porto...

Entretanto, mais ao Centro, na Figueira da Foz, Portas passeou-se... «de cravo vermelho» - a confirmar o que já se sabia: que, neste líder, a desvergonha não tem limites.


Enquanto os líderes se atiravam ao voto como cão a coelho saído da toca, a campanha da CDU prosseguia por todo o País - nuns casos com a prata da casa, noutros casos com a participação de Jerónimo de Sousa e de outros dirigentes do PCP, do PEV e da ID.
Sempre apelando à reflexão e à inteligência dos eleitores; sempre lembrando as causas e os causadores da dramática situação existente; sempre lembrando, e demonstrando, que há uma alternativa à alternância que tem vindo a afundar o País; sempre acentuando que é ao eleitorado português - e não às troikas nacional e estrangeira - que compete decidir sobre o futuro de Portugal.
Foi assim, ontem, em Évora - onde o candidato João Oliveira alertou para outras modalidades de caça ao voto praticadas pelo PS: e contou o caso de um presidente de uma câmara do distrito que «chamou uma centena de trabalhadores precários para lhes prometer que seriam novamente chamados se votassem no PS»... e o caso do cabeça de lista do PS pelo distrito, Carlos Zorrinho (que também é secretário de Estado não sei de quê) que «inaugurou um call-center que já está a funcionar há cinco anos»...
Voto, a quanto obrigas!...

POEMA

(Ao porco que todo o dia e toda a noite
grunhe em forma de símbolo debaixo
do meu quarto, na casa da senhora Rosinha.)


Eh! vizinho porco
todo o dia de borco
a foçar na terra onde nasceu!
Ensine ao aldeão
a sua lição
de pensar menos no céu
e mais no chão.

(Na terra, camponês,
também há estrelas
que tu não vês...
Mas hás-de vê-las.)


José Gomes Ferreira

BASTA-LHE SER O QUE É

Pelo DN fiquei a saber, hoje, da existência de uma parelha de humoristas que dá pelo nome de Cão Azul e cujo ofício é criar, fazer e vender T-shirts - com «humor e rapidez a responder à realidade», seja lá isso o que for.
Pois bem, a convite do DN a referida parelha imaginou T-shirts para José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã - partindo dssta ideia-base (não sei se da parelha, se do DN): «diz-me que T-shirt usas e dir-te-ei o que pensas».

Olhando para as cinco T-shirts - fruto do humor e da rapidez a responder à realidade por parte da parelha... - há que registar que se ali houve humor ele foi tão fugidio que já lá não está e quanto a rapidez em responder à realidade, nem rasto ficou...
Ficou - isso sim - esta outra ideia-base: diz-me que humor usas e dir-te-ei o que pensas...

E o que é que, essencialmente, os dois humoristas pensam?: pensam o que lhes disseram para pensar: nada, por um lado; o que lhes dizem que devem pensar, por outro lado; e, finalmente e essencialmente, pensam anticomunismo, pois claro: anticomunismo primário, estúpido, repetitivo, recorrente, velho, velho, velho... (e que utilizado em tempo de campanha eleitoral só pode ter como objectivo tentar que os eleitores não votem CDU...)

Foi assim que, certamente após um esforço meníngico sobre-humano; certamente apelando a todos os seus recursos humorísticos e numa resposta rápida à realidade, a parelha imaginou para Jerónimo de Sousa uma T-shirt onde o tema é... a Coreia do Norte!!!!...
Fraca imaginação a destes humoristas!... Com a agravante de tal imaginação nem ser deles...
Mesmo assim, e em ultima análise, a opção por este tema seria aceitável se os humoristas adoptassem o mesmo critério para os restantes políticos, isto é, se imaginassem, por exemplo, para Sócrates, Passos e Portas, T-shirts alusivas aos bombardeamentos ordenados pelas famílias políticas desses políticos sobre o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão, a Líbia, etc, etc - e às centenas de milhares de mortos daí decorrentes...
Mas a «realidade» da parelha é outra...

Acresce que a imaginação humorística da parelha não se fica por aí.
A dada altura, um dos dois - a arrotar criatividade humorística por tudo quanto é sítio e atentíssimo à realidade... - reportando-se à dificuldade que é, segundo ele, «vestir» Jerónimo de Sousa, diz que «o discurso do PCP é sempre igual»...
Isto é: diz o que leu, ouviu e viu nos jornais, nas rádios, nas televisões - mostrando que não leu nem ouviu o que escrevem e dizem os comunistas sobre a situação no País no mundo.
Também neste caso, à frase-feita sobre o «discurso sempre igual do PCP», os humoristas deveriam interrogar-se sobre se os discursos dos outros partidos - PS, PSD, CDS e BE - não são sempre iguais; se são todos os dias diferentes, novos e renovados... - e se assim é, digam lá o que é que distingue o discurso actual desses partidos do discurso que faziam há dez, vinte, trinta anos...

Mas isso seria exigir muito à parelha: pensar, reflectir, inteligenciar são categorias que não cabem no seu processo de criação humorística.
Aliás, esta parelha não precisa de humor para ser humorista.
Nem precisa de conhecer a realidade para «responder à realidade».
Basta-lhe ser o que é.

POEMA

(A um morto soviético.)


A ave da morte
cantou numa bala
e o homem tombou
no silêncio de trapos...

Eh! morto: não fiques aí
deitado de costas
à espera que o céu
te caia nos olhos!

Volta-te e olha para a terra
- a carne da tua sombra
de flores acesa.

Céu para quê?

O céu é para os que esperam
e tu morreste por uma certeza.


José Gomes Ferreira

O LÍDER E O COLECTIVO

O líder é... o LÍDER: é o manda chuva, é o chefe, é o patrão, é o boss...
Enquanto tal, o líder tem plenos e absolutos poderes: o líder, ele e só ele, decide sobre tudo.
Para o líder o colectivo não existe: é coisa ruim, perigosa, mesmo, porque põe em causa as capacidades e valências do líder (que devem ser incontestáveis e incontestadas) e porque... é coisa de comunas...
No partido que lidera, o líder escolhe os dirigentes que vão servir a sua liderança; escolhe os candidatos a deputados - os que, previsivelmente, vão ser eleitos, como é óbvio - e, em todas as matérias, decreta, manda publicar e ordena que se faça.
Se o partido é governo - e é para isso, exclusivamente para isso, que o partido existe - o líder escolhe o elenco governamental, define a política governamental: enfim, lidera.
É O LÍDER! - e está tudo dito.

Por isso, se perde as eleições, perde tudo - e ai dele, ai do líder!
É disso que os jornais têm falado nos últimos dias...

De Sócrates, há quem diga que, «se perder» tem que seguir o exemplo das grandes figuras da internacional família, digamos assim, socialista, ou seja, demitir-se - «como fizeram Mário Soares, Filipe Gonzalez, Gerhard Schroder»...
(Guterres, como estamos lembrados, preferiu fugir antes de ser derrotado)

Também no PSD, diz a tradição que«líder derrotado não tem hipótese de segunda oportunidade» - logo, Passos Coelho ou ganha e fica, ou perde e vai à vida.
(E até o BE - diz o Director do DN - «a confirmarem-se os resultados das sondagens (...) vai entrar num processo de debate político»...)

É assim a vida do líder e dos partidos onde o líder é TUDO - mas onde os resultados eleitorais são MAIS QUE TUDO...



Já no PCP, as coisas são diferentes: se os resultados são positivos, o mérito é do colectivo; se são negativos, é o mesmo colectivo que assume as responsabilidades.

Porquê?
Porque tudo foi decidido e levado à prática colectivamente.

Porque a actividade do colectivo não se esgota nas eleições, bem pelo contrário, elas são vistas e encaradas como uma vertente da luta de massas - essa sim, a principal e a decisiva forma de intervenção do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores.
Porque, sejam quais forem os resultados de um acto eleitoral, para os comunistas, no dia seguinte, A LUTA CONTINUA: nas empresas e locais de trabalho, nas localidades, nos campos, nas escolas...

Tudo isto porque no PCP o colectivo é quem mais ordena.

POEMA

(À Eterna Criança que me persegue a pedir esmola.
Grito de cólera.)


Ouve, Não-sei-quem:

recuso-me a viver
num mundo assim de lua podre
disfarçado de flores
com repetições de esqueletos
e a Eterna Voz Faminta
aqui na minha frente
- pálida de existir!

Ouve, Não-sei-quem:

e se, depois de tudo isto,
ainda há céu e inferno
ou outra sombra intermédia,
recuso-me terminantemente a morrer
e a entrar nessa comédia!


José Gomes Ferreira

A QUESTÃO MAIOR

Estamos a pouco mais de uma semana das eleições.
A campanha tem sido a pouca vergonha habitual, talvez ainda mais desavergonhada desta vez por força das circunstâncias...
Com efeito, os partidos da política de direita - que, no poder há 35 anos, fizeram chegar o País à dramática situação actual - desunham-se a «demonstrar» que não têm nada a ver com isso...
E, com o tradicional apoio dos média dominantes, preparam-se para prosseguir a política de afundamento nacional - agora com a preciosa «ajuda» da troika ocupante.

Entretanto,
«319 000 matam a fome no Banco Alimentar»; e
«Salários em atraso duplicaram» - dizem dois títulos num jornal de hoje.

Mas estes não serão temas de campanha eleitoral: não convém que se fale em tais coisas, não vá alguém perguntar por que é que, e como é que, após 35 anos de governos PS/PSD/CDS, se chegou a isto...
E para evitar que alguém caia na tentação de pegar no tema, aí está outro título a redireccionar o «debate»: «Campanha tropeça no tema do aborto»...
É claro que o título está de patas para o ar - na verdade não foi a campanha que tropeçou no tema: foi o tema que abalroou a campanha...
Com objectivos fáceis de perceber...

Quer isto dizer que nos próximos dias, Sócrates e Passos travarão assanhados duelos de saliva em torno desse tema, assim se livrando de terem que discutir outras questões - especialmente aquela que é, de facto, a questão maior: a das responsabilidades de cada um, e de ambos, na situação do País.

POEMA

(Um jovem comunista, recém-saído da cadeia,
procurou-me para me dizer: «vou para Espanha
bater-me ao lado dos republicanos».)


Adeus!

Tu que arrancaste da treva dos dias e das noites
o sol subterrâneo das flores ocultas nas raízes.
Tu que nunca viste o luar completar os olhos das mulheres
- e a tua mãe só te beijava em fotografia.

Tu que vais morrer pelos outros com vinte anos de desdém ardente
e o futuro nunca saberá o teu nome para maior glória.
Tu que vais conhecer finalmente a verdadeira morte: a nossa.
Não a vida covarde atirada para as nuvens,
mas sombra sem frestas,
frio sem portas...

Tu: adeus!

Morre orgulhosamente
o teu destino de relâmpago
que afoga nos abismos
o eco longo
do silêncio das águias.


José Gomes Ferreira

POETA MILITANTE - POETA CAMARADA (2)

«... A certa altura sou portanto considerado por toda a gente como comunista filiado. Não estava, mas todos achavam que estava, que devia estar. Alguns até talvez preferissem que eu continuasse nesta situação, que era a mais cómoda, que era talvez a melhor para o Partido. Para o Partido Comunista não sei se terá muita importância ter muitos "nomes"...
Eu sou um homem moral e, embora nunca fosse "seareiro", fui educado pela Seara Nova, não devem esquecer isso. Os homens morais são os mais importantes para mim. Daí a minha veneração pelo Vasco Gonçalves, um homem que leu com certeza a Seara Nova, um "seareiro" pela certa.

E então perguntavam-me: "Quando é que aderes ao Partido?".
E eu respondia: "Ainda não chegou o momento".
De qualquer maneira, comecei a aparecer mais depois do 25 de Novembro, numa época de baixa para o Partido, quando eu e outros escritores fomos expulsos do Monte Carlo, a nossa grande "honra", o nosso grande "feito", porque fomos mesmo expulsos do Monte Carlo por aquela malta, pá, uma malta sem biografia e que nem a queria ter.
Até que uma noite acordei com este pesadelo: mas eu estou a ter todas as pequeninas vantagens de ser comunista sem ter as respectivas desvantagens... não está certo. Quem me garante que o fascismo não volta a Portugal e os comunistas não começam de um momento para o outro a ser de novo presos como já foram tantas vezes? E eu, nessa altura, que farei?
Direi a "verdade", não? Uma "verdade" que me fará doer a boca porque sabe a mentira: "mas eu nunca pertenci ao Partido, nunca fui do Partido...".
Isso magoou-me e passei o resto da noite sem dormir.
Tenho de ter as desvantagens - pensava eu.

Então fui procurar um amigo que conhecia desde miúdo e agora é um homem que acho admirável, neste momento mais do que nunca: o Aboim Inglês.
Fui procurá-lo na Soeiro Pereira Gomes.
"Ele está?"
"Está, está" (tem piada, porque estão sempre visíveis).
O Aboim Inglês apareceu, deu-me um grande abraço, e eu disse-lhe:

"Aboim Inglês venho cá perguntar se o Partido quer dar-me a honra de me receber nas suas fileiras».
Ele respondeu:
"Mas ó Zé Gomes, você pode perguntar uma coisa dessas? Evidentemente que sim!".
Depois começámos a conversar e ele teve uma frase espantosa, em resposta a uma certa explicação que lhe dei: "Durante o fascismo, sempre me acompanhou um pouco o remorso de estar sempre de acordo com vocês e nunca ter seguido o que alguns dos outros fizeram: trabalhar na clandestinidade...".
Então o Aboim Inglês teve esta resposta extraordinária:
"Mas lá vem o Zé Gomes com isso... Vocês foram muito mais valentes do que nós!".
Confesso que nem respondi, espantado de ouvir um Aboim Inglês, que esteve dez anos preso, dez anos de juventude perdida numa cela, dizer-me: "Vocês combatiam a descoberto!, Vocês nunca se escondiam, toda a polícia sabia quem vocês eram, e, no entanto, assinavam papéis, havia o Avante! para certas classes mas vocês apareciam com papéis e assinavam-nos, trabalharam a descoberto, sem máscara, frente a frente!"
Esta resposta desarmou-me por completo. E comecei a pensar nos que foram para a cadeia e nos que morreram...

A história da minha adesão ao Partido é esta.
É uma posição moral, corresponde exactamente ao que eu penso e sinto.
Hoje sou um militante do PCP.

Devo dizer-lhe que antes me tinha informado das condições de admissão no Partido e do seu funcionamento, onde existe a maior liberdade possível.
O Partido é de facto democrático e trabalha para o povo, pelo povo e com o povo.»


«Pergunta: "Concretamente como se traduz a sua adesão ao PCP?".

José Gomes Ferreira: "Pertenço à célula dos escritores onde faço o que posso, quero, desejo e concordo.
Tenho oitenta anos e poupam-me certas coisas.
Não me vão dizer:"Rapaz, é preciso ir colar cartazes!".
Mas se mo dissessem eu até iria"».



POETA CAMARADA: COM A TUA POESIA, A NOSSA LUTA CONTINUA.
ATÉ À VITÓRIA FINAL!

POEMA

UMA CERTA MANEIRA DE CANTAR


Nunca ouvi um alentejano cantar sozinho
com egoísmo de fonte.

Quando sente voos na garganta
desce ao caminho
da solidão do monte
e canta
em coro com a família do vizinho.

Não me parece pois necessária
outra razão
- ou desejo
de arrancar o sol do chão -
para explicar
a reforma agrária
no Alentejo.

É apenas uma certa maneira de cantar.


José Gomes Ferreira

POETA MILITANTE - POETA CAMARADA (1)

Numa arrumação de papéis - operação chata mas regra geral de grande utilidade... - veio-me parar às mãos um recorte do semanário O Jornal de 12 de Junho de 1980, com uma entrevista de Augusto Abelaira e Fernando Assis Pacheco ao Poeta José Gomes Ferreira.
Por essa altura, 1980, o Poeta Militante, então com 80 anos de idade, tinha decidido aderir ao PCP e, naturalmente, foi-lhe perguntado «o que é que explica a sua adesão, com 80 anos, ao Partido Comunista?»
Aqui fica a primeira parte da resposta do Poeta Camarada - o resto... fica para amanhã.

«Explico isso muito facilmente. Primeiro: marca a Revolução de Outubro, que foi de uma importância muito grande para mim. Segundo: a Revolução foi sempre para mim um sonho, um desejo ardente, jacobino, foi sempre a minha ideia fixa, o meu misticismo foi sempre o da Revolução. E isso sente-se um pouco em todas as minhas coisas escritas, embora muitas vezes de modo não explícito, mas quem quisesse dar-se a esse trabalho... trabalho, enfim, que não vale a pena fazer. Aconteceu comigo o que aconteceu com outros, até na URSS durante a Revolução de Outubro: e fui conquistado pelo único partido da fraternidade, da liberdade popular, da justiça democrática e da ordem.
Quando ia a um comício, sempre me agradaram os comícios, mas os que mais me impressionavam eram os do PCP, onde os homens me pareciam mais fraternos e entusiastas.
Parece-me que foi o Zé Gomes, o poeta Zé Gomes, que no tempo da fascismo escreveu qualquer coisa parecida: «os homens em multidão são melhores do que são»...
No tempo do fascismo não havia «independentes», mas «simpatizantes, militantes e clandestinos». Bem. Com o desenrolar dos acontecimentos, e com esta divisão que houve, eu, que até tinha qualquer coisa de anarquista herdada dos tempos d'A Batalha e do anarco-sindicalismo (porque o Partido Comunista Português, é preciso não esquecer, é um dos poucos partidos da Europa fundado, digamos assim, por anarquistas, e daí esta estranha coisa de o PCP me parecer diferente dos outros partidos comunistas, com o seu perfil especial de liberdade autodisciplinada) vi que à minha volta as pessoas começaram a julgar-me comunista.
Em 25 de Abril porém, era presidente da Associação Portuguesa de Escritores, e nessa altura atirei-me como ninguém para os jornais, lancei-me na primeira página do Diário de Notícias, na Vida Mundial, no Século, escrevia outro género de crónicas, mais ligadas ao passado, como uma espécie de um contraponto aos que expunham o seu esquerdismo, e de repente comecei a sentir à minha volta que todos me julgam comunista e que sou comunista, eu mesmo começo a sentir-me comunista sem saber como.
Reparo de facto que estou sempre ao lado do Partido Comunista e começo a ser sincero comigo o que é muito importante. Uma pessoa tem de ser sincera consigo própria. Um poeta não pode ser mentiroso, já lá dizia o meu amigo Manuel Ribeiro de Pavia: "um poeta nunca é um mentiroso, fulano de tal é um mentiroso, fulano de tal não é um poeta, é um mentiroso".
... No entanto quando alguém me convidou a entrar para o Partido, lembrei-me que era presidente da Associação Portuguesa de Escritores, e respondi: "Bem vês, sou aqui presidente, temos sócios de muitas tendências, é preciso manter a unidade".
Compreenderam imediatamente. "Unidade" é uma palavra mágica no meu Partido.
Depois comecei a ir regularmente a comícios e a descobrir certas coisas que não via noutros sítios. Pequeninas coisas que me impressionaram, do povo sobretudo. Em certas camadas camponesas, ou de origem camponesa, notavam-se sentimentos que eram como se elas tivessem lido o "Manifesto Comunista" do Marx e do Engels quando diz que é preciso manter o que houve e há de bom nas classes anteriores - a cortesia, a qualidade, por exemplo, eu acho que tudo isso se deve conservar, embora actualizado. O que não quer dizer que não exista gente de todas as espécies nas massas do Partido Comunista, não estou aqui a fazer qualquer apologia.
Uma vez entro no Pavilhão dos Desportos, muitas palmas, muita palmas, e diz-me o Rosa Coutinho: "então você não agradece?". Realizava-se uma grande reunião de sindicalistas. "O quê?", digo eu, "As palmas!, as palmas são para si"...
Quer dizer, todo o Pavilhão dos Desportos a aplaudir-me... Eu era maior do que eu, naquela altura! »

POEMA

(UM MOMENTO DE FILOSOFIA BARATA)

Para além do «ser ou não ser» dos problemas ocos,
o que importa é isto:
- Penso nos outros.
Logo existo.



(ARTE POÉTICA)

Liberdade
é também vontade.

Benditas roseiras
que em vez de rosas
dão nuvens e bandeiras.


(XLII)

E se eu se súbito gritasse
nesta voz de lágrimas sem face:

Eh! companheiros da plataforma
presos ao apagar do mesmo pavio!
Porque não nos amamos uns aos outros
e damos as mãos
- sim, as nossas mãos
onde apodrecem aranhas de bafio?

Eh! companheiros da plataforma!
(Não empurrem, Irmãos.)


José Gomes Ferreira
(três poemas de Eléctrico)

ISTO ANDA TUDO LIGADO

De há uns dias para cá, o BE e a vasta corte de directores, chefes de redacção, jornalistas, comentadores, analistas & outros artistas que, enquanto exímios praticantes na arte da desinformação organizada, dão cartas nos média dominantes, apropriaram-se abusivamente da ideia da renegociação da dívida e estão a fazer dela bandeira de despudorada caça ao voto. No BE, obviamente.

Dizia o DN de ontem, numa peça de activa propaganda à campanha dos bloquistas:
«O BE insiste na dívida e acena aos indecisos - Louçã foi o primeiro a afirmar que a renegociação da dívida é inevitável. Começa agora a capitalizar apoios à sua tese».

Lendo a referida peça propagandística, uma pergunta se impõe:
quais as razoes que levam um órgão da comunicação dominante a tratar o BE nas palminhas das mãos?...
(é que, lendo depois, no mesmo DN, a prosa dedicada à campanha da CDU - onde tudo é uma desgraça, tudo é mau, tudo é negativo... - nenhuma pergunta se impõe e nenhuma dúvida surge: sendo o referido jornal propriedade de quem tem tudo a ganhar com a prossecução da política de direita, ele trata com os pés os que sempre se bateram contra essa política e lhe contrapõem uma política patriótica e de esquerda...)

Voltando à paternidade da proposta da renegociação da dívida: estes piratas, todos, fingem não saber que foi o PCP que colocou essa questão em primeiro lugar e que só umas boas duas semanas depois é que o BE - no habitual cumprimento do papel daqueles pássaros preguiçosos que põem os ovos nos ninhos dos outros - agarrou a ideia...
Que, agora, fez sua... - com o apoio e a benção da generalidade dos média dominantes, propriedade dos grandes grupos económicos e financeiros.

Estou em crer que, como já várias vezes aqui escrevi, isto anda tudo ligado.

POEMA

BANDEIRINHAS


Parei a olhar o mapa da guerra; tinham-no afixado
na frontaria dos escritórios do jornal.
Bandeirinhas - vermelhas e amarelas bandeirinhas,
azuis e pretas bandeirinhas - são deslocadas para trás
e para diante sobre o mapa.
Um rapaz sorridente, cheio de sardas,
sobe a escada, atira uma piada
a alguém que está entre a multidão,
depois espeta uma bandeirinha amarela
uma polegada para oeste
e atrás da amarela espeta uma preta, uma polegada para oeste.

(Dez mil rapazes contorcem-se num lago de sangue
à margem de um rio,
feridos, em convulsões, implorando água,
alguns já no estertor da morte).

Quem perguntará a si mesmo
quanto custou deslocar uma polegada
duas bandeirinhas aqui, no mapa da guerra,
na frontaria do jornal,
onde um jovem sardento nos sorri?


Carl Sandburg

O NOVO FUHRER

Obama diz que, se necessário - concretamente: «se algum dirigente talibã for localizado no Paquistão» - ordenará uma operação semelhante à que levou ao
assassinato de Bin Laden, ou seja: à revelia do conhecimento e da autorização dos governantes paquistaneses.

É o novo fuhrer a falar, que é como quem diz, a ordenar, a ameaçar - como se fosse o dono do mundo, o Chefe ao qual todos devem obedecer sem hesitações... se não, já sabem o que vos acontece...
Mas é um fuhrer mais perigoso do que o dos anos 30/40: porque, estando ambos empatados em matéria de instintos sanguinários e ausência de escrúpulos e de respeito pelos direitos humanos, Obama dispõe de meios muito mais poderosos e, ao contrário da Alemanha nazi - que era contestada ou combatida pela maioria dos países do Planeta - o imperialismo norte-americano tem o apoio servil da maioria dos países...

Na entrevista em que proferiu as declarações acima referidas, Obama fez questão de afirmar que «temos muito respeito pela soberania do Paquistão» - acrescentando de imediato: «mas o nosso trabalho é garantir a segurança dos EUA»

Como se vê, também em hipocrisia o novo fuhrer pede meças ao antigo...

POEMA

CANÇÃO BURGUESA


Consolo e delícia
da vida burguesa...

Sete horas em ponto
o jantar na mesa;
café bem quentinho,
conversa tranquila,
e um lençol de linho
esperando o seu dono
para um belo sono...
(Que bom não ter sonhos,
dormir sossegado!)
Já estou acordado,
já salto da cama,
- Maria, Maria,
traga os meus chinelos,
traga o meu pijama...
A alma lavada,
o corpo limpinho,
- Bom dia, vizinha!
- Bom dia, vizinho!

Consolo e delícia
da vida burguesa...
Se isto continua,
morro, com certeza!


Raul de Carvalho

TENHO DITO

A Igreja Católica anda em intensa actividade beato-santificadora.
Senhores!, o que para aí vai de beatos, beatas, santos e santas!
E diga-se em abono da verdade que Portugal está muito bem posicionado no ranking dos países mais beatificados e santificados - assim estivéssemos em matéria de bem-estar dos trabalhadores e do povo, de independência e soberania nacional, etc., etc., etc.

Vem isto a propósito do magno acontecimento ontem ocorrido no Estádio do Restelo, onde, perante uma assistência de oito mil pessoas, nasceu mais uma beata portuguesa: Libânia do Carmo era o seu nome de pia; e Irmã Maria Clara do Menino Jesus, era o seu nome enquanto Venerável Serva de Deus - nasceu na Amadora (então Porcalhota) em 1843 e faleceu em Lisboa, em 1899.

É sabido que a beatificação decorre da existência de um milagre envolvendo a, ou o, beato, e certificado por quem de direito na Igreja Católica.
Foi assim, como estamos lembrados, com Nuno Álvares Pereira - que salvou da cegueira uma senhora que, a fritar carapaus, deixou saltar azeite para os olhos; e foi assim, como recentemente soubemos, com João Paulo II - cuja invocação do nome e da figura por uma freira francesa curou a dita freira de uma incurável doença de Alzheimer.

E que milagre proporcionou a beatificação da Irmã Maria Clara do Menino Jesus?
Foi assim: uma senhora espanhola, de seu nome Georgina Monteagudo, sofria de uma doença de pele - presumo que também incurável; um dia resolveu rezar à Irmã Maria Clara; rezou, e pronto: ficou curada da doença de pele.
Para sempre.
De tal modo que o Papa Bento XVI não hesitou em considerar tratar-se de milagre a exigir beatificação.

E assim se fez, ontem, de acordo com o minucioso relato produzido pelo incansável Diário de Notícias - que, em manchete de primeira página, nos fornece uma outra não menos relevante informação, a saber: «Maria Cavaco Silva assistiu à beatificação de Maria Clara». E a confirmar que assim foi mostra uma fotografia da dita Maria, de óculos escuros e abanar-se com um leque - informando, na noticia, que «a primeira-dama, católica devota (...) enfrentou o calor abrasador mas assistiu (à cerimónia) até ao fim».
Perante isto, pergunto-me se a épica resistência da primeira-dama ao calor abrasador não é susceptível, também, de ser incluída na categoria dos milagres - daqueles milagres que conduzem à beatificação... Vamos pensar nisso, sim?

Cumpre esclarecer que não tenho nada contra milagres: venham eles!, e quantos mais, melhor, que bem precisados estamos, tantos e tamanhos - e de tão difícil superação terrena - são os males que, aqui em Portugal, nos afligem e que, no Mundo, afligem a Humanidade.
Só que, a meu ver, estes beatificadores milagres de que vamos tendo conhecimento revelam uma má utilização - direi mesmo: uma irresponsável e criminosa utilização - das omnipotentes faculdades divinas - para as quais (aqui fica apenas um exemplo) seria uma brincadeira de crianças fazer o supremo milagre de acabar com a fome: a fome que, em cada três segundos, mata uma criança no nosso Planeta.

Serve todo este longo texto - e particularmente este último exemplo - para vos dizer que... não acredito em milagres...
Tenho dito.

POEMA

AMOSTRA SEM VALOR


Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


António Gedeão

ISTO ANDA TUDO LIGADO...

O presidente da Confederação Empresarial Portuguesa (CIP) diz que é necessário que os trabalhadores tenham menos dias de férias e mais horas de trabalho - e, certamente, salários mais baixos, despedimentos mais fáceis e todas essas coisas a que os comentadores de serviço nos média do grande capital chamam de «modernidade» e «inevitabilidade»...
O presidente da CIP sabe que, para concretizar o seu objectivo, conta com todo o apoio do governo: do actual e, como tudo parece indicar, do próximo - seja ele PS; ou PSD; ou dos dois de braço dado; ou de qualquer um deles com o CDS atrelado.
Os trabalhadores sabem que, para se defenderem de mais esta ofensiva, contam consigo próprios, com a sua luta, e com o apoio das forças que, hoje como sempre, ocupam a primeira dila da luta pela defesa dos interesses e direitos de que trabalha e vive do seu trabalho: no plano social, a CGTP-IN; no plano político, o PCP.
Nós todos sabemos que a luta vai ser dura; que ela se trava nas empresas e locais de trabalho, nas ruas, nas escolas, nos campos, nas localidades.
E é preciso que todos saibamos que no dia 5 de Junho, a arma de luta a utilizar é o voto - e que o voto deve ser dado a quem o merece.

Diz o jornal que o «número de pensões douradas do Estado aumentou 400% na última década».
Assim: o número de aposentados com pensões superiores a 2 500 euros aumentou sete vezes desde 2000, enquanto o contingente de aposentados com 4 000 euros ou mais aumentou, no mesmo período, quase cinco vezes.
Não tenho nada contra pensões altas - mas tenho muito contra as pensões baixas.
E a propósito, recorde-se que há cerca de 1 milhão e 900 mil reformados que recebem uma pensão média de 369, 29 euros - e que o pacto que a troika indígena assinou com a troika estrangeira vem trazer, entre outras «prendas, o congelamento e corte nos valores das pensões; mais cortes nos apoios sociais; agravamentos nos custos da saúde (taxas moderadoras, medicamentos e transportes); aumento do IVA e do IRS, etc.
Também neste caso, os resultados das eleições de 5 de Junho são decisivos na medida em que decidem se as injustiças das troikas vão continuar ou se o voto irá dar mais força aos que se batem contra essas injustiças e contra essas troikas - e estes quase 2 milhões de reformados e pensionistas devem pensar bem... em si próprios, nos seus interesses pessoais, nas suas vidas, na injustiça de que são vítimas... e votar em si próprios, nos seus interesses, contra a injustiça de que são vítimas... votar CDU.


Ontem falei-vos dos jornalistas hondurenhos assassinados pela repressão fascista -e do silêncio absoluto sobre o assunto por parte dos média e jornalistas portugueses.
Hoje falo-vos do destaque especial dado por esse mesmos média dominantes ao caso do fotojornalista espanhol, Manu Brabo, que esteve «sequestrado na Líbia, durante mês e meio, pelos fiéis ao regime de Kadhafi».
Pelas notícias ficamos a saber, ao pormenor, «os dias de cativeiro» do fotojornalista que anteontem regressou a casa - após ter sido julgado por um tribunal administrativo de Tripoli - e «condenado a um ano de prisão com pena suspensa e uma multa de 150 euros por entrada ilegal no país».
No aeroporto tinha à sua espera «uma vasta multidão composta por familiares, amigos e jornalistas que estavam ansiosos pela sua chegada».
Nada tenho contra a solidariedade dos média para com o fotojornalista espanhol, antes pelo contrário - mas tenho tudo contra a ausência absoluta de solidariedade desses mesmos média para com os jornalistas assassinados nas Honduras.
E também neste caso, os resultados das eleições de 5 de Junho têm alguma coisa a dizer... porque, como muito bem sabemos, meus amigos, isto anda tudo ligado...

POEMA

ACENDA-SE NA NOITE...


Acenda-se na noite o facho silencioso.
Enquanto sobre a terra impere a iniquidade,
ninguém poderá ser inteiramente livre.


Armindo Rodrigues

BANDALHOS

Mais um jornalista foi assassinado nas Honduras.
Chamava-se Hector Polanco e tinha denunciado negócios escuros envolvendo políticos e agrário de São Pedro de Sula.

Hector Polanco é mais uma vítima da brutal repressão que se instalou nas Honduras após o golpe militar, concebido pelo Governo de Obama e executado por fascistas locais.
As Honduras são, hoje, um dos países mais perigosos para jornalistas: em 2010 foram assassinados 11 profissionais da informação.

Sobre estes crimes, os média dominantes portugueses lançaram uma cerrada cortina de silêncio: nem uma referência, nem uma palavra, nada.
Nem sequer a notícia do crime.

Os jornalistas assassinados nas Honduras são colegas de profissão dos jornalistas portugueses e, destes, não há um único - um único! - que tenha a coragem de um gesto solidário, de denunciar os crimes brutais que ali estão a ser praticados.
Não há um único!
Bandalhos!

POEMA

NO FIM


Quando terminarmos à dentada
esta tão longa, salitrosa noite,
os sorrisos descerão nos rios,
darão flor na oliveira as lágrimas.

Quando se firmem as águas movediças
a alegria cunhará moeda;
vozes longínquas abrirão janelas;
estaremos vestidos sob o céu.


Egito Gonçalves

CATARINA

«Foi a 19 de Maio de 1954, no começo das ceifas, numa luta por melhores jornas, nas redondezas de Baleizão, que o famigerado Carrajola, um tenente da GNR, num acto de ódio criminoso, assassinou Catarina com uma rajada de metralhadora.
Os trabalhadores agrícolas de Baleizão estavam em greve, reivindicavam melhores jornas nas ceifas.
A GNR tinha a aldeia cercada. Próximo dali, um rancho arregimentado pelo agrário, "furou" a greve. Catarina e mais 14 companheiras romperam o esquema da GNR e foram ao encontro do grupo que ceifava. Foram interceptadas pelo tenente Carrajola que as questionou, cheio de ódio, sobre o que queriam elas. Catarina respondeu: "Quero pão para matar a fome aos meus filhos!".
Em resposta, o criminoso Carrajola disparou uma rajada de metralhadora, matando Catarina...
Este bárbaro crime provocou profunda dor e revolta no País, em particular na região de Beja e na terra baleizoeira. O fascismo matava homens e mulheres por lutarem por Pão e Trabalho, pela Liberdade e pela Democracia.
Uma das fortalezas alentejanas da resistência antifascista, Baleizão era onde o PCP, na clandestinidade, contava com forte influência e onde as mulheres comunistas tinham uma activa militância na luta revolucionária contra a ditadura salazarista, na luta pela Liberdade.
Há gente que não gosta do PCP e procura negar que Catarina fosse militante do Partido. É necessário dar luta contra essas mentiras.
Catarina Eufémia era não só militante, desde 1953, como era também membro do Comité Local de Baleizão do PCP e um dos seus membros mais activos».
(António Gervásio - Dirigente do PCP na clandestinidade, nos anos 50, no Alentejo)


«Catarina morreu como deve saber morrer um membro do Partido. Morreu à frente das massas, encabeçando a luta de classe, defendendo os interesses vitais dos trabalhadores. Enquanto viva, Catarina serviu, com a sua actividade, a classe trabalhadora. Morta, continuou a servi-la pelo seu exemplo, inspirando sucessivas gerações no espírito de combatividade e de abnegação.
Catarina tornou-se uma lendária heroína popular, orgulho do glorioso proletariado rural alentejano, orgulho de todos os trabalhadores portugueses, orgulho do Partido.
(...) O Partido Comunista Português, o Partido de Catarina Eufémia, é uma criação do povo trabalhador e existe para servi-lo. Nós, comunistas, onde quer que estejamos, nos locais de trabalho ou o Governo, não pouparemos esforços e daremos a vida se necessário, na defesa dos interesses, das aspirações, dos objectivos do povo trabalhador.»
(Álvaro Cunhal - discurso em Baleizão, 19 de Maio de 1974)

CATARINA

POEMA

RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA


Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.

Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.

Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.

Meu amor. Minha espiga. Meu herói.
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.


José Carlos Ary dos Santos

DESINFORMAÇÃO ORGANIZADA

As pessoas que têm como única fonte de informação os média dominantes não sabem que amanhã os trabalhadores virão para a rua, em Lisboa e no Porto - convocados pela sua Central Sindical, a CGTP-IN - lutar pelos direitos que a troika da política de direita lhes tem vindo a roubar há 35 anos - e aos quais a troika do grande capital financeiro veio, agora, dar uma machada fatal.
Sobre essas manifestações, a generalidade desses média disse... nada.
O que não surpreende, aliás, já que, como é sabido, manifestações e outras lutas dos trabalhadores não são tema que se enquadre nas preferências - nem nos «critérios informativos»... - dos média propriedade do grande capital.

Assim, participarão nas manifestações apenas os trabalhadores informados - a informação gera a lucidez e a coragem - ou seja, aqueles que se inteiram do que se passa no país e no mundo recorrendo à informação alternativa ou que são contactados pessoalmente, e informados, nas empresas onde trabalham, pelos activistas sindicais.

Quanto ao outros - os que apenas lêem, ouvem e vêem os jornais, rádios e têvês - esses ficarão a saber o que as direcções desses jornais, rádios e têvês querem que eles saibam sobre o que se passa por cá e lá fora.

Sobre o que se passa por cá, os jornais de hoje, dia 18 de Maio, véspera das grandes manifestações de Lisboa e do Porto, dedicam a parte maior das suas edições ao jogo de futebol FCPorto/SCBraga que esta noite terá lugar em Dublin.
E não poupam espaço, antes pelo contrário: o DN dedica ao acontecimento nada mais nada menos do que 10-páginas-10; e o Público e o JN meia dúzia cada um - todos fazendo da notícia manchete de primeira página.
E sobre o assunto fica o leitor a saber tudo-tudinho - inclusive que os «padres de Braga, nas missas de hoje, vão orar» pelo clube local, com isso procurando «juntar adeptos bracarenses e convidá-los a orar»...
Tudo-tudinho, excepto talvez o mais significativo, a saber: o facto de se tratar de um jogo entre dois clubes de um País recém- ocupado pelas hordas do FMI, realizado na capital de um País que já está a sofrer na carne e na pele os efeitos de uma ocupação semelhante.

Sobre o que se passa lá fora, o destaque vai para a prisão do número 1 do FMI nos EUA - para onde a «nossa» RTP enviou uma brigada especial para acompanhar a par e passo tudo-tudinho..., como o Cantigueiro oportunamente registou ontem.
Hoje ficámos a saber que - segundo uma «sondagem»... - 57% dos franceses acham que Strauss-Kahn está a ser vítima de uma cabala... (onde é que eu já ouvi isto?...)
Uma pequena notícia dá nota, entretanto, que a defesa de Strauss-Kahn admite que terá ocorrido algo do foro sexual entre o chefe do FMI e a camareira do hotel: não o que a mulher diz que aconteceu, mas... «uma relação sexual consentida»...
Se assim foi... 57% dos franceses estão errados, está visto...

Voltando à matéria de primeiro: amanhã é dia de luta.
Nas ruas.
Em Lisboa e no Porto.
Luta contra a política de direita e os que a vêm praticando há 35 anos.
Luta, também - isto digo eu - contra os que, através de uma prática sistemática de desinformação organizada - a desinformação organizada gera a falta de lucidez e de coragem - têm dado um contributo decisivo para que a situação de Portugal e dos portugueses tenha chegado ao desgraçado estado a que chegou.

POEMA

INSTRUÇÕES PARA OS SUPERIORES


No dia em que o soldado desconhecido morto na guerra
foi enterrado com salvas de canhão,
de Londres a Singapura parou
ao meio dia ao mesmo tempo,
das doze horas e dois às doze horas e quatro,
durante dois minutos completos,
todo o trabalho,
só com o fim de honrar o
Soldado Desconhecido Morto na Guerra.

Mas, apesar disso tudo, talvez
se devesse ordenar
que ao Trabalhador Desconhecido
das grandes cidades dos Continentes povoados
se prestassem também honras finalmente.
Um homem qualquer da rede do tráfico,
cuja face não fora notada,
cujo ser secreto passara despercebido,
cujo nome não fora ouvido distintamente,
um tal homem devia,
no interesse de todos nós,
ser contemplado com honras de excepção,
com uma alocução na rádio
«Ao Trabalhador Desconhecido»
e
com um pausa no trabalho de todos os homens
por todo o Planeta.


Bertolt Brecht

E CHEGARÁ O DIA DAS SURPRESAS...

O procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI) - Luís Ocampo-Moreno - pediu a emissão de mandatos da captura para Khadafi e mais dois dirigentes líbios.
Diz ele que as provas que já recolheu - junto dos «rebeldes» líbios, naturalmente... - «mostram que Khadafi ordenou pessoalmente ataques contra civis», pelo que vai ser acusado de «crimes contra a humanidade».
Ocampo-Moreno diz ainda que tantas são as provas de que dispõe já que «estamos prontos para ir a julgamento» - assim como quem diz: prendam lá o gajo que eu trato-lhe da saúde... democraticamente...

Registe-se a preocupação do procurador-geral do TPI com os «civis líbios». Registe-se, ainda, que ouvi-lo a falar sobre o assunto é ouvir a voz do dono Obama...
Por isso, não fico à espera que ele considere civis líbios as crianças, mulheres e homens esfacelados pelas bombas da NATO.
Por isso não fico à espera que ele peça mandatos de captura para os que ordenaram (e continuam a ordenar) pessoalmente esses bombardeamentos contra civis líbios - bombardeamentos que constituem brutais crimes contra a humanidade.
Isto é: não fico à espera que o procurador-geral do TPI mande prender aqueles que deviam ser presos, julgados e severamente condenados, a saber: Obama, Cameron, Sarkozy, Merkel, entre muitos outros criminosos.
Porque não é para fazer justiça que o TPI existe, bem pelo contrário.
Porque não foi para fazer justiça que o procurador-geral foi escolhido para o cargo, bem pelo contrário.

Mas fico à espera, isso sim!... do «dia das surpresas»...
Que, mais dia menos dia, «chegará».

POEMA

CANTIGA DO ÓDIO


O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
Ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
Que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?


Carlos de Oliveira

INJUSTIÇAS!

Mário Soares manifestou-se «surpreendido» com a detenção do seu amigo Dominique Strauss-Kahn - chefe máximo do famigerado FMI - acusado de «brutal agressão sexual a uma camareira» do hotel onde estava hospedado.

Comecei por ficar surpreendido com a surpresa manifestada por Soares - tanto mais que como o próprio Soares reconhece, Strauss-Kahn tem antecedentes na matéria: «ele já tinha tido uma coisa desse estilo»... (e eu acrescento: pelo menos, tanto quanto se sabe, duas coisas desse estilo...)

Depois percebi: Soares está «surpreendido» não pelo acto praticado pelo número 1 do FMI, mas por este, desta vez, ter sido preso...
Pensa Soares,, certamente, que pessoas como Strauss-Kahn - generosas, solidárias, amigas do seu amigo, sempre prontas a ajudar quem está com a corda na garganta... - não deviam ser presas por «coisas deste estilo»..

Soares disse o que disse na Feira do Livro, onde se deslocou para autografar o seu mais recente livro, «No Centro do Furacão», composto por algumas das crónicas que tem vindo a publicar no Diário de Notícias.
(Sim, aquelas prosas chatas, chatérrimas, intragáveis, com as quais Soares vai cumprindo as tarefas que lhe competem enquanto homem de toda a confiança do capitalismo - e especialmente do imperialismo norte-americano.)
Diz o DN que as pessoas fizeram fila para conseguir o autógrafo e a fotografia com o autor - «para a posteridade»...
Mas não desesperemos:tenho para mim como coisa certa que a maioria dessas pessoas, do livro apenas lerá... o autógrafo.

Com tudo isto, no entanto, fico a pensar que Soares é uma pessoa cheia de sorte, daquelas de quem é costume dizer-se que nasceram com o cu virado para a lua...
Senão vejamos: por se meter em «coisas deste estilo», Strauss-Kahn foi preso - e lá está, segundo se diz sujeito a ser condenado a 20 anos de prisão...
Enquanto isso, Soares, por se meter noutro estilo de coisas - destruiu o regime democrático de Abril e entregou Portugal ao capitalismo internacional - assina autógrafos na Feira do Livro e vê o DN chamar-lhe «figura maior do regime democrático»...

INJUSTIÇAS! - grito eu: ou os dois na prisão ou os dois a assinar autógrafos.
JÁ!

POEMA

AS CRIANÇAS E OS MONSTROS


A criança entrou numa casa de brinquedos e perguntou:
- Tem carícias para vender?
E o homem respondeu: - Essas coisas não temos,
mas vendemos revólveres, metralhadoras
e canhões para crianças subdesenvolvidas
e bombas atómicas
em miniatura
para meninos de fino trato
pagáveis em dez prestações
e com entrega mensal de um monstro
mais ou menos domesticado
ao cliente que tiver praticado o crime atómico
em miniatura
mais horrível do mundo.


Sidónio Muralha

POEMA

A BOMBA


O primeiro sopro arrancou-lhe a roupa;
o imediato levou também a carne.
Ao longo da rua
durante alguns segundos correu o esqueleto.
Mas a rua já não estava,
estava toda no ar;
de lá caíam bocados de prédios, bocados
de crianças, restos de cadilaques...
O esqueleto não compreendia sozinho
aquela situação:
deixou-se tombar sobre algumas pedras radioactivas
e permitiu na queda o extravio de alguns ossos.

(Caso curioso: o coração
pulsou ainda três ou quatro vezes
entre o gradeamento das costelas.)


Egito Gonçalves

UM FACÍNORA CHAMADO BARACK OBAMA

Como estamos lembrados, a intervenção da NATO na Líbia - ordenada pelo governo de Obama e apoiada pelos seus lacaios europeus - tinha como preocupação primeira a «humanitária» tarefa de «proteger civis»...

Após dois meses de «protecção a civis», constata-se que as principais cidades líbias foram exaustivamente bombardeadas.
Para além de um número não quantificado de «civis protegidos» - isto é, mortos ou feridos - os prédios e as infra-estruturas de água, esgotos, luz e gás estão seriamente danificadas.

Estes bombardeamentos «humanitários» são complementados com um bloqueio marítimo e aéreo com o qual é impedida a entrada no país de medicamentos e de alimentos - sempre tendo presente, obviamente, a preocupação de «proteger civis» que Obama e o seu bando não se cansam de apregoar...

Por efeito de todas estas «acções humanitárias», a imensa maioria da população da Líbia - mais de 60% - vive, hoje, uma situação de extrema gravidade decorrente da falta de água, de alimentos, de medicamentos...
Presume-se, é claro, que esta maioria da população líbia não é «civil» - porque esses, os «civis», estão bem «protegidos» pelos bombardeamentos e pelo bloqueio decretados pelo Nobel da Paz...


As multidões que, em condições dramáticas, procuram abandonar o país - e, assim, livrar-se das bombas, das carências, da morte provocadas pela «protecção de civis» - são outra consequência da «acção humanitária» em curso na Líbia...
Também neste caso é óbvio que não se trata de «civis» - se o fossem estariam «protegidos» por Obama & Cia...

Como sempre acontece em situações semelhantes, as crianças são as principais vítimas. Mas não há problema: para os cruzados «protectores de civis líbios», as crianças também não são «civis», logo não podem beneficiar da «humanitária protecção»...
Que sofram, portanto, que passem todas as privações, que fiquem sepultadas nos escombros das suas casas destruídas pelos bombardeamentos, que morram à fome e à sede: Obama e os seus sicários, se tiverem tempo e se lembrarem, talvez rezem por elas uma breve, brevíssima oração...

Entretanto, a Alemanha abriu uma «missão em Bengazi» - chefiada por um «diplomata experimentado» e a União Europeia anunciou ir «abrir um gabinete na capital dos rebeldes» - capital que já recebeu a visita do senador norte-americano John McCain e do ministro dos negócios estrangeiros da Polónia.
Por seu lado, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, recebeu o «líder dos rebeldes líbios e convidou-o a abrir uma missão em Londres».
É claro que em Bengazi a «protecção de civis» é um êxito... dir-se-ia, até, que todos os «civis» líbios vivem na «capital dos rebeldes»...


Estamos, assim, perante uma tragédia humanitária provocada por um bando de criminosos - o maior e mais responsável dos quais é o presidente dos EUA.
Estamos, assim, perante um crime hediondo que urge denunciar - e exigir o fim da criminosa agressão à Líbia e ao seu povo; e exigir o julgamento e a condenação dos responsáveis por essa tragédia - mesmo sabendo que tal acto de justiça não é, na situação actual, exequível.
E gritar, até que a voz nos doa - e mesmo para além disso - que o principal responsável por todos estes crimes é um facínora chamado Barack Obama.

POEMA

(SERENATA CÍNICA PARA O BETTENCOURT CANTAR)



Menino que vais na rua,
não cantes nem chores: berra!
Cospe no chão e na lua
e aprende a pisar a terra.

Aprende a pisar o mundo,
deixa a lua aos violinos
dos olhos dos vagabundos
e dos poetas caninos.

Aprende a pisar a vida.
Deixa a lua às costureiras
- pobre moeda caída
de quem não tem algibeiras.

Aprende a pisar no chão
o silêncio do luar
sem sentir no coração
outras pedras a gritar.

Pisa a lua sem remorsos,
estatelada no solo...
Não hesites! Quebra os ossos
dessa criança de colo.

Pisa-a, frio, com coragem,
sem olhos de serenata:
que isso que vês na paisagem
não é ouro nem é prata.

Menino que vais na rua,
não chores, nem cantes: berra!
ou, então, salta prá lua
e mija de lá na terra.


José Gomes Ferreira

RECONQUISTAR A LUZ E O SOL

Estamos em tempo de apagões.
Anteontem e ontem foi o blogger: deixou-nos às escuras, roubou-nos posts (e comentários), com isso suscitando uma avalanche de leituras diversificadas do que (cada um pensava que) estava a acontecer.
Felizmente - faça-se luz! - a luz voltou.
É certo que muitos dos posts (e dos comentários) «temporariamente retirados» não regressaram ainda às respectivas bases - mas os chefes garantem que, mais dia menos dia, hão-de voltar. E se eles garantem...

Estava a blogosfera assim mergulhada na escuridão e eis que outro apagão ocorria: este de tipo e dimensão e significado diferentes, já que tinha como protagonista principal o Sol - que nos dá luz a todos e não apenas aos bloggers - e como assistentes os 200 mil fiéis que, em Fátima, adoravam Nossa Senhora e o beato João Paulo II.
Foi assim: no momento em que «os fiéis assistiam a um vídeo sobre a ligação de João Paulo II ao Santuário», eis que «uma auréola» surge no céu, rodeando o Sol: «Só pode ser um sinal de João Paulo II», dizia uma fiel; e dizia outra: «Nos minutos em que Fátima revive a vida do beato João Paulo II aconteceu isto. Foi algo especial»; e «muita gente chorava, em comoção e lembrava a aparição de Fátima aos pastorinhos, o milagre do Sol»; e diziam muitos fiéis: «Milagre!», «Milagre!».
Milagre?: por enquanto, «ninguém da hierarquia da Igreja Católica portuguesa quis prestar qualquer depoiamento».
Por isso, aguardemos... tanto mais que a «auréola», tal como a «falha técnica» do Blogger, já passou...

Ainda em matéria de apagões, está o País às escuras por efeito da «crise» - nome dado às consequências de 35 anos de política de direita praticada pela troika indígena e às medidas de afundamento agora decretadas pela troika ocupante.
Neste caso, estamos perante um apagão mais complicado, muito mais demorado e de muito mais difícil solução.
Com efeito, se os posts foram «temporariamente retirados» dos respectivos blogues, e se a «aureóla» de Fátima foi à vida dela após os breves momentos que durou a sua «aparição», o mesmo não podemos dizer dos direitos dos trabalhadores - direito ao emprego, a um salário justo, a pensões e reformas dignas, a serviços públicos essenciais, etc, etc. - que há 35 anos têm vindo a ser roubados e que as duas troikas se preparam, agora, apagar completamente.

Quer isto dizer que, se em relação ao apagão do Blogger, esperámos - e a luz voltou;
e se em relação à «auréola» de Fátima, esperámos - e o Sol voltou;
no que toca ao apagão do País, não podemos esperar mais: temos que reconquistar a luz e o Sol que nos estão a roubar.

Lutando: manifestando-nos nas ruas de Lisboa e do Porto na próxima quinta-feira; votando na CDU no dia 5 de Junho.
E ganhando força para dar mais força à luta nos dias 6, 7, 8...

POEMA

UM CONTO DE INVERNO


Amigos, quero compor para vós uma canção,
uma canção nova, uma canção melhor!
Queremos instaurar aqui na terra,
agora mesmo, o reino dos céus.

Queremos ser felizes nesta terra,
aqui queremos derrotar a fome
e que o ventre preguiçoso não devore
o que mãos trabalhadoras produziram.

Cresce, aqui em baixo, pão que chega
para os filhos dos homens
e ainda há rosas e mirtos,
beleza, alegria e ervilha-de-cheiro.

Sim, ervilhas-de-cheiro para todos.
Logo ao abrir das vagens!
O céu, não o queremos para nada,
fiquem com ele os anjos e os pardais.


Heinrich Heine