COM AMIGOS COMO ESTES...

Uma coisa a que deram o nome de «Conferência Internacional dos Amigos da Líbia» vai reunir amanhã.
Sarkozy e Cameron - cuja amizade pela Líbia esta bem patente nos milhares de bombardeamentos dos últimos seis meses - são os proponentes e organizadores da coisa, que contará com a inevitável presença de, entre muitos outros «amigos da Líbia», Hillary Clinton, a amigalhaça número 1.
É objectivo desta coisa «mostrar o apoio da comunidade internacional ao Conselho Nacional de Transição e contribuir para a instauração de um regime democrático na Líbia» - ou seja: consumar a ocupação do país; ou seja: prosseguir, em novos moldes, a «protecção de civis»...

A propósito: os tais «32 barcos carregados de bens essenciais e de medicamentos» anunciados há dias pelos «rebeldes», chegaram, transportando «600 toneladas de farinha, azeite e polpa de tomate» e 500 mil litros de água - que, agora, serão distribuídos de acordo com as prioridades definidas: os primeiros beneficiados serão os desalojados e famintos de Tripoli (35 000) e do Nordeste (200 000).
Os média dominantes não se cansam de enaltecer esta «importante ajuda humanitária»...
É certo que, feitas as contas, se constata que cada pessoa receberá, dos que os flagelaram com bombas, apenas 2, 5 quilos de «farinha, azeite e polpa de tomate»... mas o que interessa é difundir, fazer chegar a todo o lado a notícia da «chegada da ajuda humanitária»...


A Líbia é, hoje, um país devastado - excepto, naturalmente, nos locais onde os «rebeldes» se encontravam... pois aí as bombas foram. de facto, protectoras: não caíram...
Temos assim que protecção de «rebeldes» e «protecção de civis» são as duas faces da moeda líbia.
No primeiro caso, a protecção foi um êxito: nem um «rebelde» foi morto;
no segundo caso, a «protecção» também cumpriu os seus objectivos e foi, igualmente, um «êxito»: matou milhares de civis, destruiu habitações, hospitais, escolas, centrais eléctricas...

Mas a «protecção» continua: os «amigos» do povo líbio vão continuar a protegê-lo nas duas modalidades acima referidas: enviando-lhes «farinha, azeite e polpa de tomate» e ensinando-lhes democracia...


Com amigos como estes, o povo líbio não precisava de inimigos...


POEMA

ACERCA DE UMA VIAGEM


Abrimos portas,
fechamos portas,
franqueamos portas
e no termo da viagem única
nem cidade
nem porto.

O comboio descarrila,
o barco naufraga,
o avião cai.

Há uma inscrição gravada no gelo.
Se eu pudesse escolher
recomeçar ou não esta viagem
recomeçá-la-ia.


Nazim Hikmet


É PRECISO, IMPERIOSO E URGENTE...

É a manipulação: vem em vagas e, ao mesmo tempo que, pela quantidade, submerge a capacidade de reflexão dos cidadãos, pelo conteúdo leva a água ao insaciável moinho da política de direita.
Praticam-na, todos os dias, todos os que - desde o governo aos média - estão ao serviço do poder dominante.

Agora, a grande medida é... o «Passe Social +», cuja criação é anunciada em altos berros pelo Governo com o prestimoso apoio dos média - e com o qual serão «beneficiados, altamente beneficiados», gritam eles, os «mais desfavorecidos», aqueles cujo rendimento mensal não ultrapassar os 485 euros...
Postas as coisas assim - e ditas e reditas por tantos governantes, e repetidas por tantos jornais, rádios e televisões - até parece que é verdade... e é isso que eles querem que pareça.

Com isto - como sublinhou o PCP, hoje, em conferência de imprensa, o que pretendem é atirar mais poeira para os olhos das pessoas e esconder o essencial: que, com tal medida, «o Governo introduz a quebra da universalidade do direito ao passe social, a sua dimensão social e económica», ao mesmo tempo que exclui, de facto, do acesso ao dito «Passe Social +» de centenas de milhares de portugueses.

Com isto, pretendem esconder a terrível realidade: «um mês depois dos mais brutais aumentos de preços de transportes de que há memória (entre 15 e 25%)« apontam agora para «novos aumentos, tão grandes ou maiores quanto os de Agosto».


Com isto, pretendem que ninguém dê pelo facto concreto de que, em múltiplas situações, mesmo «os potenciais beneficiários do "Passe Social +" passarão a pagar mais do que aquilo que pagavam antes dos aumentos registados em Agosto». 

Dito por outras palavras:

Com isto prosseguem e acentuam o saque aos rendimentos de quem trabalha e vive do seu trabalho;
prosseguem a acentuam a injustiça social;
prosseguem e acentuam a manipulação com a qual os saqueadores e os seus lacaios tentam iludir os trabalhadores e o povo;
e, em resultado disto tudo, prosseguem e acentuam o crescimento da exploração - e das grandes fortunas que dela resultam.

Assim sendo, é preciso avisar toda a gente... e é preciso, imperioso e urgente que cresça e se acentue a luta de massas - único caminho para dar a volta a isto.


POEMA

LOUVOR DO COMUNISMO


É razoável, quem quer o entende. É fácil.
Tu não és nenhum explorador, podes compreendê-lo.
É bom para ti, informa-te dele.
Os estúpidos chamam-lhe estúpido, e os porcos chamam-lhe porco.
Ele é contra a porcaria e contra a estupidez.
Os exploradores chamam-lhe crime
mas nós sabemos:
ele é o fim dos crimes,
não é nenhuma loucura, mas sim
o fim da loucura.
Não é o enigma
mas sim a solução.
É o fácil.
Que é difícil de fazer.


Brecht

CARTAS DE COMUNISTAS (5)


JULIEN HAPIOT



Nasceu em 1913. Com 24 anos foi combater para Espanha integrando as Brigadas Internacionais, tendo sido gravemente ferido no Ebro.
Na França ocupada, organizou os FTPF (Franc-Tireurs Partisans Français) na região norte.
Preso e torturado pela Gestapo em 1943.
Fuzilado no dia 13 de Setembro de 1943, na cidade de Arras.
Era militante comunista.



(Extractos de uma carta de despedida, escrita em 27 de Agosto de 1943)

«Alguns dias antes da minha execução, quero gritar uma vez mais o meu amor pelo grande Partido Comunista. Agradeço-lhe imenso ter-me esclarecido e dado os conhecimentos necessários para me permitir ser útil aos meus concidadãos. Graças a ele, a minha existência não terá sido inútil; é para mim uma real satisfação saber que, desde a minha adesão ao grande Partido de Lénin-Stálin não poupei esforços para contribuir para a abolição do regime capitalista, gerador de guerras e misérias.
Na luta conduzida actualmente pelo povo e pela juventude de França, tenho consciência de ter colocado o meu tijolo para a edificação duma sociedade nova que libertará socialmente o nosso país.
Sim, sinto-me orgulhoso quando olho para trás, por ter seguido o caminho traçado pelo nosso glorioso Partido. E é este passado que os torcionários da polícia de Vichy e os carrascos da Gestapo me propuseram trair, como se a morte não fosse muito mais doce do que a traição.
Se estes celerados opressores não recearam declarar-me que os comunistas são os seus principais inimigos, as torturas que me infligiram não fizeram mais do que reforçar a minha convicção de que os comunistas são os campeões da luta libertadora.
Se não tenho a alegria de ver a vitória final que é certa, tenho pelo menos a satisfação de saber dos brilhantes sucessos de Exército Vermelho. Todos os patriotas presos se interrogam por que é os Anglo-Americanos não criaram ainda uma verdadeira segunda frente europeia, mas todos têm a certeza de que o hitlerismo não sobreviverá muito tempo ao fascismo italiano. Por mim, reafirmo a minha admiração pelos combatentes e pelos povos da União Soviética.
Um valente camarada de Roeux, Robert Henri, foi condenado à morte esta manhã por ter albergado um corajoso guerrilheiro. A sua atitude é exemplar; mandei-o recordar as estâncias da Marselhesa, pois é com o canto dos nossos antepassados que caminharemos para o poste de execução.

J. H.»


JULIEN HAPIOT

POEMA

BALADA DAQUELE QUE CANTOU NA TORTURA



E se houvesse que voltar
atrás eu voltaria
Uma voz sobe dos ferros
e fala de um outro dia

Dizem que na sua cela
dois homens tinham entrado
sussurravam Capitula
vê-se que estás cansado

Podes viver a vida
acata os nossos conselhos
diz a palavra que livra
e viverás de joelhos

E se houvesse que voltar
atrás eu voltaria
A voz que sobe dos ferros
fala já para o novo dia

Só uma palavra e a porta
abre-se logo e tu sais
Assim o carrasco exorta
Sésamo Não sofras mais

Uma palavra só só mentira
o teu destino retém
na doçura das manhãs
pensa pensa pensa bem

E se houvesse que voltar
atrás eu queria ir
A voz que sobe dos ferros
fala aos homens do porvir


Aragon


UM DIA, NÃO SEI QUANDO...

A ONU está «preocupada com a possibilidade de uma crise humanitária em Tripoli»...
Vejam bem!: esta organização, que não passa de um pau mandado do imperialismo norte-americano e que, nessa condição, «legalizou» o flagelo humanitário em Tripoli, está, agora, preocupada...

Mas a NATO - que é a irmã-armada da ONU - por intermédio desses seus figurantes que dão pelo nome de «rebeldes» já «garantiu que, a partir de hoje, se normalizará o abastecimento de água e de electricidade» à capital e que, hoje mesmo, chegam a Tripoli «32 barcos com ajuda internacional com os bens essenciais e com os medicamentos necessários para os hospitais da cidade»...
Tais garantias foram produzidas pelos «rebeldes» em Bengazi - onde tremulam ao vento as bandeiras dos EUA, da França, da Grã-Bretanha, da União Europeia... e onde nunca faltaram os bens essenciais, nem os medicamentos, nem a água, nem a electricidade... e onde não houve «necessidade» de as bombas da NATO irem «proteger civis»...
Como se vê, os «rebeldes» transbordam, também, de «preocupações humanitárias»... ou não fossem eles o que são: uns grandecíssimos filhos da...NATO e da ONU...

Portanto, como é da praxe, aí estão eles: os «bons», os «democratas», os «libertadores», exibindo as suas sacrossantas «preocupações humanitárias»... depois de, durante meses, terem mandado às urtigas as preocupações humanitárias e terem flagelado cruelmente a população de Tripoli com bombardeamentos que causaram milhares de mortos, de feridos, de estropiados; com o corte da água, da electricidade, dos bens essenciais, dos medicamentos...

Entretanto, o secretário-geral da NATO, o ignóbil Rasmussen, sem ponta de vergonha, afirma que «está orgulhoso com o que fez a sua organização», porque, diz o monstro, «impedimos um massacre, salvámos numerosas vidas»...
É um criminoso a falar - e nem o facto de ser um criminoso a cumprir ordens dos chefes supremos o iliba das responsabilidades que tem e pelas quais terá de responder um dia...

Porque, um dia, não sei quando, há-de ser criado um verdadeiro Tribunal Internacional que faça justiça - que julgue e condene este bando de criminosos.



POEMA

1936


Lembra-o tu e lembra-o aos outros,
quando enojados da baixeza humana,
quando furiosos pela dureza humana:
Este homem único, este acto único. esta fé única.
Lembra-o tu e lembra-o aos outros.

Em 1961, numa cidade estranha,
mais de um quarto de século
depois. Vulgar a circunstância,
obrigado tu a uma leitura pública,
por causa dela conversaste com esse homem:
um antigo soldado
da Brigada Lincoln.

Há vinte e cinco anos, este homem,
sem conhecer a tua terra, para ele distante
e estranha, resolveu ir para lá
e nela, se chegasse o momento, decidiu apostar a sua vida,
julgando que a causa que lá estava em jogo
então, digna era
de lutar pela fé que enchia a sua vida.

Que essa causa pareça perdida,
nada importa;
que tantos outros, pretendendo crer nela,
apenas trataram de si mesmos,
importa menos.
O que importa e nos basta é a fé de alguém.

Por isso outra vez hoje a causa te parece
como naqueles dias:
Nobre e tão digna de lutar por ela.
E a sua fé, aquela fé, ele a manteve
através dos anos, da derrota,
quando tudo parece atraiçoá-la.
Mas essa fé, a ti mesmo dizes, é o que somente importa.

Obrigado, Companheiro, obrigado
pelo exemplo. Obrigado por me dizeres
que o homem é nobre.
Nada importa que tão poucos o sejam:
Um homem, um só, basta
como testemunho irrefutável
de toda a nobreza humana.


Luis Cernuda


TERRORISMO MEDIÁTICO

O tratamento dado pelos média dominantes aos acontecimentos da Líbia constitui um brutal acto terrorista contra o dever de informar e contra o direito à informação.

É certo que já se esperava que assim fosse.
Como alguém disse há quase um século, «a primeira vítima da guerra é a verdade» e, de então para cá, tivemos múltiplas confirmações disso.
Mais e pior: a verdade passou a ser a vítima de todos os dias nos média dominantes, cuja tarefa primeira é a de servirem fielmente os interesses dos donos - tarefa que, aliás, cumprem exemplarmente.

No entanto, no caso da Líbia esses média foram - e estão a ir e, tudo indica, irão - mais longe.
Na verdade, sobre esta guerra, já vimos, ouvimos e lemos de tudo:
desde as imagens da «sublevação popular contra Kadhafi» - que, afinal, eram imagens de uma manifestação de apoio a Kadhafi..., até às «reportagens» ditas «ao vivo» - e que, afinal, não passavam de grosseiras falsificações fabricadas em estúdio...

Vimos, ouvimos e lemos, todos os dias, a mentira, a falsificação, a deturpação, a manipulação, a mistificação sobre o que se está a passar:
todos os dias nos é impingida essa banha de cobra que é a «protecção de civis»; e a glorificação dos «rebeldes» e das suas «vitórias»; e o silenciamento sobre as consequências trágicas dos selváticos bombardeamentos - designadamente sobre o banho de sangue que foram os bombardeamentos que antecederam a entrada em Tripoli das forças de ocupação - dos milhares de terroristas da NATO e da Al Qaeda que espalharam o terror.

Estes média até nos contaram, minuciosa e pormenorizadamente, a «prisão do filho de Kadhafi» - e nos mostraram o torcionário Moreno-Ocampo, histérico, a afiar as garras para o condenar à morte...
Isto quando o suposto preso falava aos jornalista no hotel Rixos, em Tripoli...

Do que se passa na Líbia e nesse hotel - cheio de jornalistas que o são, e de jornalistas que o dizem ser, e de agentes da CIA e do M16 disfarçados de jornalistas - vamos tendo conhecimento da verdade graças à acção corajosa e arriscada de alguns jornalistas independentes, entre eles Lizzi Phelan, Mahdi Darius Nazemroaya e Thierry Meyssan.
Por isso são ameaçados quer por «jornalistas» quer pelos agentes da CIA e do M16.
Lizzi Phelan foi ameaçada pelo pessoal da CNN e impedida de utilizar o facebook e o email.

Eis um pequenos extracto de uma entrevista concedida por Thierry Meyssan (TM) à jornalista Silvia Catori (SC):

SC: Nas imagens difundidas pelas televisões aqui vê-se que ao longo destes seis meses, (os «rebeldes») são excitados que atiram para o ar e que não parecem profissionais...

TM: Viu-se com efeito bandos que se agitam e que não são formados militarmente. É pura encenação, não é realidade. A realidade é que todos os combates são travados pela NATO; e quando o seu objectivo é atingido as tropas da NATO retiram. Então, chegam pequenos grupos - vê-se de cada vez uma vintena de pessoas, mas na realidade nunca são vistos em acção.
A acção são as forças da NATO.
Foi assim que se passou sempre em cidades que foram tomadas, perdidas, retomadas, reperdidas, etc... em cada ocasião são sempre as forças da NATO que chegam em helicópteros Apache que bombardeiam. Portanto não são os «rebeldes» que fazem o trabalho militar, isso é anedota! É a NATO que faz tudo. Depois de eles retirarem, então vêm «os rebeldes» fazer a figuração. É isso que você vê difundido pelas cadeias de televisão».

Sobre a entrada das forças de ocupação em Tripoli, diz TM:
As coisas aceleraram-se quando chegou o barco da NATO. São combatentes pertencentes às forças especiais da NATO que estão aqui no terreno e é evidente que tudo pode cair rapidamente.

SC: A sua posição aí não é fácil, Entre os jornalistas você deve ter inimigos que querem a sua pele por ter contraditado a versão deles dos factos...

TM: Sim. Já fui ameaçado por jornalistas estado-unidenses que querem matar-me».

Entretanto, a resistência continua.
E esse é um facto que nem as bombas da NATO; nem as suas «tropas especiais» conjugadas com os seus aliados jihadistas da Al Qaeda; nem o seu silenciamento pelos media, conseguem evitar.


POEMA

GRITO NEGRO


Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.

Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder, sim
e queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão
até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão!


José Craveirinha


CARTAS DE COMUNISTAS (4)

GABRIEL PÉRI



Nasceu em 1902, em Toulon.
Foi um dos fundadores do Partido Comunista Francês - e em 1922 é Secretário da Juventude Comunista e responsável pelo jornal «Avant-Garde» e membro do Comité Central do PCF.
É editor de política internacional no «L'Humanité» até 1939, altura em que é emitido contra ele um mandato de prisão. «Mergulha» na clandestinidade.
Foi preso no dia 18 de Maio de 1941.
Interrogado pela polícia francesa e, depois, pela Gestapo, não diz uma palavra.
Foi fuzilado no dia 15 de Dezembro de 1941.




«14 de Dezembro de 1941
Domingo, 20 horas

O capelão de Cherche-Midi acaba de me comunicar que serei daqui a pouco fuzilado como refém.
Peço-vos que reclamem no Cherche_Midi os objectos que deixei. Talvez alguns papéis sirvam para me recordar.
Que os meus amigos saibam que eu permaneci fiel ao ideal de toda a minha vida; que os meus compatriotas saibam que eu vou morrer para que a França viva.
Fiz pela última vez o meu exame de consciência: é muito positivo. É isso que eu gostaria que repetissem à vossa volta. Seguiria o mesmo caminho se tivesse de recomeçar a minha vida.
Esta noite pensei muitas vezes no que dizia o meu caro Paul Vaillant-Couturier, que o comunismo era a juventude do mundo e que preparava os amanhãs que cantam.
Vou preparar, daqui a pouco, os amanhãs que cantam.
É sem dúvida porque Marcel Cachin foi o meu bom mestre que eu me sinto forte para enfrentar a morte.
Adeus e que viva a França!

Gabriel»


GABRIEL PÉRI

POEMA

GABRIEL PÉRI


Morreu um homem cuja única defesa
era saudar a vida
Morreu um homem cuja única conduta
era o seu ódio às armas
Morreu um homem que continua a luta
contra a morte e os fantasmas
pois tudo quanto ele queria
queríamos nós então
e queremos hoje ainda:
A felicidade - luz
nos olhos e no coração da gente
E na terra justiça sempre

Palavras há que dão vida
e são palavras inocentes
a palavra calor a palavra confiança
amor justiça e a palavra liberdade
a palavra criança e a palavra simpatia
e certos nomes de flores e certos nomes de frutos
a palavra coragem e a palavra descobrir
e a palavra irmão e a palavra camarada
e certos nomes de países e de aldeias
e certos nomes de mulheres e de amigos

Juntemos-lhes Péri
Péri morreu pelo que nos dá vida
tratemo-lo por tu tem o peito crivado
porém graças a ele melhor nos conhecemos
tratem-nos por tu está viva a sua esperança


Paul Éluard

QUE CHEIRO A SUOR! PFFFFF...

A família dos multimilionários está preocupada - e muitas são as razões para isso.
Vejam bem que alguém colocou a hipótese de eles retirarem umas migalhitas às suas fortunas, como ajuda à «superação da crise»!
Ora, mesmo tratando-se de uma hipótese académica - isto é: só para encher jornais, alimentar conversas e desviar a atenção das pessoas daquilo que é essencial: as causas e os causadores da «crise»- o certo é que eles, os multimilionários estão desagradados com a coisa.

É claro que ninguém está a pensar em grandes doações, em verbas fabulosas, nada disso, para o que é uns trocos chegavam, e parecia bem, não é verdade?, era um gesto bonito - além de que, e isso era o mais importante, tal acto cortava o pio a esses agitadores que andam por aí a insultar os governantes, chamando-lhes mentirosos por dizerem que «os sacrifícios são para todos»...
Por outro lado - ou do mesmo lado... - é óbvio que, como pode depreender-se da reacção calorosa do inevitável Obama às declarações beneméritas do seu dono Buffett, Washington veria a coisa com bons olhos - e, como «o mais rico do mundo» fez questão de sublinhar, o que é preciso é salvar e dar mais força ao capitalismo para que as grandes fortunas cresçam, cresçam...

Assim, alguns multimilionários lusitanos foram inquiridos sobre se sim ou não estariam na disposição de, hipoteticamente, largarem mão de parte - pequena, pequeníssima parte, parte simbólica, digamos assim... - da sua fortuna para «superar a crise».
As respostas foram diversas: uns dizem que sim, mas... isto é, não; outros dizem que nem sim nem não antes pelo contrário; e outros dizem que nem pensar.
(isto, sendo a brincar: imagine-se o que diriam se fosse a sério!...)

Entre os que nem pensar... está o incontornável Américo Amorim, também conhecido por Corticeiro ou por «um dos mais ricos» ou por «o mais rico»...
E sobre ele há que dizer desde já que o homem não é assim tão rico como à primeira vista pode parecer, ele o diz... - além de que os encargos que tem são elevadíssimos: imaginem que, só de impostos, paga todos os anos - ele o declara - dezenas de milhares de euros!
Então, é bem de ver que a pagar impostos tais, o pobre às tantas nem dinheiro tem para comer e dar de comer à sua família...

Num gesto grandíloquo e nobre, Amorim fez, a propósito, uma confissão pungente e por demais esclarecedora:
«Não me considero rico, mas um simples trabalhador».

É de homem! É de homem de trabalho!...


Portanto, que fique claro: Amorim não é rico. Amorim trabalha. Amorim é trabalhador. Amorim ganhou o que tem e ganhará o que virá a ter com o suor do seu rosto.

Que cheiro a suor!Pffffff...


POEMA

SALMO 57


Senhores defensores da Ordem e da Lei:
porventura o vosso direito não é de classe?
o Civil para proteger a propriedade privada
o Penal para aplicá-lo às classes dominadas

A liberdade de que falais é a do capital
o vosso «mundo livre» é a livre exploração
vossa lei é a das armas, vossa ordem a dos gorilas
vossa é a polícia
são vosso os juízes
Na prisão não há latifundiários nem banqueiros

Extraviam-se os burgueses já no seio materno
têm preconceitos de classe desde que nasceram
como a cascavel nasce com venenosas glândulas
como nasce o tubarão devorador de gente

Oh Deus acaba com o statu quo
arranca os colmilhos aos oligarcas
que se precipitem como a água dos autoclismos
e sequem como as ervas sob o herbicida

Eles são os «gusanos» quando chega a Revolução
não são células do corpo mas somente micróbios
abortos do homem novo que é preciso atirar
Antes que lancem espinhos que o tractor os arranque
o povo irá divertir-se nos clubes privativos
entrará na posse das empresas privadas
O justo há-de alegrar-se com os Tribunais do Povo
Festejaremos em grandes praças o aniversário da Revolução

O Deus que existe é o dos proletários


Ernesto Cardenal


CARTAS DE COMUNISTAS (3)

PIERRE SÉMARD


Nasceu em 1887.
Era ferroviário e Secretário Geral da Federação Sindical Unitária dos Ferroviários.
Conselheiro Geral do Sena.
Foi um dos fundadores do Partido Comunista Francês e Secretário Geral do Partido de 1924 a 1930.

Foi preso, em 1939, pelo governo Daladier.
Momentos antes de ser fuzilado pelos nazis, em Evreux, a 7 de Março de 1942, escreveu esta carta aos camaradas.


«7 de Março de 1942

Queridos amigos

Uma oportunidade inesperada permite-me enviar-vos a minha última mensagem, pois dentro de alguns momentos serei fuzilado.
Aguardo a morte com calma; provarei aos meus carrascos que os comunistas sabem morrer como patriotas e revolucionários.
O meu último pensamento é para vós, companheiros de luta, para todos os membros do nosso Partido, para todos os Franceses patriotas, para os heróicos combatentes do Exército Vermelho e o seu chefe, o grande Stáline.
Morro com a certeza da libertação da França.
Digam aos meus amigos ferroviários que não façam nada que possa ajudar os nazis. Eles vão compreender-me, vão escutar-me e vão agir. Estou certo disso.
Adeus, queridos amigos, está próxima a hora de morrer. Mas eu sei que os nazis que vão fuzilar-me já estão vencidos e que a França saberá continuar o combate certo.
Viva a União Soviética e os seus aliados!
Viva a França!»


PIERRE SÉMARD

POEMA

LIEBKNECHT MORTO


O cadáver jaz pela cidade inteira.
Em todos os prédios, em todas as ruas.
Todos os quartos
se esvaem no escorrer do seu sangue.

Começam das fábricas as sereias
infinito imenso
estrondeante assobio,
na cidade inteira uivante.

E com um clarão
nos brilhantes
imóveis dentes
começa o cadáver
a sorrir.


Rudolf Leonhard


DIZEM ELES, DIGO EU...

Após seis meses de bombardeamentos intensos - a um ritmo de mais de mil por mês, em média - a NATO... perdão, «os rebeldes líbios»... entraram em Tripoli...
(parece que sim, que entraram... o que não quer dizer que não venham a ter que sair ou, pelo menos, a não se instalarem com as facilidades que desejariam...)

E agora?:
Dizem os EUA, a GRã-Bretanha e a FRança que «agora, cabe ao povo líbio construir o seu novo destino»...
(e digo eu: isto são eles a falar, já que, como todos sabemos, o «destino» de que falam foi previamente destinado pelos EUA, a Grã-Bretanha e a França - e digo, ainda: entretanto, aguardemos: talvez o destino do povo líbio não venha a ser o que lhe destinaram os EUA, a Grã-Bretanha e a França...)

E a «operação da NATO»?, chegou ao fim?
Não!
Dizem as autoridades britânicas que «a situação em Tripoli é confusa» - e «a NATO e os rebeldes fizeram questão de lembrar que a capital não está controlada nem pacificada, tal como não está o país, o que significa que os civis continuam a necessitar de serem protegidos»...
(e digo eu: portanto, a NATO vai continuar a... «proteger civis», matando-os - e digo ainda: a abertura do corredor que permitiu a entrada dos «rebeldes» na capital foi a varrer, os helicópteros norte-americanos arrasaram tudo o que era necessário arrasar, não sendo possível, ainda, quantificar o número de civis que foram «protegidos»...)

Diz Obama: «Os EUA não tencionam enviar tropas para o terreno».
Dizem «alguns analistas»: «esse cenário poderá vir a ser inevitável»...
(e digo eu: tropas norte-americanas já lá estão... prontas para o terreno... e juntar-se-lhes-ão as necessárias quando for... «inevitável»...)

Finalmente, diz o editorialista do jornal do Belmiro:
«Acabaram-se as dúvidas sobre a bondade da intervenção da NATO (...) Valeu a pena usar armas para ajudar a liberdade a nascer».
(e digo eu, repetindo-me: quem tal diz, podia e devia antes dizer: «Viva la Muerte!»)


Entretanto, diz outra-notícia-a-mesma:
«Líderes ocidentais apertam cerco à Síria»
E disse Obama-o-mesmo:
«O futuro da Síria tem de ser determinado pelo seu próprio povo (...) chegou o momento do Presidente Bashar al-Assad se demitir».
Disseram, horas depois, os bem amestrados líderes da Grã-Bretanha- e- da-França-os-mesmos: «O futuro da Siria tem de ser determinado pelo seu próprio povo, chegou o momento, etc, etc...».
E disse o secretário-geral da ONU, o mesmo, Ban Ki-moon, pelo telefone, ao presidente da Síria: «o futuro da Síria tem de ser, etc, etc, etc, etc...».

E digo eu: o imperialismo não pára na sua ambição criminosa de dominar o mundo.
E digo ainda: a luta dos trabalhadores e dos povos pelo direito a decidirem o seu futuro também não pára. E continuará até à vitória final - essa, sim, inevitável.



POEMA

CORO DOS ÓRFÃOS



Nós órfãos
queixamo-nos ao mundo:
Cortaram-nos o nosso ramo
e atiraram-no ao fogo -
lenha de queimar fizeram dos nossos protectores -
Nós órfãos jazemos nos campos da solidão.
Nós órfãos
queixamo-nos ao mundo:
na noite os nossos pais jogam connosco às escondidas -
por trás das dobras negras da noite
as suas faces nos olham,
falam as suas bocas:
Lenha seca fomos nós na mão dum lenhador -
mas os nossos olhos fizeram-se olhos de anjos
a olham para vós,
através das dobras negras da noite
eles olham -
Nós órfãos
queixamo-nos ao mundo:
Das pedras fizemos os nossos brinquedos,
pedras têm caras, caras de pai e mãe,
não murcham como flores, não mordem como bichos -
e não ardem como lenha seca quando as metem no forno -
Nós órfãos queixamo-nos ao mundo:
Mundo porque nos tiraste as nossas mães ternas
e os pais que dizem: Meu filho, és parecido comigo!
Nós órfãos não somos parecidos com ninguém mais no mundo!
Ó Mundo
queixamo-nos de ti!


Nelly Sachs


Pai afasta de mim este cálice!

CARTAS DE COMUNISTAS (2)

MILITÃO RIBEIRO


«Militão Bessa Ribeiro, preso juntamente com Álvaro Cunhal em 25 de Março de 1949 (a sua quarta prisão» já se encontrava então com a saúde muito abalada por longos anos de prisão e duas deportações no Campo de Concentração do Tarrafal.
O rigoroso regime prisional, a alimentação imprópria e a falta de tratamento começaram por agravar-lhe os padecimentos. Esteve semanas inteiras sem evacuar, sendo-lhe inclusivamente recusado um clister. Cada vez mais abatido, acabou por adoecer gravemente e resolveu fazer greve da fome como protesto contra a falta de assistência médica e de uma dieta adequada.
Foi mudado para uma cela da enfermaria da Penitenciária, mas a situação manteve-se praticamente na mesma, no mais rigoroso isolamento, sem visitas da família nem mesmo correspondência.
(...) Até às vésperas da morte, Militão manteve a preocupação de de comunicar ao Partido a sua fidelidade e confiança. Escreveu várias cartas à Direcção do Partido, que foram interceptadas pelos carcereiros, só tendo chegado duas ao seu destino, uma das quais escrita com o seu próprio sangue.
A PIDE assassinou-o cruelmente, um crime lento, dos que não deixam vestígios. Militão morreu de inanição em 2 de Fevereiro de 1950».
(José Dias Coelho, A Resistência em Portugal)


Eis dois extractos dessas cartas, escritas com sangue, que chegaram à Direcção do Partido:

«Tenho sofrido o que um ser humano pode sofrer. Nem sei como tenho tido forças para tanto. Mas com todo este sofrimento nunca deixei de ter fé na nossa causa. Sei que venceremos.
Desde sempre mantive a disposição de dar a vida pelo Partido em todas as circunstâncias, assim como a dou de uma forma horrível e cheia de sofrimento. Mesmo quase já um cadáver, ainda fui esbofeteado por um agente. Dores, insónias, fome, agonias, tudo tenho sofrido nestes sete meses, quase sempre de cama, sem me poder mexer»
.

«Tenho confiança que sabereis vencer todos os obstáculos e levar o Povo à vitória, mantendo essa disciplina e controlo severo de uns sobre os outros em trabalho colectivo, como vínhamos fazendo e aperfeiçoando. Que infelicidade a minha só aos cinquenta anos ter começado a trabalhar dessa forma. Felizes os que vêm novos para o Partido e o encontram a trabalhar assim».


MILITÃO RIBEIRO

POEMA

AVISO


A noite que precedeu a sua morte
foi a mais breve de toda a sua vida
Pensar que estava vivo ainda
era um fogo no sangue até aos punhos
A sua força era tal que ele gemia
Foi quando atingia o fundo deste horror
que o seu rosto num sorriso se lhe abriu
Não tinha apenas um único camarada
mas sim milhões e milhões de camaradas
para o vingarem sim bem o sabia
E então para ele ergue-se a alvorada


Paul Éluard


CARTAS DE COMUNISTAS (1)

FRANCINE FROMOND


Aderiu à Juventude Comunista Francesa em 1934 - tinha então 16 anos de idade.
Pertencia a uma família de comunistas.
No início da ocupação nazi, funcionou - tal como sua mãe - como agente de ligação da Resistência.
Foram presas, ambas, no dia 30 de Julho de 1943.
A mãe de Francine morreu na tortura.
A jovem, horrivelmente torturada, foi transferida para Fresnes e condenada à morte.
Foi fuzilada no dia 5 de Agosto de 1944.
Tinha 26 anos.

Horas antes de ser executada, escreveu à irmã - a única pessoa da família que escapara às garras nazis - a seguinte carta:



«Minha irmã muito amada


Chegou a hora de te dizer adeus.
Minha querida, é preciso ter muita coragem.
Quanto a mim, tenho a necessária, e os companheiros de prisão poderão confirmar-to.
Mas não é de mim que quero falar. Queria dizer-te que os meus últimos pensamentos serão para ti.
Tu és a única que resta da nossa família, e acho que que tens um grande dever: permanecer fiel aos nossos ideais, pelos quais o nosso querido Marcel e a nossa mamã bem-amada deram também a vida.
Dar a vida pela felicidade dos outros é magnífico. E é graças ao nosso Partido que eu vivo esta alegria.
Que o teu pequeno Claude a experimente quando tiver idade para o entender. É por ele e pelos da sua geração que eu morro.
Será assim, estou bem certa.
Que os meus camaradas pensem, não em mim, mas na dedicação que tinha ao nosso grande Partido, e que isso os encorage a resistir nos dias difíceis.
A ti, Madeleine, adeus.
Coragem e confiança.
Mil beijos.
Francine»


FRANCINE FROMOND


POEMA

MASSA


No final da batalha,
e morto o combatente, aproximou-se dele um homem
e disse-lhe: «Não morras, amo-te tanto!»
Mas o cadáver, ai!, continuou a morrer.

Aproximaram-se dele dois e repetiram-lhe:
«Não nos deixes! Coragem! Volta à vida!»
Mas o cadáver, ai!, continuou a morrer.

Acudiram-lhe vinte, cem, mil, quinhentos mil,
clamando: «Tanto amor, e não poder nada contra a morte!»
Mas o cadáver, ai!, continuou a morrer.

Milhões de indivíduos o rodearam,
num pedido comum: «Não nos deixes, irmão!»
Mas o cadáver, ai!, continuou a morrer.

Então, todo os homens que há na terra
o rodearam; viu-os o cadáver triste, emocionado;
soergueu-se lentamente,
abraçou o primeiro homem. E começou a andar...


César Vallejo


AMÉN!

O facto de Bento XVI visitar a Espanha pela terceira vez desde que é Papa, não é obra do acaso.
Antes obra de Deus parece ser, já que o Papa considera ser a Espanha o país com mais condições para «relançar a fé católica»...

Não vou aqui estender-me em considerações sobre esta visita do Papa: para já, não comentarei nem os 50 milhões gastos, com os quais o governo espanhol mostra que dinheiro não falta para as coisas úteis; nem o apelo conjunto do Papa e de Zapatero à comunidade internacional para olhar para a situação dos que morrem à fome no Corno de África, onde Deus dorme e ressona; nem as múltiplas intervenções de Bento XVI relançando a fé católica, ou seja: vendendo o seu peixe a quem tem disponibilidade de compra...
Apenas digo que nada disto era necessário: nem a visita e os respectivos 50 milhões; nem a fome no Corno de África e no resto do mundo; nem a venda de fé...
Com efeito - e como no post anterior nos diz o Pasolini - bastava um gesto teu, Bento XVI, uma palavra tua, Pastor alemão...


Muito menos comentarei a mega-confissão, no decorrer da qual, em 200 confessionários instalados ao ar livre, 800 padres, revezando-se, ouviram, em várias línguas, as confissões de milhares de pecadores - tantos são os pecadores no teu rebanho, Pastor!- e, em várias línguas, os absolveram de todos os seus pecados - muitos e capitais pecados praticam os teus carneiros e as tuas ovelhas, Pastor!...

E quando eles, carneiros, e elas, ovelhas, souberem que «pecar não significa fazer mal, não fazer bem é que significa pecar»... então não há padres que cheguem para tanta confissão - nem com horas extraordinárias...

Amén!


POEMA

A UM PAPA


Poucos dias antes que morresses, a morte
tinha posto os olhos num teu coetâneo:
aos vinte anos, eras estudante, ele servente,
tu, nobre, rico, ele um rapazote plebeu:
mas os mesmos dias douraram sobre vós
a velha Roma que se tornava assim nova.

Vi os seus despojos, pobre Zucchetto.
Girava de noite, bêbedo, em volta dos Mercados,
e o eléctrico de São Paulo atropelou-o
e arrastou uma parte pelas linhas entre os plátanos:
algum tempo ali ficou, sob as rodas:
alguma gente se reuniu em torno a olhá-lo
em silêncio: era tarde, havia poucos passantes.
Um dos homens que existem porque tu existes,
um velho polícia, desleixado como um «guapo»,
gritava a quem se encostava muito: «Larguem-lhe a braguilha!»
Depois veio o automóvel dum hospital a carregá-lo:
a gente dispersou, ficou qualquer frangalho aqui e ali,
e a dona de um bar nocturno, mais à frente,
que o conhecia, disse a um recém chegado
que Zucchetto acabara sob o eléctrico, finara-se.

Poucos dias depois acabavas tu: Zucchetto era um
da tua grande grei romana e humana,
um pobre bebedolas, sem família e sem leito,
que girava de noite, vivendo quem sabe como.
Tu não sabias nada: como não sabias nada
de outros tantos e tantos cristos como ele.
Talvez seja feroz ao perguntar-me por que razão
a gente como Zucchetto era indigna do teu amor.
Há lugares infames, onde mães e filhos
vivem numa poeira antiga, em lama de outra época.
Precisamente não longo donde viveste,
à vista da bela cúpula de S. Pedro,
há um destes lugares, o Gelsomino...
Um monte talhado ao meio por uma mina e, em baixo,
entre pedras e uma fila de novos prédios,
um grupo de míseras construções, não casas mas pocilgas.
Bastava apenas um gesto teu, uma palavra tua,
para que aqueles teus filhos tivessem uma casa:
tu não fizeste um gesto, não disseste uma palavra.
Não te pedíamos que perdoasses a Marx! Uma onda
imensa que se refracta por milénios de vida
te separava dele, da sua religião:
mas na tua religião não se fala de piedade?
Milhares de homens sob o teu pontificado,
perante os teus olhos, viveram em estábulos e pocilgas.
Tu o sabias, pecar não significa fazer mal:
não fazer bem, isso é que significa pecar.
Quanto bem podias fazer! E não o fizeste:
não houve um pecador maior do que tu.


Pier Paolo Pasolini


Tomar Partido

«VIVA LA MUERTE!»

Eufóricos, os média dominantes anunciam para breve a «vitória dos rebeldes líbios»- e contam dos seus avanços, das cidades que conquistaram, do cerco a Tripoli... «está por dias» - e mostram fotos de grupos de «rebeldes» de braços no ar e dedos em V.

Quem os leia, ou ouça, e não disponha de informação, ficará a pensar... o que eles querem que pense: que os «rebeldes» constituem uma «força poderosa», imparável, capaz de fazer frente com êxito às «tropas do ditador»... - e uma «força libertadora, obviamente...

Por isso silenciam cirurgicamente os bombardeamentos da NATO, os mais de mil bombardeamentos diários que, desde há seis meses, espalham a destruição e a morte na Líbia e, assim, abrem caminho aos celebrados «avanços dos rebeldes»...

«Tripoli está por dias» - gritam, entusiasmados estes arautos da «liberdade de informação»...
E não dizem que as bombas da NATO acabaram com a energia eléctrica na capital, e que a água potável escasseia e quase está reservada apenas para os hospitais; e que as doenças proliferam e a morte alastra porque o embargo não deixa entrar medicamentos...
E assobiam para o ar face à hipocrisia criminosa da «protecção de civis», patente em tudo isso e mais nos muitos milhares de civis mortos, feridos e estropiados...
E silenciam os alertas do chefe das missões do Comité Internacional da Cruz Vermelha, Boris Michel, para o qual «as sanções impostas pela ONU contra a Líbia não são compatíveis com o direito internacional» - acentuando que mesmo «os mecanismos de excepção para a ajuda humanitária (previstos na decisão da ONU) não estão a ser observados na prática»...


Um dia destes, provavelmente, a Líbia será dominada pela força bruta do imperialismo.
Provavelmente, cairá nas garras dos que ordenaram os bombardeamentos, a destruição, a morte.
Provavelmente passará a ser mais uma colónia dos EUA.

E se assim for, os média dominantes gritarão que Tripoli caiu; e gritarão que a Líbia foi libertada; e gritarão que a democracia, a liberdade e os direitos humanos triunfaram.
E com essa gritaria estarão a dizer, por outras palavras, o que o outro dizia gritando «Viva la muerte!».


19 DE AGOSTO DE 1936

EL CRIMEN FUE EN GRANADA:
A FEDERICO GARCIA LORCA


1 - El crimen

Se le vio, caminando entre fusiles,
por una calle larga,
salir al campo frio,
aún con estrellas de la madrugada.
Mataron a Federico
quando la luz asomaba.
El pelotón de verdugos
no osó mirarle la cara.
Todos cerraron los ojos;
rezaron: ni Dios te salva!
Muerto cayó Federico
- sangre en la frente y ploma en las entrañas.
... Que fue en Granda el crimen
sabed - pobre Granada! - en su Granada.


2 - El poeta y la muerte

Se le vio caminar solo con Ella
sin miedo a su gadaña.
- Ya el sol en torre y torre, los martillos
en yunque - yunque y yunque de las fraguas.
Hablaba Federico,
requebrando a la muerte. Ella escuchaba:
«Porque ayer en mi verso, compañera,
sonaba el golpe de tus secas palmas,
y liste el hielo a mi cantar, y el filo
a mi tragedia de tu hoz de plata,
te cantaré la carne que no tienes,
los ojos que te faltan,
tus cabellos que el viento sacudia,
los rojos labios donde te besaban...
Hoy como ayer, gitana, muerte mia,
qué bien contigo a solas,
por estos aires de Granada, mi Granada!»


3 - Se le vio caminar...

Labrad, amigos,
de piedra e sueño en el Alhambra,
un túmulo al poeta,
sobre una fuente donde llhore al agua,
y eternamente diga:
el crimen fue en Granada, en su Granada!


António Machado

POEMA

NESTA HORA


Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
e lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
ganhar meio salário
como só ter direito
a metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
e o resto joga com habilidade
porque pensa que o povo só pensa metade
porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
partir do olhar da mão e da razão
partir da limpidez elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- sob o ausente olhar silente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
na nudez de alegria que nos veste

20 de Maio de 1974


Sophia de Mello Breyner Andresen


A VISÃO DA VISÃO

A revista Visão fala-nos, hoje, da rentrée dos partidos políticos.
O espaço dedicado a cada partido pela jornalista de serviço e a forma como trata cada um deles, é a habitual chapa 1 utilizada pela generalidade dos média dominantes.
Assim, obviamente, o BE ocupa o primeiro lugar em matéria de espaço e de simpatia da jornalista de serviço, logo seguido, obviamente, pelo partido do Governo...
E, obviamente, no último lugar, destacado, está o PCP.


É assim, textualmente, que a jornalista de serviço trata a rentrée do PCP:

«Sem novidades
, também o PCP já reservou a Quinta da Atalaia para a 35ª edição da Festa do Avante!, para os dias 2, 3 e 4 de Setembro».


Este «sem novidades» é uma das muitas muletas da cassete a que jornalistas e comentadores do sistema recorrem sempre que se referem às actividades ou às tomadas de posição do PCP.
Serve esta muleta para «mostrar» que os outros partidos, todos, sem excepção, andam sempre carregados de «novidades»...

Quanto à «reserva» da Quinta da Atalaia... olha se o PCP se tem esquecido de a «reservar»?!... Ainda tínhamos o BE, ou o PS, ou o PSD, ou o CDS - ou todos juntos - a fazerem lá a(s) sua(s) festa(s)...


Esta visão da Visão seria sobretudo ridícula se não fosse aquilo que é: o espelho do estado de apodrecimento a que chegaram os média dominantes e os «jornalistas» que os fecundam...


POEMA

COM FÚRIA E RAIVA


Com fúria e raiva acuso o demagogo
e o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
que de longe muito longe um povo a trouxe
e nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
o homem soube de si pela palavra
e nomeou a pedra a flor a água
e tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
que se promove à sombra da palavra
e da palavra faz poder e jogo
e transforma as palavras em moeda
como se fez com o trigo e com a terra


Sophia de Mello Breyner Andresen


O RECADO

Segundo o jornal i, «o multimilionário norte-americano Warren Buffett enviou um recado a Barack Obama».
Diz Buffett, num artigo publicado no New York Times, que «a partilha de sacrifícios pedidos à população é injusta para as classes mais pobres»
Por isso clama: «Parem de mimar os super-ricos».
(e explica que no último ano, enquanto ele pagou de impostos apenas 17, 4% do seu rendimento, «as taxas de impostos das 20 pessoas que trabalham no meu escritório, foram de entre 33% e 41%»).

É claro que Buffett sabe que a fortuna que tem foi conseguida através da exploração.
E sabe também que a actual crise do capitalismo, que assume aspectos de extrema gravidade, está a evidenciar de forma clara, as fragilidades do capitalismo.
E sabe, por isso, que para continuar a ser o que é - o homem mais rico do mundo - é preciso que o sistema capitalista funcione...
Porque, homem prevenido que é, sabe ainda que, como disse o economista Nouriel Roubini ao Wall Street Journal, «Marx estava certo quando disse que o capitalismo pode destruir-se a si próprio»...

Em todo o caso, o «recado» de Buffett a Obama merece ser registado... tanto mais quanto, por cá, continuamos a ouvir dizer todos os dias que «os sacrifícios são para todos»...
E não parece muito provável que um qualquer amorim ou belmiro envie idêntico «recado» ao Passos/Portas...


POEMA

CATARINA EUFÉMIA


O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
e eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
porque a lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
e não ficaste em casa a cozinhar intrigas
segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres
nem usaste de manobra ou de calúnia
e não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
em que era preciso que alguém não recuasse
e a terra bebeu um sangue duas vezes puro

Porque eras a mulher e não somente a fêmea
eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste

E a busca da justiça continua


Sophia de Mello Breyner Andresen



BANDO DE CRIMINOSOS

Provavelmente, a Assembleia Geral da ONU pronunciar-se-á, no próximo mês de Setembro, sobre o reconhecimento do Estado da Palestina - e, também provavelmente, a decisão será favorável.
Se assim for, será dado um importante passo em frente no caminho da paz e do respeito pelos direitos do sacrificado povo palestino.

Por isso, os senhores da guerra, pela voz do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já alertaram o governo dos EUA para que tal reconhecimento «prejudicaria a paz no Médio Oriente»...
Percebe-se o alerta: Netanyahu sabe, melhor do que ninguém, que quem ameaça a paz e mantém a situação de guerra naquela zona, visando o extermínio dos palestinos, é Israel, apoiado incondicionalmente pelos EUA...
E toda a gente sabe que o governo fascista de Israel é apoiado e protegido militar e diplomaticamente pelo governo de Obama - com 3 mil milhões de dólares anuais em armas e tecnologia de última geração; com votos e vetos na ONU contra qualquer tentativa de condenação ou crítica a Israel; e com o não acatamento impune de resoluções da ONU favoráveis aos palestinos.

O governo de Obama já fez saber que ouviu atentamente o alerta de Netanyahu e que o considera pertinente, porque a «paz» blá-blá-blá e os «planos de paz» igualmente...
E, com a clareza e o pragmatismo que lhe são característicos, em meia dúzia de palavras, o governo do Prémio Nobel da Paz disse o que pensa sobre o assunto: «ir à ONU é uma má ideia»...

Claro: boa ideia, para Obama, é continuar a falar em «paz» e «planos de paz» que não conduzem a nada que não seja dar mais força aos fazedores da guerra.

Netanyahu e Obama estão bem um para o outro: o carniceiro israelita integra o bando de criminosos que hoje domina o mundo; o presidente dos EUA é o chefe incontestável do bando de criminosos.



POEMA

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA



Para que ela tivesse um pescoço tão fino
para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
para que a sua espinha fosse tão direita
e ela usasse a cabeça tão erguida
com uma tão simples claridade sobre a testa
foram necessárias sucessivas gerações de escravos
de corpo dobrado e grossas mãos pacientes
servindo sucessivas gerações de príncipes
ainda um pouco toscos e grosseiros
ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdício de gente
para que ela fosse aquela perfeição
solitária exilada sem destino


Sophia de Mello Breyner Andresen


OS MUROS E O MURO

O muro de Berlim é um dos muitos temas que faz as delícias dos média do grande capital.
Umas vezes para chorar o seu nascimento, outras vezes para festejar a sua morte, outras vezes apenas porque sim, ou ainda, porque não, é certo e sabido que ele é presença certa, várias vezes no ano, na generalidade desses média - assim como as bolas do mesmo nome são presença certa nas praias...

«Muro de Berlim», lhe chamam, às vezes; outras vezes, por «Muro da Vergonha» o tratam - mas a tendência parece ir no sentido de o designarem apenas e só por O Muro.
Esta designação tem a enormíssima vantagem de, conferindo à coisa uma maior proximidade (como está na moda dizer-se), fechar portas, cerrar fronteiras, erguer muros à referência a outros muros...

Porque, como sabemos, há muros e há muros...
Melhor dizendo: há muros e há O Muro: os muros são simpáticos, úteis, amigos, nossos... O Muro, esse é hediondo, horroroso, inimigo, deles...

Há um muro de 250Km. a dividir a Coreia - sim, dizem os média em coro, mas há O Muro!
Há um muro com mais de 1000 Km. na fronteira dos EUA com o México - sim, mas que importa esse murozeco se há O Muro??!!
Há um muro, que cresce todos os anos, com o qual o governo de Marrocos assegura a ocupação do Sahara Ocidental - sim, mas... há O Muro!
Há um muro de 400 Km com o qual Israel ocupa terras palestinas - Sim, mas... e O Muro??!!...

Vistas as coisas por este prisma... muros há só um: o de Berlim e mais nenhum...
E esse é O Muro, o que deve ser derrubado todos os dias, sem hesitações nem complacências...
Ontem, «nas cerimónias dos 50 anos da construção do Muro», o presidente do município de Berlim (o social-democrata Klaus Wowereit), foi bem claro ao ameaçar que «não pode haver complacência para com os que relativizam os horrores do muro»...

Entretanto, segundo uma sondagem realizada pela revista alemã Super Illu, 83% dos alemães orientais dizem que em vez de um muro, há hoje vários «muros invisíveis»: os muros do capitalismo...
Mas esses são muros da casa...


POEMA

CAMÕES E A TENÇA


Irás ao paço. Irás pedir que a tença
seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
calúnias desamor inveja ardente
e sempre os inimigos sobejaram
a quem ousou mais ser que a outra gente

E aqueles que invocaste não te viram
porque estavam curvados e dobrados
pela paciência cuja mão de cinza
tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao paço pacientemente
pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente


Sophia de Mello Breyner Andresen


SERENATA DA FIDELIDADE

Vinte e dois artistas de nove países deram os parabéns a Fidel Castro pela passagem do seu 85º aniversário natalício.
Foi a noite passada, no Teatro Karl Marx, em Havana, na Serenata da FIDELidade - espectáculo organizado pela Fundação que tem o nome do grande pintor equatoriano Oswaldo Guayasamin.

Falando em nome da família de Guaysamin, Alfredo Vara, o organizador do espectáculo, disse que «esta Serenata da FIDELidade não é só uma homenagem a um ser humano que reúne notáveis virtudes e valores; é fundamentalmente um acto de gratidão, de reconhecimento, ao líder vitorioso - ao Irmão da Humanidade, ao Eterno Comandante - e um tributo, através da sua pessoa, ao heróico povo de Cuba e à Revolução Cubana».

Na verdade, ninguém mais apropriado do que Fidel para ser o portador de tal mensagem ao povo cubano.
De Moncada à entrada vitoriosa em Havana; da assumpção do carácter socialista da Revolução à resistência heróica face ao criminoso bloqueio decretado pelo imperialismo norte-americano - sempre, sempre com uma postura de exemplar solidariedade internacionalista - a sua vida e a sua acção marcam impressivamente a história da luta libertadora não apenas do povo de Cuba, mas também dos trabalhadores e povos de todo o mundo.

O nome de FIDEL ficará, para sempre, como um dos maiores na história do movimento revolucionário mundial do século XX.

PARABÉNS FIDEL!

POEMA

MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA
OU
O ITINERÁRIO INELUTÁVEL



Minúcia é o labirinto Muro por muro
pedra contra pedra livro sobre livro
rua após rua escada após escada
se faz e se desfaz o labirinto
Palácio é o labirinto e nele
se multiplicam as salas e cintilam
os quartos de Babel roucos e vermelhos
Passado é o labirinto: seus jardins afloram
e do fundo da memória sobem as escadas
Encruzilhada é o labirinto e antro e gruta
biblioteca rede inventário colmeia -
Itinerário é o labirinto
como o subir de um astro inelutável -
Mas aquele que o percorre não encontra
toiro nenhum solar nem sol nem lua
mas só o vidro sucessivo do vazio
e um brilho de azulejos íman frio
onde os espelhos devoram as imagens

Exauridos pelo labirinto caminhamos
na minúcia da busca na atenção da busca
na luz mutável: de quadrado em quadro
encontramos desvios redes e castelos
torres de vidro corredores de espanto

Mas um dia emergiremos e as cidades
da equidade mostrarão seu branco
sua cal sua aurora seu prodígio


Sophia de Mello Breyner Andresen

ATÉ UM DIA!:::

Reina grande contentamento nas hostes governamentais: a troika prepara-se para dar «nota positiva ao governo».
E não é caso para menos: com efeito, nesta primeira fase, o governo Passos/Portas (mais Gaspar, Álvaro & Cia), cumpriu exemplarmente a sua função; obedeceu, com fidelidade canina e sem pestanejar, a tudo o que a troika mandou, enfim, comportou-se, segundo os jornais, «como um bom aluno» - ou, dizendo com mais rigor, «como um bom gatuno».
Roubou que se fartou, por isso cumpriu.

Mas... há sempre um mas... a troika, insaciável, quer mais, acha que é necessário roubar mais, muito mais... e o governo, servilíssimo, anuncia mais roubos - que elegantemente designa por «cortes»...
Cortes» na Saúde (pelo menos 200 milhões de euros nos «custos operacionais dos hospitais» e «corte na Educação» (corte de 195 milhões de euros na rede escolar - a começar já com o encerramento de 297 escolas)

Hoje, a troika, em voz de dona, felicitá-los-á pelo excelente trabalho que fizeram: e eles, lambendo-lhe as mãos, acenam com as cabeçorras, babam-se, abanam os rabinhos e... vão continuar a roubar-nos...

Até um dia!...


POEMA

CAXIAS 68


Luz recortada nesta manhã fria
muros e portões chave após chave
O meu amor por ti é fundo e grave
confirmado nas grades deste dia


Sophia de Mello Breyner Andresen

AH!, SE EU PUDESSE!...

A NATO - às ordens de Obama e dos seus lacaios europeus - continua a «proteger civis líbios»: na sexta-feira, dia 5, um bombardeamento sobre a cidade de Zliten, tirou a vida a pelo menos 32 pessoas.
Três dias depois, foi a vez de a aldeia de Majar, nos arredores daquela cidade, ser objecto de nova acção de «protecção»: para começar, foram lançadas três bombas que cumpriram bem a sua função «protectora».
Depois, os «protectores» aguardaram uns momentos: e quando a população saiu às ruas a socorrer os feridos, lançaram mais três bombas.
Nas ruas, sem vida, ficaram os corpos de 33 crianças, 32 mulheres e 20 homens - todos devidamente «protegidos» pela benemérita acção dos EUA, da Grã-Bretanha e da França.

Em Tripoli, os alimentos, medicamentos, água potável e electricidade estão a chegar ao fim, por efeito do boicote e de actos de sabotagem.
Mesmo assim, os «protectores» continuam a bombardear a capital: na segunda-feira, 15 mísseis foram lançados sobre Tripoli, espalhando a morte e a destruição.

Em resumo: nestes quatro meses de bombardeamentos para «proteger civis», a NATO atingiu «1600 objectivos civis», provocando mais de 2000 mortos.

Mas a missão não está ainda cumprida...
Por isso, a «protecção a civis líbios» vai continuar - se necessário até ao último civil vivo...



Ah!, se eu pudesse «proteger» o Obama e o Cameron e o Sarkozi!...



POEMA

DUAL


Dois cavalos a par eu conduzia
Não me guiava a mim mas meus cavalos

E no país de espanto e de tumulto
em mim se desuniu o que eu unia


Sophia de Mello Breyner Andresen

COMO ERA NO INÍCIO?...

Clara Ferreira Alves é uma admiradora convicta de Mário Soares - de tal forma que quando não tem mais nada que fazer, entrevista-o.
E foi o que fez, uma vez mais, no Expresso (revista Única), em 7-páginas-7 de perguntas, respostas e fotos do entrevistado.
Diz ela, em jeito de introdução explicativa da razão de ser da entrevista que,
: Soares «atravessou do século XX para o XXI sem perder uma só das qualidades que fazem dele o chefe singular que foi e continua a ser»;
e que : Soares «com uma vida intensa e riquíssima. já deu numerosas entrevistas. Mas em cada uma delas consegue ter sempre algo de novo para dizer».

Tentei, em vão (certamente por incapacidade minha), detectar uma só das qualidades que Clara encontra em Soares - e avancei para a leitura da entrevista à procura do «algo de novo» prometido pela entrevistadora.
Procurei, procurei... Soares repetiu pela enésima vez, desta vez à Clara, aquilo que está farto de dizer e escrever em entrevistas e artigos: o seu sonho federalista para a Europa - onde não há líderes à altura (havia um, mas... - isto digo eu); a sua admiração extrema por Obama; a sua admiração por Passos Coelho; o seu ódio ao PREC; a sua antipatia por Blair e pela Terceira Via...

E foi sempre a dizer «algo de novo» que o entrevistado - fundador de um partido baptizado com o nome de partido socialista e reclamando-se marxista - repetiu uma vez mais:
«O capitalismo é o único sistema que temos e não temos nada que o substitua. O que é preciso é que seja ético, com princípios, como era no início».

Pronto, está visto que o «socialismo ético e com princípios» é a receita de momento nas hostes rosa, já que ele é também defendido pelo actual secretário-geral Seguro.

Só não percebi - talvez por ser este o único «algo de novo» em toda a entrevista - aquele «como era no início» que Soares acrescentou ao seu «socialismo ético»...

Se fosse eu a entrevistá-lo, ter-lhe-ia perguntado: COMO ERA NO INÍCIO? QUANDO?

Mas a Clara não perguntou e as coisas ficaram por ali...

AH!, SE ELA FOSSE PERFEITA!...

Notícias de Portugal, da Europa e do Mundo:

Como se esperava
, a reunião da presidente da Assembleia da República com a troika «correu bem».
Como se sabia, as «embaixadas estão cheias de "boys" e "girls", cujos ordenados podem chegar aos 15 mil euros».

Como tudo fazia prever, «Londres já está a arder»...
Como não podia deixar de ser, a polícia metropolitana londrina prepara uma «importante operação para acabar com os motins».
Como lhe competia, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, horas antes de interromper as férias, em Itália, e regressar a Londres, afirmou, peremptório, que «interromper as férias em Itália não está nos meus planos».

Como se impunha, Obama garantiu que «os Estados Unidos serão sempre um país com rating de AAA».
Como os factos mostraram, as garantias de Obama não convenceram os mercados e as bolsas estão a cair».

Como se estava mesmo a ver, «economistas falam em recessão global: as fragilidades da economia dos Estados Unidos juntam-se à crise do euro para a tempestade perfeita».

Ah! se ela fosse perfeita!...


POEMA

TRADUZIDO DE KLEIST


Dizem que no outro mundo o sol é mais brilhante
e brilha sobre campos mais floridos
Mas os olhos que vêem essas maravilhas
são olhos apodrecidos


Sophia de Mello Breyner Andresen