POEMA

TU, PIEDADE


(Os jornais e os filmes divulgam, com terror sinistro, a existência dos campos de concentração hitlerianos. Montes de esqueletos.)


Tu, piedade,
que vens lá do fundo
da raiz do instinto
e és capaz de incendiar o mundo
para aquecer um faminto.

Tu que me embalas
com a voz rouca
da cólera do amor
que deixa na boca
o frio das balas
e todo o amargor
da outra sede
que só se sufoca
com pus e suor
- e os dedos sangrentos
na cal da parede
dos fuzilamentos.

Tu que me afagas
como quem estrangula
com mãos de bandido...
E beijas as chagas
com lábios de gula
e chumbo derretido.

Tu que só amas
a dor com esgares
nos gritos das chamas,
nas cordas dos potros,
na cruz do Rabi
~para assim chorares,
através dos outros,
o que dói em ti.

Tu que me levas
de rastos na estrada
ao fundo da rampa
onde só há trevas
- raiz misturada
de estrelas e trampa.

Tu que descobres
toda a secura
de cinza nos frutos
que há na ternura
de chorar os pobres
de olhos enxutos.

Tu, piedade,
mãe de todas as mães
e de todos os vícios,
que lambes como os cães
oe vergões dos cilícios.

Dá-me lágrimas reais
na cara a correr
como se a pele sangrasse...
Dessas que deixam sinais
e fazem doer
por dentro da face.

Dá-me lágrimas geladas
como dedos nos gatilhos
em noite de lobos...
Que eu quero baptizar com elas
todos os filhos
da fúria das cadelas,
dos réprobos e das ladras,
de estrupos e de roubos.

Dá-me o ódio frio
que vem lá do fundo
do bafio das prisões
- ódio que há-de salvar o mundo
num dia de lágrimas nos olhos,
quentes como corações.


José Gomes Ferreira

A TRADIÇÃO

Eis os título e sub-título de uma peça assinada por Rui Pedro Antunes e publicada no Diário de Notícias de hoje:

«Partidos voltam aos comícios em clima de pré-crise»
«Rentrées - Já deixou de ser moda, mas os partidos recuperaram-na: os comícios de rua voltam a marcar o regresso dos líderes depois do Verão».

Trata-se de uma peça igual às que os restantes jornais irão publicar um dia destes - e todas elas são, no essencial, iguais às que todos publicaram há um ano (e há dois, e há três...) tendo como tema a «rentrée» - ou seja, o reinício da actividade dos partidos após as férias - e os «comícios».
Com efeito, todos os anos - desde há mais de uma década - os média decretam que o tempo dos comícios acabou, que são coisa do passado, incompatível com a modernidade dos tempos actuais, que horror!, «discursos políticos debaixo de um intenso cheiro a sardinhas»...
E todos os anos por esta altura, esses mesmos média, anunciam os comícios que os diversos partidos preparam para a rentrée...

É isso que o DN de hoje, fiel à tradição, repete, anunciando os comícios de todos os partidos com todos os líderes desses partidos.
Todos?: bom, também no escrupuloso respeito pela tradição, o DN não esquece a habitual excepção...
Assim, ficamos a saber que:
1 - Pedro Passos Coelho vai discursar «na mítica Festa do Pontal, no Algarve»;
2 - José Sócrates vai discursar no comício do PS em Matosinhos;
3 - o líder do CDS-PP vai intervir num comício, provavelmente na «Praça do Peixe, em Aveiro»;
4 - Francisco Louçã... bem, o Louçã é o Louçã, o BE é o BE, são da Casa...
Pelo que, sempre no respeito pela tradição, o jornalista produz a tradicional peça de propaganda política. Começa assim: «Quem nunca largou e não largará os comícios é o Bloco de Esquerda. Fazendo jus à expressão "Se Maomé não vai até à montanha, a montanha vai até Maomé", os bloquistas colocaram zonas de praia como parte de um roteiro de mais de 40 comícios, que, aliás, já começou» - e, depois deste intróito, o jornalista dá a palavra ao «organizador» da programação bloquista que completa a acção de propaganda.
5 - quanto ao PCP... bem, o PCP é o PCP, não é verdade?, convém não falar muito nele... ele que, desrespeitando o decreto mediático, faz comícios durante todo o ano; ele que desenvolve uma actividade maior do que a soma das actividades de todos os restantes partidos (mas uma actividade que os média silenciam e que, portanto, não existe...)
Neste caso, o jornalista, não podendo, de todo, ignorar a Festa do Avante!, lá concede, resumidamente, que sim senhor, o PCP vai fazer «a Festa do Avante!, a mais tradicional das festas partidárias em Portugal. O cartaz já é conhecido e sabe-se que haverá um concerto sinfónico de homenagem à "Carvalhesa". A "festa" é de 3 a 5 de Setembro».
E pronto: nem comício, nem intervenção do secretário-geral do Partido, nem referências aos comícios e outras iniciativas políticas do PCP neste mês de Julho e no próximo mês de Agosto...

Não há dúvida: a tradição ainda é o que era...

POEMA

ELÉCTRICO


XLII


(Um momento de filosofia barata.)



Para além do «ser ou não ser» dos problemas ocos,
o que importa é isto:
- Penso nos outros.
Logo existo.


José Gomes Ferreira

PERGUNTO

Lembram-se do «cheque-dentista»?
Foi uma das muitas generosas dádivas do primeiro-ministro José Sócrates aos portugueses.
Ele próprio a anunciou, ainda no seu primeiro governo, estrelejando foguetes como é seu hábito: «as crianças, as grávidas e os idosos com poucos recursos» iam passar a ter «acesso geral à saúde oral».
Bastava, para isso, recorrerem ao «cheque-dentista» que seria «passado a todos e segundo as suas necessidades».
Resolvido deste modo o problema da «saúde oral», Sócrates passou à dádiva seguinte, e à seguinte, e á seguinte - como é sabido, em matéria de dádivas, ele é incontinente...
E do «cheque-dentista» não mais se ouviu falar.

Até agora!
Com efeito, os dentistas, através da sua Ordem, fizeram saber que recusam todos os clientes que se lhes apresentem com o referido cheque. Isto porque, dizem, se trata de um cheque sem cobertura.
De tal forma que «o Estado já lhes deve quatro milhões de euros»...

De tudo isto retiro a conclusão de que afinal, o «cheque-dentista» também era mentira.

E pergunto: será que Sócrates só diz mentiras? - inclusive quando, há dias, a propósito já não sei de quê, dizia que «a verdade vem sempre ao de cima»?...

POEMA

ELÉCTRICO


XLII


E se eu de súbito gritasse
nesta voz de lágrimas sem face!:

Eh! companheiros da plataforma
presos ao apagar do mesmo pavio!
Porque não nos amamos uns aos outros
e damos as mãos
- sim, as nossas mãos
onde apodrecem aranhas de bafio?

Eh! companheiros da plataforma!
Não empurrem, Irmãos.)


José Gomes Ferreira

DE VEZ EM QUANDO

De vez em quando - muito, muito de vez em quando - lemos, nos jornais, coisas interessantes.
No que me diz respeito, nas vezes em que isso me acontece não apenas fico imensamente feliz, como sinto necessidade de partilhar essa felicidade com os amigos.

Fiquei feliz ao ler, na última edição do Sol, uma entrevista com João Monge - poeta, letrista, ligado das mais diversas formas a vários projectos musicais, designadamente: Trovante, Ala dos Namorados, Rio Grande, Pássaro Cego, Baile Popular - entrevista da qual passo a transcrever extractos:

P:«Há uma maneira diferente de estar na arte entre direita e esquerda?»
R: «Há uma maneira diferente de estar na vida. Hoje quando ligamos os "telejornais" (...) aparece sempre um gajo a dizer: "Isso é a Lei do Mercado". Depois de ouvir isto tantas vezes, fui consultar os canhenhos. Pensei que talvez fosse uma lei de Newton ou de Kepler que me tivesse escapado. Mas não. Ainda andei a ver se estava escrita nos astros, mas também não estava. A Lei do Mercado (...) é uma construção humana e, perante essa construção humana, há formas de estar distintas. Eu não consigo dizer a um gajo que está a passar fome para ele ter paciência, porque é a Lei do Mercado. Não consigo porque esse gajo é igual a mim e, como eu não estou no mercado, acho que ele também não deve estar. É só isto»
(...) Uma diferença fundamental entre direita e esquerda é que a direita tem mais jeito para fazer leis, seja a Lei do Mercado ou a da Santa Inquisição. Só lhe posso dizer que o meu coração bate à esquerda».
(...)Alguns políticos são capazes de me convocar para uma intervenção cívica. Outros não são, porque me dizem que o "mercado" vai resolver tudo».

P: «Sócrates é de direita?»
R: «Nos anos 70, quando eu era jovem, acusava-se o PCP de querer acabar com a inicativa privada em Portugal, mas, nos últimos 10 anos, os partidos que nos governam deram cabo de mais iniciativa privada do que dez Vascos Gonçalves todos juntos. Só no ano passado foram 20 mil falências. Isto aconteceu porque houve uma redistribuição? Não. Aconteceu porque a política tem sido uma política de concentração. Se isto não é de direita, então o que é de direita?»

P: «Revê-se na doutrina comunista ou numa sociedade de inspiração marxista?»
R: «Não posso responder directamente, porque não tenho recursos para ter essa discussão em termos económicos. Mas sei que poderia ser bonito termos uma sociedade em que cada um contribuísse na razão directa daquilo que recebe. (...) Ter esse desejo é ser comunista? Então julgo que qualquer pessoa bem formada é comunista».

E sobre a candidatura de Manuel Alegre às presidenciais:
«Alegre é um homem que já travou muitas batalhas. Em cada três frases que diz trava duas batalhas. A questão é que essas batalhas, nos últimos trinta e tal anos, têm-se resumido a entregar declarações de voto ao Jaime Gama. Espero que o próximo Presidente - seja ele qual for - zele pela Constituição da República, para que ela não se transforme numa folha de Excel com tecto máximo para o défice, quando o que é necessário é um tecto mínimo para a pobreza».


Repetindo-me: de vez em quando - muito, muito de vez em quando - lemos, nos jornais, coisas interessantes.

POEMA

ELÉCTRICO


XXXI


(Sim! Vivam os bons sentimentos! Viva a poesia humanitária!)


Pobre flor pisada!
- onde uma ninfa de perfume
ainda se estorce e desenrola...

(Bem sei, covarde. Choras a flor
para te esqueceres da criança que te pediu esmola.)


José Gomes Ferreira

NÃO DIGO NADA

Diz o Público: «Ao fim de seis anos de investigação, o Ministério Público não encontrou indícios suficientes para acusar quem quer que fosse pela prática de crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento de capitais ou financiamento partidário ilegal no processo de licenciamento do centro comercial Freeport, em Alcochete».

Pronto: está tudo esclarecido - como estava previsto.
Pronto: não houve ilegalidades, tudo foi legal - como se previa.
Pronto: a Justiça tardou mas arrecadou - como era de prever.

Disse José Sócrates: «A verdade acaba sempre por vir ao de cima».

E disse La Rochefoucauld: «a verdade não faz tanto bem neste mundo como as suas aparências fazem mal».

E disse Picasso: «Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema».

E disse Montaigne: «Nada parece verdadeiro que não possa parecer falso».

E disse Montesquieu: «Verdade hoje, mentira amanhã».

E eu não digo nada.

POEMA

ELÉCTRICO


XXIX


(A Eterna Criança que me persegue a pedir esmola.
Grito de cólera.


Ouve, Não-sei-quem:

recuso-me a viver
num mundo assim de lua podre
disfarçado de flores
com repetições de esqueletos
e a Eterna Voz Faminta
aqui na minha frente
- pálida de existir!

Ouve, Não-sei-quem:

e se, depois de tudo isto,
ainda há céu e inferno
ou outra sombra intermédia,
recuso-me terminantemente a morrer
e a entrar nessa comédia!


José Gomes Ferreira

OLÉ!

O CDS/PP, no âmbito da sua intensa actividade política, organizou uma corrida de touros.
O evento ocorreu nas Caldas da Rainha e contou com a presença - para além dos touros, cavaleiros, forcados e peões de brega - de Paulo Portas.
«Na assistência via-se uma grande faixa da Juventude Popular».

Os forcados dedicaram várias das pegas realizadas ao líder do CDS.
E «por mais de uma vez os ferros que espetavam os touros eram erguidos pelos cavaleiros com a bandeira do CDS».
No intervalo da tourada, Paulo Portas, muito aplaudido, desceu à arena e cumprimentou «cavaleiros, forcados e peões de brega».

No final, interpelado por jornalistas, Portas declarou: «O CDS-PP não tem uma posição oficial sobre as touradas. Há muita gente que é contra e muita gente que é a favor. Mas sempre que quiserem atacar as touradas, o CDS defende-as».
E recusou-se a prestar mais declarações aos jornalistas - afastando-os com um peremptório: «Não confundo política com entretenimento».
E afastando-se, politicamente, do local do entretenimento...
Olé!

POEMA

ELÉCTRICO


XXII


(Companys, antigo presidente da República catalã, foi entregue pelo Hitler ao Franco e fuzilado)


Hoje proíbo as roas de nascerem diante de mim!
Proíbo as deusas de dançarem nos olhos das crianças!
Proíbo os corpos das mulheres de terem outro destino que a morte!

Sim, proíbo!
E (baixinho, em sonho) aos gritos no mundo
ordeno aos homens
que venham para a rua descalços
para sentirem nos pés nus
o silêncio da terra
- e o terror de viverem num planeta
onde os fuzilados não ressuscitam,
nem os malmequeres protestam com flores de luto
contra este sol que continua a fabricar primaveras mecânicas
e este cheiro tão bom a mulheres novas nas árvores com cio!


José Gomes Ferreira

A DEMOCRACIA DELES

A intensificação das provocações do imperialismo norte-americano contra os regimes progressistas da América Latina está a assumir aspectos de extrema gravidade.
Nos últimos dias, as provocações sucedem-se, especialmente a partir da Colômbia, a menina dos olhos de Obama naquela região.
A Venezuela é o alvo prioritário, estando criada uma situação que levou o Presidente Hugo Chávez a anular a sua viagem a Cuba e sendo previsível, a curto prazo, o agravamento e a agudização da situação.

Entretanto, paramilitares colombianos vêm a público revelar as práticas a que recorrem na sua acção ao serviço do regime.
Dizem eles que as ordens que têm - vindas do narco-fascista Uribe, obviamente - são no sentido de matar os inimigos mas sem deixar rasto, ou seja «fazer desaparecer os corpos de qualquer maneira», de forma a que não haja provas dos crimes que cometem.
Para cumprir as ordens, os paramilitares têm recorrido a métodos vários, designadamente «desmembrar os corpos e enterrá-los em valas comuns ou lançá-los aos rios».

Calcula-se que existam na Colômbia mais de mil valas comuns com milhares de corpos - recentemente foi descoberta uma com dois mil corpos.
Os militares uribistas dizem que se trata de «guerrilheiros mortos em combate», mas a verdade é que se trata de «líderes sociais, camponeses e comunitários dados como desaparecidos».
Um paramilitar, falando das valas comuns para onde são lançadas as vítimas, confessa que «muitas vezes isso é feito com as pessoas ainda vivas».
Todavia, a maior e mais recente inovação introduzida na Colômbia para fazer desaparecer os corpos, reside, dizem os paramilitares, nos «fornos crematórios onde os corpos são incinerados».

É esta a «democracia» que Obama e os seus lacaios querem impor à América Latina.

POEMA

ELÉCTRICO


XXI


(Canta, canta, sem problemas.)


Melodia apenas
- sem caveiras de fogo
a iluminarem o pensamento das pedras.

Melodia penas
- sem o suor das mãos dadas
no guiar dos labirintos.

Melodia apenas
- sem lágrimas por dentro das flores
a queimarem os corações dos mortos.

Melodia apenas
dos pássaros ocos
a cantarem nas árvores
a repetição emplumada
do cio do primeiro mundo...

Vem, melodia!

Melodia apenas.


José Gomes Ferreira

A MEMÓRIA DO CANDIDATO

Haverá um «acordo entre PS e PSD», visando o entendimento dos dois, na base de uma «troca de cedências mútua», no «Orçamento do Estado e na revisão da Constituição»?

Sobre o assunto pronunciou-se o candidato de Sócrates e Louçã às presidenciais.
Em declarações proferidas na Amadora, Manuel Alegre rejeitou liminarmente tal hipótese: «Não me passa isso pela cabeça» - e explicou as suas razões: «porque isso seria uma degradação da democracia».

São louváveis as razões de Manuel Alegre - embora algo estranhas e um pouco tardias...
Na verdade, como Alegre sabe por experiência própria - e, portanto, melhor do que ninguém - a «degradação da democracia» tem sido a tarefa principal do PS e do PSD ao longo dos últimos 34 anos.
Com efeito, durante essas mais de três décadas a Constituição foi revista sete vezes - sempre através de acordos PS/PSD - e foram aprovados dezenas de orçamentos do Estado de governos ora PS ora PSD, mas todos servindo a política de direita.

Ora, se puxar um pouco pela memória, Manuel Alegre facilmente recordará as suas responsabilidades pessoais nessa «degradação da democracia» - e facilmente constatará que «o processo de revisão constitucional» em curso e as declarações de uns e de outros sobre a matéria, se inserem na preocupação, comum ao PS e ao PSD, de servir a política de direita que ambos, alternadamente, têm vindo a praticar ao longo dos últimos 34 anos - e que ambos desejam prosseguir seja qual for o candidato eleito nas próximas presidenciais...

POEMA

ELÉCTRICO

XI


(Que vontade de esbofetear estes palermas a meu lado
nos cafés e nos eléctricos a fingirem de Vida Acesa!)


Antes os mortos hirtos, de pé, por dentro dos ciprestes
a beijarem a caveira da lua,
do que estes, do que estes,
a nosso lado na rua.

São mortos sem cemitério,
mortos da Morte Arrefecida
- a que tiraram todo o mistério
para lhe chamarem vida.


José Gomes Ferreira

NOBILÍSSIMO OBJECTIVO

Há um mês, a ministra Isabel Alçada anunciou o encerramento de 500 escolas do 1º ciclo com menos de 21 alunos - a bem da educação, da cultura, enfim, da Nação...
Ontem, a ainda ministra Alçada veio dizer que, afinal, não são 500 as escolas que vão encerrar: são 701.
701!: portanto melhor, muito melhor do que 500 - como facilmente compreende quem perceber que quanto mais escolas encerrarem, mais a educação avança...

Estas 701 escolas já não abrirão no próximo ano lectivo e estão assim distribuídas:
384 na zona Norte;
155 na zona Centro;
119 na zona de Lisboa e Vale do Tejo;
32 no Alentejo; e
11 no Algarve.

A medida, cujo alcance educativo/cultural foi devidamente sublinhado pelo Governo de Sócrates, surge na sequência de idênticas preocupações reveladas pela saudosa Maria de Lurdes Rodrigues, a qual (antes de ir aprender inglês para a Fundação Luso Americana) já tinha ordenado o encerramento de 2500 escolas - gesto que a afirmou como pioneira no desbravamento dos caminhos rumo à modernidade na educação...

Porque é de modernidade que se trata: a modernidade que transparece do nobilíssimo objectivo, enunciado pela ministra Alçada, de «garantir a todos os alunos igualdade de oportunidades no acesso a espaços educativos de qualidade».

E digam lá: quem é que pode discordar de tal objectivo, tão cheio de modernidade e enunciado em frase tão cheia de modernidade?

POEMA

ELÉCTRICO


V


(Mais uma definição de poeta
num carro eléctrico para Almirante Reis.)


Poeta o que é?
Um homem que leva
o facho da treva
no fundo da mina
- mas apenas vê
o que não ilumina.


José Gomes Ferreira

MAIS DO MESMO

A representação actual dos líderes do PSD e do PS em torno da revisão da Constituição é a repetição das sete representações que antecederam as sete anteriores revisões da Lei Fundamental do País.
Mudaram as caras, claro (onde hoje vemos Coelho e Sócrates, vimos antes Sá Carneiro e Soares, Balsemão e Soares, Cavaco e Soares, Guterres e Barroso...) mas não mudou o guião das representações: ontem como hoje, assistimos à mesma farsa em que PS e PSD começam por representar o papel de inimigos inconciliáveis, com o PS a rejeitar «liminarmente» a proposta de revisão apresentada pelo PSD... tudo acabando em abraços e beijos na boca - e com a Constituição cada vez mais pobre de Abril e cada vez mais rica de 1933.

E assim se preparam para fazer novamente.
A proposta do PSD, desenhando o ansiado regresso definitivo ao passado, tem três enormes vantagens (pelo menos):

1 - apontando para o impossível (por agora...) faz com que o possível seja mais substancial;
2 - proporciona ao PS a sua habitual representação de «esquerda», com a qual tem vindo a iludir muito boa (e má) gente;
3 - dá uma poderosa ajuda à política de direita: no momento actual, desviando as atenções da dramática situação e que vivem milhões de portugueses; no futuro, alimentando a farsa da «alternativa» com a qual PS e PSD (bem acolitados pelos médias dominantes) têm vindo a ludribiar a maioria do eleitorado.
E assim foi, igualmente, nas anteriores sete revisões - todas, insista-se, concretizadas por obra e graça do tradicional serviço combinado PS/PSD.


Mais do mesmo é, portanto, o que está à vista.
Aqui ficam, como exemplo, alguns títulos de jornais dos últimos dias:

«Socialistas recusam liminarmente as propostas do PSD»

«PSD continua a acreditar num entendimento com o PS»

«Socialistas nem querem ouvir falar do projecto do PSD»

«O PSD garante que o PS vai acabar por aceitar a sua proposta»

«PS avisa que só discute a revisão constitucional se for forçado pelo PSD»

«PSD desvaloriza críticas do PS e lembra que os socialistas acabam sempre por aceitar o debate»

«PS anuncia a criação de um grupo de trabalho para acompanhar o debate»


Ou seja: a farsa vai continuar.

POEMA

ELÉCTRICO

III


(Arte poética.)


Liberdade
é também vontade.

Benditas roseiras
que em vez de rosas
dão nuvens e bandeiras.


José Gomes Ferreira

«LIBERDADE DE INFORMAÇÃO»

Os EUA produzem, vendem e possuem mais armas químicas do que todos os restantes países do planeta juntos - e têm sido, ao longo da história, os que mais as utilizaram.
Têm, até, opinião expressa sobre essa utilização: aqui há uns anos, o brigadeiro norte-americano J. Rothschild, dizia que «as armas químicas podem representar um método excelente, visto serem o armamento mais humano de todos»...

Apesar disso - ou por isso mesmo... - os EUA são particularmente severos para com os países que utilizam esse «método excelente» - mesmo que tenham sido eles os vendedores dessas armas a esses países...
São até capazes, se isso servir os seus «superiores interesses», de acusar falsamente um país de produzir armas químicas e a pretexto da falsa acusação, invadir e ocupar o dito país, como já tem acontecido.
Porque, «o armamento mais humano de todos» só o é se for utilizado por quem diz que é...

Aliás, a acusação de utilização de armas químicas feita a outros países faz parte do arsenal propagandístico dos EUA.
A União Soviética foi, enquanto existiu, o alvo preferencial dessas acusações: em todo o lado onde armas químicas eram utilizadas, os média dominantes encarregavam-se de, através da repetição exaustiva da «informação», concluir e divulgar que se tratava de obra dos «russos»...
A informação era falsa?: era, mas que importância tinha isso?, o que interessava era que «passasse» e fosse considerada verdadeira...

Ficaram célebres as declarações do então responsável da Agência de Informação do ministério da Defesa dos EUA, E. Collins, numa entrevista em que, confontado com a pergunta sobre a «veracidade da informação que dizia que as tropas soviéticas no Afeganistão utilizavam armas químicas», respondeu: «Não há nada que confirme que os russos tenham utilizado armas químicas».
A isto retorquiu o jornalista: «Então, a opinião geral de que os russos usam armas químicas deve-se apenas ao facto de os jornais espalharem esse boato?»
E Collins explicou: «Não vejo nada de mal, pelo contrário, em permitir que esses boatos corram».

Por aqui se vê como é amplo o conceito de «liberdade de informação» nos EUA...
Conceito que, como se sabe, é o que vigora em todos os países do mundo capitalista - Portugal incluído, pois claro.

POEMA

INVASÃO


XIX


(Guerrilheiros torturados pelos esbirros de Hitler na planície dos lobos.)


Amarraram-no a uma árvore
florida de vermelho...

(Que lhe falta para cruz?)

Rasgaram-lhe as carnes
com chicotes de unhas...

(Até já tem chagas.)

Sangraram-lhe a fronte
com arame farpado...

(... e coroa de espinhos.)

E agora vai morrer
na planície dos lobos...

(Nem lhe falta o Calvário.)

Mas não é um Deus, ouviram?

É um homem
que vai morrer pelos outros homens
sem ressurreição nem céu.

Um homem apenas
sem a alegria dum destino na Morte.

Um homem apenas
com um Momento Terrível
de suor e nuvens.

Um homem apenas
com deuses fuzilados nos olhos.


José Gomes Ferreira

O LÍDER

A questão das lideranças - e dos líderes - continua a preocupar obsessivamente o dr. Mário Soares.
(ele que, desde há décadas, lidera, com sucesso incontestável, a defesa dos interesses do capitalismo em Portugal)

Diz ele que sem líderes - e sem lideranças - não se vai a parte nenhuma. (e tantas vezes o diz que dá vontade de o mandar à outra parte...)
E proclama que enquanto a União Europeia - sem líderes! - corre o risco de naufragar, os EUA - com um líder genial! - cescem e avançam impetuosamente.
(esta é outra das obsessões de Soares: o líder dos EUA, Obama - o qual, à medida que o tempo passa, vai perdendo admiradores, e corre o risco de, a breve prazo, ser admirado apenas e só pelo fidelíssimo cão de água português...)

Embevecido, o líder do primeiro pior governo após o 25 de Abril, recorda que Obama, eleito em 20 de Janeiro de 2009, «fez nesse dia um discurso que admirou o mundo, pela lucidez e coragem» - e sublinha que, em matéria de discursos, Obama não se ficou por aí: «Depois fez outro, e outro, qual deles com maior substância e rigor»... (discursos é o que mais há, uns de finos modos, outros vis por desprazer...)

Extasiado, o líder da contra-revolução de Abril, lembra que «o comité Nobel atribuiu a Obama, e bem, o mais prestigiado dos prémios da Paz».
E aos que discordaram desta decisão, dizendo que o premiado «não tinha feito nada para merecer o Prémio», pois só fizera «discursos», o líder da CIA em Portugal no pós 25 de Abril, responde: «Nada? Simplesmente, com os discursos, mudou os dados geo-estratégicos do mundo e deu nova credibilidade de esperança à América do Norte» ( a esperança de que, a curto prazo, os EUA dominem todo o planeta, aplaudidos por todos os soares do planeta)

Em resumo: «O mundo está a mudar aceleradamente. Os Estados Unidos têm à sua frente uma figura carismática, Barack Obama, um humanista e um pacifista»...,
(com provas dadas no Iraque, no Afeganistão, na Palestina, nas Honduras, na Colômbia, no mundo inteiro...),
um digno continuador dos presidentes dos EUA que «criaram o generoso pioneirismo americano» (pioneirismo designadamente no lançamento de bombas atómicas sobre populações ...),
enfim, um líder - O LÍDER.

POEMA

INVASÃO


XVI


(A um morto soviético.)


A ave da morte
cantou numa bala
e o homem tombou
no silêncio de trapos...

Eh! morto: não fiques aí
deitado de costas
à espera que o céu
te caia nos olhos!

Volta-te e olha para a terra
- a carne da tua sombra
de flores acesa.

Céu para quê?

O céu é para os que esperam.
E tu morreste por uma certeza.


José Gomes Ferreira

19 DE JULHO DE 1979

Faz hoje 31 anos que a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) derrubou a ditadura fascista de Anastásio Somoza, na Nicarágua - pondo termo a um regime despótico que, durante mais de 40 anos, sempre com o apoio dos EUA, oprimiu, explorou e reprimiu brutalmente o povo nicaraguense.

Com o governo revolucionário - dirigido por Daniel Ortega - foi iniciado um processo que conduziu a profundas transformações económicas, políticas, sociais e culturais, tendo como referências primordiais a defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo e a defesa da independência do país, até então dominado pelo imperialismo norte-americano.

Por isso, e desde logo, a ofensiva contra a Nicarágua livre - com o recurso ao habitual vale-tudo que caracteriza a acção dos EUA em todo o lado onde os povos decidem assumir o seu destino -atingiu proporções gigantescas.
A dada altura, os «Contra»- grupos armados organizados e treinados pelas forças reaccionárias nicaraguenses e pela CIA - iniciaram uma actividade terrorista por todo o país, criando um ambiente de instabilidade e de medo.
Ao mesmo tempo, a máquina de propaganda dos EUA lançava uma campanha mundial que apresentava o regime nicaraguense como antidemocrático, sem liberdade, violador dos direitos humanos...

O povo nicaraguense, apoiado por Cuba e pela União Soviética, resistiu heroicamente à odensiva terrorista/mediática.
Nas eleições, entretanto realizadas, a Frente Sandinista saíu vencedora, derrotando a candidata dos EUA, Violeta Chamorro.
Todavia, as forças da reacção local e os EUA não aceitaram os resultados das eleições e exigiram a sua repetição - deixando claro, como é seu hábito, que as eleições só seriam «democráticas» quando a sua candidata vencesse...

Nos tempos que se seguiram, os «Contra» intensificaram a sua actividade terrorista, enquanto Violeta Chamorro prometia, se fosse eleita, acabar com a actividade dos «Contra»...
Entretanto, a União Soviética, onde Gorbatchov levava por diante a sua acção devastadora, cortou todo o apoio à Nicarágua, entregando-a ao imperialismo norte-americano...

E em 1990, a candidata dos EUA e dos «Contra» venceu as eleições.
E, naturalmente, os «Contra» cessaram a sua actividade...

Dezasseis anos depois, em 2006, a Frente Sandinista ganha as eleições e Daniel Ortega volta à Presidência da Nicarágua.
Hoje, o povo nicaraguense leva por diante um processo revolucionário que - à semelhança do que acontece em vários outros países da América Latina - constitui um importante sinal de esperança para todos os povos do mundo.

Hoje, dia 19 de Julho, em toda a Nicarágua, comemora-se o 31º aniversário do triunfo da Revolução Sandinista.
Uma comemoração à qual o Cravo de Abril se associa, com um abraço solidário.

POEMA

INVASÃO

XV


(Estalinegrado. Juramentos colectivos:
«Desde este momento juramos não recuar um passo».)

I

E dos corações dos soldados
saíram raízes de pedra
para cumprir os juramentos dados
que os prenderam ao chão.

Só é difícil morrer
em imaginação.

II

Entretanto
no fundo da treva
da Noite dos Escombros
um Homem e uma Mulher
continuam de mãos dadas,
no rancor de prolongar a vida,
de pele em pele,
de sangue em sangue,
de saliva em saliva,
de estertor em estertor.

E que importa ver o mundo a arder
com ódio, com frio, com monstro!

Arde, mundo! Arde,
coração de amor.


José Gomes Ferreira

UMA BOA CAUSA

Já aqui falei de Sean Penn, o actor de cinema norte-americano.
Fi-lo a propósito do protesto, de que Penn foi um dos protagonistas, contra a atribuição do`Óscar de Carreira a Elia Kazan.
(O protesto teve a ver com o facto de, no período da Caça às Bruxas, Kazan ter sido um abjecto delator, um bufo sem ponta de vergonha nem dignidade - e que, miseravelmente, disso se orgulhou até ao fim da sua vida.)

De Sean Penn sabe-se que é um cidadão activo e interveniente, com a vantagem de se bater sempre por causas justas.
Um exemplo: ele foi um activo opositor da invasão e ocupação do Iraque pelos EUA, tendo chegado mesmo a deslocar-se àquele país pouco antes do início da brutal invasão.

Agora, Sean Penn está no Haiti, como voluntário, ajudando as vítimas do terramoto ali ocorrido em Janeiro deste ano.
Segundo a Revista Notícias de Sábado, nas últimas semanas os jornais publicaram inúmeras fotos de Sean a fazer trabalhos braçais - e logo houve quem aproveitasse para dizer que se tratava de uma campanha de promoção do actor.
Só que, mostra a verdade, Sean Penn não foi passear ao Haiti: ele está lá desde o terramoto de Janeiro, altura em que para ali se deslocou e ali ficou a viver e a trabalhar: montou e dirige um acampamento para desalojados na capital, Port-au-Prince - o acampamento de Corail, que dá abrigo a cerca de cinquenta mil pessoas e é um dos maiores e dos melhores dos 1300 acampamentos que existem no país.

Na altura do terramoto, muita gente se mostrou incomodada e horrorizada com a dimensão e as consequências da catástrofe. Depois, em vários casos, afastaram o incómodo e o horror contribuindo com um donativo em dinheiro... - facto que os média não se cansaram de divulgar...
Além disso, o governo dos EUA «solidarizou-se» com o povo do Haiti à sua maneira, a única que conhece: invadindo e ocupando o país.

Por isso, aqui se regista e aplaude a atitude de Sean Penn, a sua solidariedade de facto com o povo haitiano, a sua entrega, uma vez mais, a uma boa causa.

POEMA

INVASÃO

XIV


(Abro o aparelho de rádio e ouço a emissão de Moscovo,
muito abafada, por causa dos vizinhos.)


A voz quente
na boca desta mulher, húmida de bandeiras,
entoa na rádio a apoteose do Futuro
para além do letargo da lucidez dos dias...

Mas tudo em redor
nos brilhos concretos
do cansaço da noite
me insinua um futuro sem esplendor
onde nunca se chega por estradas rectas,
mas só por atalhos
pardacentos de cardos e desvios
a ocultarem-nos a beleza directa do destino...


José Gomes Ferreira

UM LEMA CARREGADO DE FUTURO

Vicente Del Bosque - o homem que dirigiu a selecção de futebol da Espanha, vencedora do Mundial, na África do Sul - começou como futebolista.
Jogou em vários clubes espanhóis, incluindo o Real Madrid, com o qual manteve sempre uma forte ligação, quer como jogador quer como treinador, e pelo qual foi sempre muito maltratado.
Na sua carreira de treinador, passou por vários clubes não só de Espanha.

A dada altura, treinou durante três épocas o Real Madrid e, com ele, o clube ganhou:
duas Ligas dos Campeões europeus; uma Taça Intercontinental; uma Super Taça europeia; dois Campeonatos de Espanha; duas Taças de Espanha - após o que foi despedido de forma humilhante.

Despedido porquê?: porque o dono do Real Madrid, Florentino Perez, entendeu que Del Bosque (que tinha vencido tudo) não tinha «o perfil necessário» para dirigir a «equipa galáctica», onde pontificavam nomes como Zidane, Figo, Roberto Carlos, Ronaldo, Beckam...

E substituido por quem?
O treinador escolhido para o substituir - por ter o «perfil necessário», obviamente - foi Carlos Queiroz.
Infelizmente para o Real Madrid, o «Professor», além do «perfil necessário» não tinha mais nada e, com ele, o clube perdeu, galacticamente, todas as competições em que participou.

Del Bosque reagiu sempre a estas situações com grande dignidade, sem alardes, sem declarações bombásticas, sem se deixar arrastar para os folhetins mediáticos que tradicionalmente enfeitam tais casos.
Talvez por isso, quando, em 2008, foi chamado a dirigir a selecção de Espanha, os média cairam-lhe em cima: aquele bigode que já não se usa; aquele rosto de Ásterix, aquelas tácticas ultrapassadas... - enfim, o homem não tinha o «perfil necessário», não é verdade?...
E quando a Espanha perdeu o primeiro jogo no Mundial, com a Suiça, foi o fim do mundo...

No entanto, Del Bosque não desistiu de lutar e de incitar os seu jogadores à luta, deixando claro, desde logo, que «se perdermos, a culpa é minha»...
E ganhou. Justamente.
Porque não desistiu de lutar.

Resta dizer que Del Bosque, que se assume como homem de Esquerda, tem um lema para a sua vida: «Temos de nos manter sempre fiéis aos nossos princípios».
Um lema que, diz ele, aprendeu «com os velhos ferroviários», amigos de seu pai, também ele ferroviário - e lutador, que passou três anos nas prisões fascistas de Franco, e se manteve sempre fiel aos seus princípios.

Um lema carregado de futuro.

POEMA

INVASÃO


VI


(O povo em grita entrou na catedral)


Rasguei o céu de lés a lés
com unhas de súplica erguida...

(...mas só vi os astros ocos.)

Chamei pelos anjos.
Lancei-lhes escadarias de órgão.
Pedi-lhes, num murmúrio de incenso,
que baixassem à Terra
para combater os Dragões
no dorso das Trovoadas
com patas de vento...

(...mas os anjos só existem na imaginação da neblina.)

E andamos nós, há tantos séculos,
a iludir a nossa solidão
com vozes de estrelas.

Tudo inútil, Terra.

Tens de lutar sozinha.


José Gomes Ferreira

COSTA RICA

Com Obama, a ofensiva do imperialismo norte-americano na América Latina, não apenas se intensificou como retomou formas de intervenção típicas dos governos dos EUA ao longo de décadas.
O golpe fascista das Honduras, acompanhado do considerável reforço da presença militar dos EUA naquele país, foi o primeiro grande passo dado nesse sentido.
Ao golpe das Honduras sucederam-se, designadamente: a instalação de sete bases militares na Colômbia; o reforço da presença militar dos EUA no Panamá; a invasão do destruído Haiti.
Isto para além da intensificação do bloqueio contra Cuba e da multiplicação de acções provocatórias contra a Venezuela, a Bolívia, a Nicarágua - enfim, contra todos os países e povos que decidiram tomar os seus destinos nas próprias mãos.

A ofensiva imperialista deu agora novo e grave passo em frente com a ocupação da Costa Rica.
Ocupação silenciosa - porque silenciada pela generalidade dos média dominantes - não obstante tratar-se de uma operação aparatosa que envolve a entrada na Costa Rica de 46 vasos de guerra, entre eles um porta-aviões; 200 helicópteros, dez aviões de combate e sete mil marines.
Trata-se de uma ocupação concertada entre o ocupante e o ocupado, já que decorre de um chamado «acordo de segurança» entre os governos dos dois países: o de Obama e o de Laura Chinchilla.

O objectivo da utilização de todo este impressionante aparato bélico é, dizem Obama e Chinchila - em coro, sem corar, sem se rirem, e tomando-nos por estúpidos - «o combate contra o narcotráfico»...
Que combate a que narcotráfico?: encontraremos a resposta se tivermos em conta que os EUA são o maior consumidor de drogas do mundo e que a Colômbia e o Peru (dois países onde quem manda são os EUA) são os maiores produtores mundias de cocaína...

Este «acordo» dito «de segurança» viola frontalmente a Constituição da Costa Rica, mas isso não é problema nem é novidade, como pode constatar-se olhando para as práticas do anterior presidente da Costa Rica, Óscar Arias, eterno serventuário do imperialismo norte-americano (recorde-se que Arias foi utilizado por Obama para, fingindo que os EUA queriam o regresso de Manuel Zelaya à presidência das Honduras, consolidar os golpistas no poder).

Mas há que reconhecer que, em matéria de currículo, Laura Chinchila não fica atrás do seu antecessor: integrando, como Arias, a Internacional Socialista (pois claro...), Laura Chinchila tem na sua folha de serviço uma longa e estreita ligação à CIA...
Pelo que, mais dia menos dia, saberemos que Obama a condecorou com a medalha da liberdade, da democracia e dos direitos humanos...

POEMA

INVASÃO


II


(Invasão da União Soviética pelos exércitos de Hitler)


Homens de outros séculos:
invejai-me.

Cá estou no século vinte
no Dia do Grande Ruído
quando se escancararam na Terra
as Portas de Bronze
para todos os recomeços.

... E os braços dos mortos abriram no chão
caminhos de garras
para obrigar as sombras dos homens a erguerem-se no êxtase
de morrer de pé.

Cá estou no século vinte
nesta paisagem de bocejos
e estrelas estagnadas
onde só há cegos
presos na própria noite
aos tombos de declive...
- sem ao menos suspeitarem
de que anda uma nova Morte pelo mundo.

Cá estou no século vinte
nesta primavera de cadáveres
tão contentes de terra
que até beijam as raízes
para que as flores dos outros
nasçam mais límpidas
nas manhãs do sol múrmuro a espreguiçar-se no vento das planícies...


José Gomes Ferreira

O SR. LOPES

Esperto, mas mesmo esperto, vivaço, é o sr. Lopes.
Para ele, existem «duas vias para resolver a crise»:

diminuir muito, muito os salários (entre 15 a 30%);
ou aumentar muito, muito os impostos (não quantificou).

O sr. Lopes acha também que se deve mudar rapidamente a idade da reforma (tal como diz a Comissão Europeia do Barroso, que já avisou todos os países membros de que 70 anos é a idade certa para os trabalhadores se reformarem...)

O sr. Lopes começou a dizer estas coisas nas jornadas parlamentares do PSD e, como é hábito nestas situações, logo se viu acompanhado pelo coro síncrono dos economistas, analistas e comentaristas de serviço aos interesses do grande capital.
Todos repetindo-o e repetindo-se em tudo quanto é sítio.
Todos mostrando trabalho feito a quem lhes paga.
Todos justificando os chorudos salários que recebem.
Vários (entre eles o sr. Lopes) justificando as várias e chorudas reformas que recebem há vários anos.

Isto porque, quando o sr. Lopes e os seus ecos defendem a diminuição dos salários, estão a falar nos salários de quem trabalha - assim se excluindo desde logo a si próprios...
Isto porque os salários do sr. Lopes e dos seus ecos são pagos pela tal «mão invisível» de que falou há dias o insustentável Presidente da República...

POEMA

HERÓICAS


XXXIX


(No dia do tratado de Munique. Os governos do Ocidente da Europa esfregam as mãos. Vão levar o Hitler contra a União Soviética cercada.)


Aqui, nesta praia amarela
ainda fúria acesa
do sol da criação,
no princípio do mundo
um homem surgiu nela
- espanto vagabundo
sem pátria e sem inferno,
feliz na sem-razão -
e olhou para o mar
surpreendido
de ver o céu caído
e mais natureza
a nascer-lhe no olhar.

Hoje, nesta praia do sul
ao pé dum velho Forte,
quando a luz outoniça
e parda do poente
voa no céu azul
todo o mistério dos fossos
- um poeta altivo e mudo,
com pátria,
com inferno,
com morte
e, principalmente,
com esta dor da justiça,
olha com espanto para tudo:
caos de lágrimas e ossos,
cóleras de inverno,
fomes de primavera,
raivas do mar profundo...

E os homens de novo à espera
do princípio da mundo.


José Gomes Ferreira

QUE GRANDE PERÍCIA!

A notícia diz que «perícia judicial iliba Sócrates no Freeport» e que «não houve ilegalidades na aprovação do centro comercial».

Pronto, está tudo esclarecido: não tinham razão os acusadores de Sócrates e estava cheio de razão o acusado quando dizia ser alvo de uma «cabala» e de uma «campanha negra».
Não há nada como uma «perícia judicial» à maneira para dizer como é.

Assim, ficámos a saber que:
- não houve ilegalidades na actuação, em 2002, do ministro do Ambiente (que era, então, José Sócrates);
- não houve ilegalidades no facto de o estudo de impacto ambiental (que havia sido duas vezes chumbado) ter sido aprovado num instantinho e no mesmo dia em que o Governo aprovou um oportuno decreto-lei que alterava a Zona de Protecção do Estuário do Tejo;
- não houve ilegalidades no facto de tudo isto ter acontecido três dias antes das eleições (a «perícia judicial» considera o ocorrido «pouco habitual mas aceitável».
Portanto, não houve ilegalidades!
Ouviram?: NÃO HOUVE ILEGALIDADES!

(É certo que havia aquela gravação na qual Mr. Charles Smith garantia ter pago volumosa quantia a alguém muito próximo de José Sócrates a troco da viabilização do centro comercial. Mas também é certo - e isso é que conta! - que a referida gravação «não tem valor legal» - e, por isso, não conta)

Não posso deixar de tirar o chapéu aos autores desta espectacular «perícia judicial».
Que grande perícia eles revelaram!
Pena é que os seus nomes não sejam conhecidos, já que optaram pelo anonimato - certamente por modéstia, digo eu...

POEMA

HERÓICAS

XXXVII


(Sermão.)


Homem:
preso pela sombra a todas as pedras,
preso pelos olhos à liberdade das aves,
preso pelo corpo ao devorar das raízes,
preso pela sede aos cadáveres das ninfas nas fontes.

Olha bem de frente para as algemas,
asas pesadas de frio,
e através de pântanos e de rochas
esburacadas de caveira,
leva o mundo de rastos
a que te prendem todas as grilhetas
num tinir de ferrugem de ecos.

Homem livre que caminhas
amarrado ao Carro da Morte
até ao Silêncio Sem Astros.


José Gomes Ferreira

marear



dentro da vila velha não havia outros marinheiros, nem aqueles montados em cavalo de pau - os da ti Amélia Medronheiro - que melhor trilhassem as vagas da infância. os do Lota eram miúdos do diabo. cerro acima, muralhas abaixo, joelhos e calções esfolados, fintavam a vontade do pai e mandavam às urtigas a obrigação das searas e da água ao gado. afinal, a brasa fora inventada para caber inteira nos bolsos da miudagem, entre arraióis e um velho pião rachado - não se sabe se por batota ou apenas distração no zelo do carlitos. nalguns, talvez de tão rotos, cabiam todos os ribeiros que galgavam - atrás de pardelhas e cágados, rãs e alfaiates. dentro da vila velha não havia outros marinheiros, nem aqueles montados em cavalo de pau.
há dias partiram todos. com a mãe falecida morta ha meses, seu pai - concertado na herdade do vale d'água - foi apanhado muma reunião clandestina. daquelas que falam que fazem por aí os comunistas e os descontentes de tanta fome (porque não fui eu? não soube, por certo).
- Oh lota, chegue-me aqui!
- sim patrão, diga.
- Livrei-o da prisão por respeito aos meninos da sua falecida. mas não o quero ver mais por aqui. pegue nas suas coisas. a porta da rua é a serventia da casa.

cairam todos na maltesia. o carlinhos ia com os pés resistindo à fatalidade da pobreza. dos bolsos vazios, apenas água. não sei se dos ribeiros que por aí ladroou se das vagas de assombro perante a injustiça... o que eu sei é que dentro da vila velha não havia outros marinheiros. nunca mais os vi. hoje teimamos meia dúzia de velhos. remoendo na esperança o sonho navegante daqueles meninos.


Foto: Serpa, 2009

POEMA

HERÓICAS


XXXIV


(Neste mesmo instante, na Alemanha de Hitler, um condenado à morte caminha para o cepo.»



Tu vais morrer!... Tu vais morrer!...

(E eu para aqui a torcer as mãos,
atado à minha fantasia inútil de poeta!)

Ah! se me deixasses ao menos inventar-te um céu!

Um céu viril com anjos de aço
e nuvens de bandeira,
onde, sentado no frio da lua,
te esperasse o Eterno Sozinho
eleito do povo dos mortos
que dividiu os astros em partes iguais
e encheu o inferno
de silêncio e rosas...

Ah! se me deixasses ao menos inventar-te um céu!

Mas tu sorris como se ouvisses a voz dum pássaro antigo...
E caminhas para o cepo
com o Momento Gelado nos olhos
e os passos duros
de quem já encontrou nos ferros
o instante de amor
que ilumina a eternidade
a escuridão de tudo.

Caminhas para o cepo...

... E eu, para aqui inútil,
a ouvir o frio dos teus passos
nas lágrimas que me caem dos olhos
- irmão que vais morrer.


José Gomes Ferreira

BASTA UM ASSOBIO DO DONO

O Correio da Manhã de hoje transcreve a gravação de uma conversa travada entre Armando Vara e Joaquim Oliveira (dono da Global Notícias, proprietária nomeadamente do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.
A conversa - que ocorreu em Setembro de 2009 - versa sobre um tema em foco na altura (o fim do Jornal Nacional de Manuela Moura Guedes) e é bem esclarecedora sobre a liberdade de informação existente nos média propriedade do grande capital...

Na gravação transcrita, a dada altura Vara queixa-se a Oliveira que o DN está a atacar o PS, que os jornalistas fazem perguntas impertinentes, etc - e pergunta a Oliveira quem é que, «na redacção do jornal trata destes assuntos».
Oliveira responde que «apenas fala com o Marcelino (director do DN), com mais ninguém» - e garante a Vara que vai «ver o que se passa».

Depois de «ver o que se passa», Oliveira diz a Vara que «confrontou o Marcelino com o facto de haver jornalistas novos (do DN) a fazer perguntas incómodas para o PS» e que lhe ordenou para ter «atenção a essa brincadeira»... - e, tranquiliza Vara, garantindo-lhe que também falou com o director do JN, Leite Pereira, «para ter atenção às perguntas que (os jornalistas) andam a fazer».
Ouvidos sobre o assunto, Marcelino e Leite Pereira - os directores - «negaram qualquer influência editorial do dono da Global Notícias sobre os seus jornais».

Portanto, ou estão a chamar mentiroso ao dono (o que, por razões óbvias, se afigura pouco provável), ou estão a mentir (o que, por razões óbvias, se afigura mais do que provável)... ou, terceira hipótese, talvez considerem que, neste caso, chamar mentiroso ao dono não é coisa tão grave como à primeira vista pode parecer: afinal, dizer que no DN e no JN não é o dono que manda até pode ser coisa vista como sinal de respeito pela liberdade de informação...
Tanto mais que - dizem os dois directores - há, de facto, casos em que «o director do jornal é chamado a subir ao conselho de administração» para que o dono diga como é - casos do «Público» e do «Sol», entre outros...

Uma coisa parece certa: os directores do DN e do JN não «são chamados a subir ao conselho de administração» - basta um assobio do dono a dizer-lhes para acabar com a «brincadeira»...

POEMA

HERÓICAS


XXV


(Um jovem comunista, recém-saído da cadeia, procurou-me para me dizer:
«vou para Espanha bater-me ao lado dos republicanos».)



A
deus!

Tu que arrancaste da treva dos dias e das noites
o sol subterrâneo das flores ocultas nas raízes.
Tu que nunca viste o luar completar os olhos das mulheres
- e a tua mãe só te beijava em fotografia.

Tu que vais morrer pelos outros com vinte anos de desdém ardente
e o futuro nunca saberá o teu nome para maior glória.
Tu que vais conhecer finalmente a verdadeira morte: a nossa.
Não vida covarde atirada para as nuvens,
mas sombra sem frestas,
frio sem portas...

Tu: adeus!

Morre orgulhosamente
o teu destino de relâmpago
que afoga nos abismos
o eco longo
do silêncio das águias.


José Gomes Ferreira

HONDURAS: A RESISTÊNCIA CONTINUA

O balanço da situação das Honduras, um ano após a destituição do presidente legítimo Manuel Zelaya, não deixa margem para dúvidas sobre a natureza do golpe fascista perpetrado por militares hondurenhos, dirigidos e apoiados pelo governo dos EUA.

Durante os seis meses de duração do governo do fascista Micheletti - entre Junho e Novembro de 2009 - foram assassinadas centenas de pessoas - e nos seis meses de governo de Porfírio Lobo o número de assassinatos ultrapassa já os 150.
Quer num quer noutro governo as perseguições, prisões, torturas, «desaparecimentos» passaram a fazer parte do dia-a-dia da vida do povo hondurenho.

Trata-se, regra geral, de assassinatos selectivos: homens, mulheres e jovens ligados à Frente Nacional de Resistência Popular; dirigentes sindicais; dirigentes políticos; militantes de movimentos sociais; jornalistas - 10 jornalistas foram assassinados desde que o governo de Porfírio Lobo tomou posse.

O golpe Micheletti/Obama, com as suas trágicas consequências, é bem o espelho da criminosa política do imperialismo norte-americano, seja qual for o presidente de serviço em cada momento.


Entretanto, o povo hondurenho continua a resistir.

POEMA

HERÓICAS


XXI


(Testamento de um fuzilado.)



«Não me falem de fé!

Eu não preciso de fé!

Basta-me morrer de frente
- nesta camaradagem
com todos os mortos de mãos dadas
que desde o princípio do mundo
não quiseram morrer inutilmente...

Fé? Fé?
Eu não preciso de fé!

Basta-me morrer de pé
num desdém de sol nascente.»


José Gomes Ferreira

«OS VALORES DA NORMALIDADE DA LIBERDADE»

«Ao Domingo com... Zita Seabra» é o título de uma rubrica do Jornal de Notícias
Na edição de hoje, Zita Seabra conta-nos um «fim-de-semana em Moscovo» - cidade que ela já não visitava desde os tempos do... «comunismo»...

Acompanhada pelo «amigo de sempre José Milhazes» - olha que dois!... - Zita percorreu a cidade à procura das «mudanças destes anos de Rússia livre».
E encontrou-as (às mudanças) mal pôs o pezinho na Praça Vermelha. Lá estavam as «igrejas» construídas (ou reconstruídas, nos casos das que foram destruídas por Stáline). E as «montras» - ah!, as montras, que beleza de montras!, autênticas irmãs gémeas das «montras da 5ª Avenida de Nova Iorque», exclama Zita extasiada, lembrando que ali, onde no tempo do «comunismo» existiam os horrorosos «Armazéns do Povo», existe agora «um lindíssimo centro comercial cheio de lojas de todas as marcas»!!! - de todas as marcas, ouviram!?...

Enfim, conclui Zita deslumbrada: «Moscovo é hoje uma cidade com poucas marcas do passado comunista e que vive entre o reencontrar da velha alma russa e a vontade de olhar o futuro assente nos valores da normalidade da liberdade».

Zita está cheia de razão.
De facto, a confirmar a inexistência de «marcas do passado comunista» e a existência dos «valores da normalidade da liberdade», lá estão:
a prostituição (para consumo interno e para exportação); o tráfico e o consumo de drogas; as máfias dominantes; a exploração desenfreada; o desemprego; as grandes, grandes fortunas e as grandes, grandes pobrezas; a miséria, a fome; a falta (ou ausência) de cuidados de saúde e a respectiva quebra da esperança de vida, etc, etc, etc.

POEMA

HERÓICAS


XX



(Revolução dos marinheiros nos navios de guerra portugueses ancorados no Tejo. Foram vencidos e enviados pelos fascistas para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Futuro, decora este nome, símbolo de infâmia: Tarrafal.)





Lá fora, não sei onde
- talvez dentro de mim -
ouço o ranger dum barco
na invenção das ondas
aladas no vento...


De súbito os fogueiros param trémulos
e perguntam ao fogo: «Para quê?»


Os pilotos largam os lemes
e perguntam às ondas: «Para quê?»


A tripulação desce dos mastros
e pergunta ao vento:«Para quê?»


Milhões de vozes no mesmo instante do mundo
rugem no céu um silêncio de tempestade.

Milhões de bocas paralelas
vão talvez gritar o ódio às máquinas
- mãos que se perderam dos homens -
neste planeta dos dias e das noites
que anda à roda do Sol
movido por um motor
monótono e igual.

Milhões de lábios vão desenhar talvez a mesma cólera
que já pairou no silêncio da criação do mundo.

Sim. PARA QUÊ?

Mas há sempre um dedo a apontar no mapa
a ferrugem dum porto...
Há sempre no horizonte uma ilha azul
onde os frutos dormem nas árvores
a amargura das bocas com sede...
Há sempre a ilusão dum destino
na indiferença das vagas...

E os homens sorriem
tranquilamente desesperados.
E os comboios chegam à tabela
com farrapos da vagabundos nas rodas...
E os mineiros vão a enterrar todas as manhãs...
E o sol acerta-se pelos relógios...
E o trigo cresce para discursos de propaganda
em paisagens de moinhos mortos...
E as máquinas fabricam fome e curvas estatísticas...
E os pássaros caem fuzilados como os poetas...

E o céu parece um poço por cima das cabeças
a reflectir as verdadeiras estrelas
que nunca vimos...
E os navios atracam ao cais com música a bordo
e carregamentos de lágrimas nos porões...
E os namorados casam no fim dos romances.

Tudo exacto e disperso
nesta rede complicada de pequenos destinos...

Tudo caos e miséria
nesta paisagem mecânica
com repetição de flores...

Tudo sem sentido!

Até a morte, onde dantes apodrecia o grande bairro dos pobres,
parece agora oca nos últimos olhos resignados.

Tudo sem sentido!

Só nas fossas do suor
os loucos de sempre
continuam a sonhar
com os olhos sonâmbulos
onde já arderam todas as lágrimas
menos as das manhãs das flores sussurrantes de orvalho...

Nada querem da vida,
nem da morte,
nem do amor...

Mas sorriem confiantes
para as teias de aranha,
a acreditar num Sentido qualquer
para além do sentido das bússolas.

Sorriem para a Sombra
que engrinalda as grades
duma luz absurda
de sol podre.


José Gomes Ferreira

SE ELE O DIZ

«A crise toca a todos»: de tantas vezes repetida, a frase pode muito bem ser considerada como refrão da cantiga «o combate à crise» que tem vindo a ser cantada pelo lastimável primeiro-ministro Sócrates e pelo seu deplorável Governo.
E, não passando a referida cantiga de pura ficção - ou, se se preferir, de um exercício de desavergonhada demagogia - também o dito refrão soa como aquilo que é: um brutal insulto à inteligência e à sensibilidade dos vários milhões de portugueses sobre os quais recaem, de facto, as sinistras consequências da crise.

«A crise toca a todos»?: mentira!
A «crise» é uma bênção para a imensa minoria dos portugueses, ou seja, para os chefes dos grandes grupos económicos e financeiros - e é um tormento para a imensa maioria dos portugueses, ou seja, para os trabalhadores e o povo.

A propósito: informa o Correio da Manhã de hoje que os «impostos sobem até 2013», e que as «famílias mais penalizadas» serão as que têm «rendimentos entre 400 e 1500 euros/mês»...

Mas não há razão para alarme: o primeiro-ministro José Sócrates ainda ontem garantiu que «a crise toca a todos».
E se ele o diz...

POEMA

HERÓICAS

IX


(Passei todo o dia a gritar nos cafés: «Vamos vencer! Vamos vencer!» Que fogo parvo!)



Agora que estou só
já posso arrancar da boca
as palavras de comício
que me magoam a alma
de soluços de chicote...

(Pobres labaredas sem incêndio
tão pesadas de cinzas!)


José Gomes Ferreira

O ASSESSOR

Notícia curiosa esta: Blair passou a ser assessor do novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos - notícia curiosa mas não surpreendente, tratando-se de quem se trata...
É claro que a assessoria vai ser feita à distância... por telefone, talvez; quiçá por e-mail... sendo certo que o «bago», esse chegará, volumoso e a tempo e horas...

Os dois meliantes conhecem-se desde a altura em que Santos viveu em Inglaterra e Blair lhe explicou tudo sobre a «terceira via».
E tal foi a explicação que, mal regressou à Colômbia, Santos - então assessorado por Blair... -escreveu um livro intitulado: «A Terceira Via: uma alternativa para a Colômbia».

Depois, foi só aplicar a «terceira via» do Blair na Colômbia: primeiro com o narco-fascista Uribe e agora com o sucessor de Uribe e amigo de Blair, Juan Manuel Santos.

E é o que se vê: aquilo é só democracia, só liberdade, só direitos humanos...
aquilo é só uribe, só santos, só blair...

POEMA

HERÓICAS

XIV


(Comício. Mais vale morrer de pé do que viver de «rodillas».)


Oh! esta comoção
de me sentir sozinho
no meio da multidão
- a ouvir o meu coração
no peito do vizinho.

Oh! esta solidão
quente como a camaradagem do vinho!


José Gomes Ferreira

O ESPECTÁCULO COMEÇOU

Os partidos da política de direita preparam-se para dar mais um golpe na Constituição da República Portuguesa.
Mais um a juntar aos sete golpes que foram as anteriores sete revisões.

Registe-se que a Constituição Portuguesa ocupa o 1º lugar no ranking europeu (ou mundial?) das constituições mais vezes revistas.
Registe-se igualmente que as sete revisões cometidas até agora caracterizaram-se, todas, por dois traços essenciais:
1 - todas foram o resultado de acordos entre o PS e o PSD; e
2 - todas roubaram significativos pedaços de Abril à Lei Fundamental do País.

E é isso que PS e PSD se preparam para fazer uma vez mais.
O espectáculo começou: os actores deram início às habituais representações burlescas com que usam anteceder as revisões.
Como sempre, começaram por exibir «divergências» e «desacordos», cada um fingindo não querer o que, de facto, ambos querem.

Ontem, Sócrates «desafiou o PSD a apresentar de imediato uma proposta concreta de revisão constitucional».
Grande desafio! - ou seja: grande estímulo a que o PSD avance com o trabalho de casa para o PS, depois, aprovar...
Isto, não obstante a veemência de Sócrates ao «exigir» que a proposta do PSD não seja para pôr o neo-liberalismo na Constituição - porque, para isso, declamou Sócrates em voz de falsete, «para isso não contem comigo nem com o PS». - expressão que, traduzida à luz do que aconteceu nas anteriores revisões, significa: «Para isso contem comigo e com o PS»...

Passos Coelho, também ele cumprindo fielmente o guião estabelecido - e enfarpelado qual manequim de montra da Rua dos Fanqueiros - respondeu garantindo a Sócrates que... qual neo-liberalismo qual coisa!, nem pensar nisso!, nem ele nem o PSD têm ideias neo-liberais, eles são é sociais-democratas e mais nada.
E, sabendo que pode contar com Sócrates e com o PS tanto quanto Sócrates e o PS podem contar com ele, lembrou, cirúrgico, que nas anteriores revisões o PS esteve sempre de acordo com as propostas apresentadas pelo PSD - concluindo triunfante: e com isso «foi o país que ganhou».

O país do grande capital, obviamente, que é o único que PS/Sócrates e PSD/Coelho conhecem.

POEMA

HERÓICAS

XII


(Balada duma heroína que eu inventei.)


Vais morrer com a saia rota,
sem flores nos cabelos...
- Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos da terra
hão-de florescê-los?

Vais morrer de blusa no fio,
sem laços nas tranças...
- Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos do frio
penteiam crianças?

Vais morrer espantada na rua,
sem fitas nos caracóis...
- Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos da lua
enfeitam os heróis?

Vais morrer a cantar numa esquina,
de sapatos velhos...
- Mas isso que importa
se depois de morta
continuarás a ser a menina
que nunca teve espelhos?

Vais morrer com olhos de águia presa
e meias de algodão...
- Mas isso que importa
se depois de morta
a tua beleza
não caberá num caixão.
E há-de rasgar a terra
e romper o chão
como uma primavera
de lágrimas acesa
que os homens atiram, em vão,
para a natureza?


José Gomes Ferreira

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Na entrevista ao Avante! referida no post de ontem, o dirigente comunista Carolus Wimmer falou sobre as nacionalizações de sectores estratégicos que o Governo da Venezuela tem vindo a efectuar; sobre as consequências positivas dessas nacionalizações na resposta à crise capitalista; e sobre as atoardas espalhadas pela comunicação social dominante em torno do processo revolucionário em curso na Venezuela.

E não podia ser mais claro:
«As nacionalizações resultam da luta de classes na Venezuela. Estamos a implementar um processo revolucionário com o objectivo de garantir o bem-estar do povo trabalhador e, assim, alguém tem de ser sacrificado.
Esse alguém é o capital, as grandes empresas nacionais e multinacionais que hoje são obrigadas a cumprir normas tão básicas como o pagamento de impostos - que antes não pagavam -, a melhorar os salários e as condições laborais.
Obviamente que o capital, cujo objectivo e razão única é o lucro, resiste a essas medidas e orientações estratégicas. Muitos optaram pela sabotagem ou pelo não cumprimento da lei. Os casos mais evidentes são os das empresas do sector alimentar, que não aceitam as novas condições impostas pelo Estado. Algumas declaram-se em lockout ou tratam de vender a produção no exterior, o que implica com a segurança alimentar do país. Foi por isso que o governo se viu obrigado a intervir, a tomar conta de empresas que não produziam ou que violavam constantemente a legislação.
Temos que recordar que nos anos 80 e 90 do século passado, as políticas neoliberais privatizaram tudo com o argumento da ineficiência do Estado. Agora, empresas fundamentais dos sectores da comunicação, energia ou alimentar tiveram que sair das mãos privadas.

Não se nacionaliza porque sim, como se quer fazer crer. Decide-se tendo em conta as empresas que se recusam a colaborar com o desenvolvimento do país; que rejeitam cumprir a prioridade do fornecimento de bens e serviços aos venezuelanos; que especulam nos preços, como no sector alimentar.
Neste último caso, primeiro adverte-se a empresa, e só depois se avança para a nacionalização, a qual se processa através da compra, e não da expropriação, como também se diz.

Tudo isto tem subjacente uma linha política de resposta às investidas contra-revolucionárias, como as que se passaram igualmente no sector financeiro.
Muitos bancos davam sinais de poderem destruir o sistema na Venezuela. Há cerca de uma semana, foi nacionalizado o 6º maior banco venezuelano, e a razão foi simples: estava totalmente falido porque os proprietários sacaram os recursos existentes, os depósitos das pessoas, e levaram esse capital para fora do país.
No que diz respeito aos bancos e às empresas nacionalizadas, deixa-me sublinhar um outro aspecto. Actualmente, os responsáveis por fraudes ou operações danosas são levados perante a justiça, como deveria acontecer em qualquer país democrático. Acabou a impunidade. Está claro que muitos fogem para os EUA e para a Europa, onde enocntram cobertura face aos pedidos de extradição solicitados pelas nossas autoridades judiciais.»

Se procurarmos semelhanças e diferenças entre o que se passa na Venezuela e o que acontece em Portugal, é fácil concluir que:
1 - o grande capital de lá é igualzinho ao de cá - e vice-versa;
2 - o que faz a diferença é a existência,, de um Governo ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País; e a existência, , de um Governo ao serviço dos interesses exclusivos do grande capital.

POEMA

HERÓICAS


VI

(Garcia Lorca foi fuzilado.)


Terra:
endurece mais!

Recusa a abrir-te em cova
para esconder o Poeta
no rumor das raízes.

Deixa-o apodrecer no chão
como uma bandeira de carne de remorsos.


José Gomes Ferreira

EIS A DIFERENÇA

Carolus Wimmer, dirigente do Partido Comunista da Venezuela (PCV) esteve em Portugal, a convite do PCP.
Em entrevista ao Avante! abordou questões várias relacionadas com a situação na Venezuela.

Sobre a crise do capitalismo, começou por referir que ela afecta, naturalmente, a América Latina, mas que o seu impacto na Venezuela não assume as proporções verificadas nos outros países - e isso deve-se «ao processo bolivariano, que começou há 11 anos e procura tornar-nos mais soberanos face às grandes potências capitalistas».

E explicou: «antes do processo revolucionário, vivíamos em dependência económica, científica e comercial quase completa face aos EUA. Em pouco tempo redireccionámos a nossa política externa para a integração latino-americana, isto é, orientámo-nos para a diversificação das relações com o objectivo de consolidar uma política económica e comercial multipolar» - e foi isso que «atenuou o impacto da crise, o qual seria seguramente bem maior caso mantivéssemos a dependência face aos EUA».

Quanto às medidas de austeridade tomadas por efeito da crise, disse: «evidentemente que também tivemos que aplicar as chamadas medidas de austeridade, mas estas recaíram, na sua esmagadora maioria, sobre o aparelho burocrático. Todos os ministérios tiveram que cortar nos gastos desnecessários, nas despesas de representação, nos luxos e nas festas».
E explicou: «no essencial, o PCV apoia estas medidas uma vez que o o garrote na despesa dos Estado fica por aqui».

Ainda sobre as medidas de austeridade, que o PCV apoia, esclareceu: «desde logo ficou claro que não se mexia em nada que dissesse respeito à despesa com a política social. Por isso, ao contrário do que aconteceu na maioria dos países capitalistas avançados, este ano na Venezuela os salários aumentaram, bem como as pensões e reformas. E aumentámos o investimento na educação, na saúde, na cultura e no desporto».

E sublinhou: «tudo isto foi decidido num ano em que a crise também nos afecta, demonstrando que na Venezuela se implementa de facto uma política progressista cujo objectivo é melhorar as condições de vida e de trabalho dos venezuelanos».


Eis a diferença entre um Governo que tem como prioridade primeira a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e esta coisa que, desde há 34 anos, com diferentes máscaras (PS/Sócrates; PSD/Barroso; PS/Guterres, PSD/Cavaco... PS/Soares), tem como prioridade primeira a defesa dos interesses do grande capital.

POEMA

HERÓICAS

V

(Guerra Civil em Espanha: Sofro por sentir inúteis as armas das palavras.)



A alma arde-me o corpo. Posso lá dormir! Levanto-me.
Outro cigarro. Abro a janela. Pasmo...
Oh! que luar suspenso! Oh! que mulher sem corpo! Oh! tanta alma inútil!
E eu para aqui sozinho com um fantasma a bradar-me nos olhos:
Irmãos! Irmãos que combateis contra todos os Destinos Mutilados
nas árvores, nas ruas, nas esquinas,
nas teias de aranha, nos esgotos,
nas covas, nas trincheiras, no outro mundo,
nos patíbulos, na lua, nas estrelas!
Irmãos! eis o que eu posso dar à vossa luta:
um cinzeiro com dez pontas de cigarros
e uma noite de insónia insubmissa...

Que rancor de vergonha!

(e a esta hora
na planície dos voos parados nos olhos
os mortos apodrecem
- sonâmbulos de trapos...)


José Gomes Ferreira

VAMOS A ISSO!

«Ruptura estrutural no relacionamento entre a banca e o actual Governo»: eis como o DN classifica a reacção do presidente do BES, Ricardo Salgado, à utilização, pelo Governo, da golden share no chumbo da aquisição, pela Telefónica (espanhola), da participação da Portugal Telecom na Vivo (brasileira).

«Ruptura estrutural» porquê?
Porque, para o DN, com isto, José Sócrates «perdeu o seu maior aliado político-económico, Ricardo Salgado» - o qual, «não inocentemente, nos bastidores também é tratado por "primeiro-ministro"»...

«Ruptura estrutural» com que consequências?
Segundo o DN, este «virar de costas» ao Governo por parte «do banco sem o apoio do qual nenhum Governo sobreviveu» é a prova provada de que o todo-poderoso BES não só «já não defende este comando para o País», como «parece não estar disposto a que a situação se arraste por mais nove longos meses»...

Não se pode ser mais claro na confirmação do domínio absoluto do poder económico-financeiro sobre o poder político - traço característico essencial da ditadura do grande capital, ao serviço da qual sucessivos governos PS/PSD/CDS-PP flagelam impiedosamente, há longos 34 anos, os interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

Aguardemos para ver se o grande capital dominante pensa ter chegado a altura de dar o pontapé no devido sítio ao Governo PS/Sócrates...

Entretanto - e isso é o mais importante! - preparemo-nos para intensificar e ampliar a luta de massas.
Luta contra a política de direita - seja ela praticada pelo PS/Sócrates ou pelo PSD/Coelho - e por uma política de esquerda que defenda os interesses da imensa maioria dos portugueses.

Dia 8 é dia de luta em todo o País.
É dia de paralisações, greves, concentrações e desfiles.
É dia de mobilização geral.
É dia de darmos as mãos dando mais força à nossa força.
Vamos a isso!