Soneto presente


Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.
Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso falar eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.
Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.
Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.
José Carlos Ary dos Santos

Kyrie


Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!
José Carlos Ary dos Santos

Soneto imperfeito da caminhada perfeita


Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas,
Que possam perturbar nossa caminhada
Em que os poetas são os próprios versos do poema
E onde cada poema é uma bandeira desfraldada...
Ninguém fala em parar ou regressar.
Ninguém teme as mordaças ou algemas
- O braço que bater há-de cansar
E os poetas são os próprios versos do poema.
Versos brandos... Ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: sou a Hora,
E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
Que possam perturbar nossa caminhada
Onde cada poema é uma bandeira desfraldada
E os poetas são os próprios versos do poema!
Sidónio Muralha

Ordem da Liberdade para Vasco Gonçalves

 

COMUNICADO

A Associação Conquistas da Revolução (ACR) tem a honra de comunicar a todos os seus associados e amigos que no passado dia 16 de Maio, o General Vasco dos Santos Gonçalves, referência primeira da nossa Associação, foi agraciado com a Ordem da Liberdade por S.Exa. o Presidente da República.


Anti-fascista, Militar de Abril, co-redactor do Programa do MFA, Primeiro-Ministro de Julho de 1974 a Setembro de 1975 no período mais criativo da Revolução dos Cravos, Vasco Gonçalves foi inquestionavelmente um dos mais ilustres Capitães de Abril.


Fazendo jus à sua opção de adesão ao então Movimento dos Capitães, sendo então já Coronel de Engenharia do Exército, sempre procurou ser parte igual do Movimento em conjunto com todos os camaradas, que muito respeitava, evitando qualquer liderança que a sua antiguidade pudesse suscitar.


Foi, porque assim o quis, um Capitão de Abril, da primeira e de todas as horas!


Por força do amor ao povo que somos ganhou o desamor dos contra-revolucionários.


Viverá para sempre no nosso coração, como o “Companheiro Vasco”, o que reforça a nossa inquebrantável vontade de lhe erigir um monumento.

A Direcção da ACR

RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA


Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.
Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.
Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.
Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.
José Carlos Ary dos Santos