Catarina Casanova
É difícil escrever sobre Teses de 81 páginas no espaço
que é dado. Não querendo deixar de o fazer, opto por escrever apenas sobre
alguns aspectos das Teses em discussão.
1. É estranho que as Teses não refiram nem uma única vez
que o regime sob o qual vivemos é uma democracia burguesa. Quer esta ausência
se deva a uma obstinação em não caracterizar o regime, ou (o que seria pior) a
uma concepção da democracia como regime neutro e supraclassista – tese
contrária ao marxismo-leninismo -, importa referi-la, e propor a sua correcção.
O carácter burguês, e por isso mesmo antipopular, do regime, é uma realidade
objectiva, e vê-se no conteúdo de todas as políticas aplicadas por sucessivos
Governos de PSD, CDS, e PS.
2. Nas Teses a caracterização do papel do PS no período
analisado é manifestamente insuficiente. Nos quatro anos passados entre o XIX
Congresso e o Congresso actual, em que o poder foi exercido por PSD e CDS, o
ataque aos trabalhadores só teve a gravidade que teve pelo apoio empenhado do
PS a uma expressiva maioria das medidas propostas por esse Governo, sobretudo
as do Pacto de Agressão. Quem de facto fez oposição ao Governo PDS/CDS foram os
trabalhadores e o seu partido de classe, o PCP. O PS foi o grande ausente da
resistência à troika estrangeira. Tal não é sequer referido.
3. Estes dois pontos têm uma visível convergência na
estratégia seguida desde as eleições de 4 de Outubro de 2015: a viabilização do
Governo do PS, plasmada na Posição Conjunta e referida nas Teses, é quanto a
mim consequência quer da incompreensão de que vivemos sob democracia burguesa,
quer da análise optimista, por assim
dizer, das potencialidades de um Governo PS. Se porventura o Estado fosse um
instrumento inerte que pudesse ser usado por qualquer classe, haveria sentido
nesse compromisso. Com o Estado burguês plenamente montado (e não em
desagregação, como em 1974/75), o apoio a uma solução governativa, em
abstracto, não significa senão o alimentar de ilusões nas instituições
burguesas, atrasar a consciencialização das massas e gerar expectativas
eleitoralistas e legalistas. Na situação concreta de uma correlação de forças
parlamentar onde o PCP está em inferioridade numérica quer perante o PS, quer
perante o próprio BE, tal acordo só seria admissível se contribuísse para o
avanço da consciencialização das massas, expondo os limites da via
institucional e reforçando acentuadamente a luta de massas. Manifestamente,
nada disso está a ocorrer.
4. A tarefa dos comunistas (e repetimo-la, porque os
comunistas recusam dissimular as suas posições, como escreveram Marx e Engels),
é erradicar as ilusões nas instituições do Estado burguês e dos seus partidos,
e dirigir as massas numa via revolucionária. Cumpre, portanto, romper com a
Posição Conjunta e corrigir o rumo político que vem sendo seguido: deve
seguir-se uma estratégia de reforço da organização e combatividade dos
trabalhadores contra a burguesia, os seus partidos, e o seu regime. As Teses
devem, por isso, deixar patente que a luta de classes é o motor da história, e
que ela se ganha nas ruas e locais de trabalho, e não nos parlamentos.
(Texto publicado no Avante! de 10 de Novembro de 2016, secção "Tribuna do Congresso"