TROQUEMOS-LHE AS VOLTAS...

Dentro de horas chegará 2012 - carregado de más novas...
Carregado de mais e mais injustiças, problemas e dificuldades para imensa maioria dos portugueses - carregado de mais e mais favores e benesses para a imensa minoria.

É assim há 35 anos - 35 anos de raivosa ofensiva contra direitos e interesses dos trabalhadores e do povo; contra a democracia económica, social, política e cultural de Abril; contra a independência nacional; contra o Portugal de Abril
E por isso estamos como estamos:

- Qual o país mais parecido com Portugal/2011?
- Portugal antes do 25 de Abril.



Dentro de horas chegará 2012 - carregado de más intenções...
Mas nós - homens, mulheres e jovens de Abril - podemos, se quisermos, trocar-lhe as voltas...

Podemos, se quisermos, dizer «NÃO!» ao pacto das troikas e aos roubos de salários e subsídios e ao aumento do horário de trabalho e à liquidação do SNS e à sucessão dinástica de governos da mesma família política...
Podemos, se quisermos, dizer «SIM!» a Abril e a tudo o que Abril nos trouxe.
Podemos, se quisermos, encher de Abril as ruas e avenidas e praças de todo o País.

Podemos, se quisermos, lutar.
E lutando, VENCEREMOS.

POEMA

POEMA XVII (A POESIA CONTINUA)


(ESPERAREMOS CEM ANOS...
Em frente da estação do Rossio, quando os
ponteiros se aproximam da meia-noite.)


Amigos: vai passar mais um ano no relógio luminoso do Rossio.

E a nossa Revolução
cada vez mais sonho frio,
eterna paisagem
de merda sem canos
em que os homens continuam como são
com bocas de granizo
numa repetição de poços de ecos.

Deixá-lo!

Se for preciso
teremos a coragem
de esperar mais cem anos
pela transformação do mundo
no relógio dos Séculos.

(Cem anos que voem nos relógios com asas de um segundo.)


José Gomes Ferreira

A LIBERDADE É ISTO...

20 anos - feitos no passado dia 25 - a União Soviética deixou de existir.

Foi uma tragédia para a Humanidade - uma tragédia com consequências devastadoras para os trabalhadores e os povos não só da ex-URSS mas de todo o mundo.
Foi uma festa para o capitalismo internacional e para os seus agentes espalhados por todo o mundo: o terrível e sinistro socialismo fora vencido, o maravilhoso e libertador capitalismo era o grande vencedor; finalmente os povos da União Soviética iriam saber o que era bom, iriam saber o que era a fartura e a bem-aventurança, iriam saber, enfim, o que era a liberdade...

E desde logo começaram a saber isso tudo: conheceram categorias novas que até então lhes tinham sido ocultadas pelo tenebroso regime socialista: o desemprego, os salários em atraso, a corrupção, as máfias, a droga, a prostituição, as rendas de casa, a saúde paga, o ensino pago, os sem-abrigo, a pobreza, a miséria, a fome, enfim, todas as farturas, bem-aventuranças e liberdades prodigalizadas pelo capitalismo - e tudo em tão larga escala, ou mais larga, como existia nos países modelo...

Cedo começaram a saber, também, que havia a outra face da moeda: as imensas fortunas - tão grandes como as existentes nos países modelo... - obtidas, desde logo, através da apropriação mafiosa, por uns poucos, do património antes colectivo, e aumentadas, logo a seguir, através da mais desbragada exploração.
(Fortunas de que todos os dias nos chegam notícias. Como esta: «Abramovich, o magnata russo dono do Chelsea, vai gastar seis milhões de euros numa festa de passagem de ano numa das suas mansões»...)

Mas é assim que deve ser, é essa a ordem natural das coisas...- diz o grande capital e repetem-no os seus agentes espalhados por todo o mundo - a liberdade é isto...

POEMA

ODE À AMIZADE


Por teu verbo em passes de mágica
eu te louvo
quando pões «o coração nas mãos»
ou entre
os dentes
«o coração na boca»

Por tua palavra gesto e fruto
que nos tempos dos tempos renovas
eu te louvo
não pelo gesto que és
mas pelo fruto que provas

Por tua faca e suas artes
por teu punho a romper do seio
eu te louvo
pão único que repartes
migalha cortada ao meio

Fome nenhuma fica impune

Teu gume é como golpe na água:
a lâmina que a retalha
é a mesma que a reúne.


Luís Veiga Leitão

35 ANOS CONSECUTIVOS...

Títulos:

«Portugal entre os países do euro com mais jovens desempregados»

«Centenas de lojas vão encerrar no Porto»

«Estaleiros de Viana: encerramento em cima da mesa»

«Saúde mais cara a partir de Janeiro»

«Ajuda a novos pobres deixa as IPSS à beira do colapso»

«FUGA DE CAPITAIS - saem de Portugal 5, 4 milhões de euros por dia»
«Até Outubro voaram 1647 milhões para off-shores - Portugueses preferem Ilhas Caimão. CGD é o mais recente exemplo»

«2012 será de mais sacrifícios»


Tudo isto - não me cansarei de o repetir - após, e por efeito de, 35 anos consecutivos de governos PS, PSD, CDS...

POEMA

Voltemos ao ano da graça de 1991: em Dezembro, o Tal & Qual informava:

«Maria João Saviotti deu uma festa de anos, em Lisboa, orçada em 100 mil contos. Ou mais...»

Pela mesma altura, Mário Castrim escreveu esta


ORGIA


Foi uma festa de truz.
Música, alegria, cor.
Cada vestido era luz
de riqueza, de esplendor.

Vendo tantos risos nobres
numa pergunta me fico:
Quantos milhares de pobres
nos custará este rico?

(Recorda-se este episódio de há vinte anos neste ano de 2011 em que o fosso entre ricos e pobres, em Portugal, atingiu o nível mais elevado dos últimos 30 anos...)

A CAMBADA

Títulos nos jornais:

«Função pública perde 17, 4% de salário»

«Lista de espera para exames em hospitais ultrapassa os 100 dias?

«Crise fechou, este ano, 12 empresas por dia»

Assim vai o reino da política de direita... que, não esqueçamos, começou em 1976, pela pata de Mário Soares e foi diligentemente prosseguida, de então para cá, por cavacos, guterres, barrosos, sócrates, passos & Cia. - a cambada.

(quem anda muito falado nos últimos dias é o Luís Fazenda do BE: entrevista no Público, entrevista no DN...
Por que será?...)

POEMA

Corria o mês de Dezembro de 1991 - há, portanto, 20 anos.
Era Cavaco primeiro-ministro e achava que os salários dos trabalhadores, demasiado altos, os estavam a transformar em autênticos gastadores... Outra preocupação de Cavaco era o desemprego, a crescer, sempre a crescer... enfim, só preocupações - para as quais o génio de Boliqueime enbcontrou a solução...
Ao cavacal paleio, respondeu Mário Castrim com este

EPIGRAMA

O país tem de ter juízo
poupar mais, menos gastar.
Aí está o que é preciso.
Por isso os salários devem baixar.

A economia manda aviso.
Emprego tem de aumentar.
Aí está o que é preciso.
Por isso os salários devem baixar.

A inflação é prejuízo.
Há que mandá-la ao ar.
Aí está o que é preciso.
Por isso os salários devem baixar.

«Dói-me a queixada direita,
doutor, o que faço a isto?
(diz Cavaco), o que receita?
- «Baixar os salários, está visto»

ISTO ANDA TUDO LIGADO...

Títulos de jornais:

«Pensões inferiores a 247 euros arriscam-se a ficar congeladas»

«Imposto das casas duplicará em 2013»

«Em Portugal o fosso entre ricos e pobres atingiu o nível mais elevado dos últimos trinta anos»


Título da Biografia de Luiz Pacheco, acabada de publicar:

«PUTA QUE OS PARIU!»


E em verdade vos digo, meus amigos: isto anda tudo ligado...

POEMA

(E ENTÃO?)


Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de meninas e meninos
a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de cadáveres de meninos e meninas
que morreram a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos!

E então?


Fernando Sylvan

PUDERA!...

Passado que foi o Natal, voltemos às danças e andanças da política de direita.

Há dias, na Alemanha, dois ex-gestores da Ferrostaal (a tal, a dos submarinos...) foram condenados a dois anos de prisão e ao pagamento de coimas, por suborno a funcionários públicos estrangeiros, na venda de submarinos a Portugal e à Grécia.
No caso de Portugal, o subornado foi (tanto quanto se sabe, até agora...) o ex-cônsul de Portugal em Munique - um alemão de nome Adolph... - cujo recebeu 1, 6 milhões de euros, a troco de propiciar contactos de responsáveis da Ferrostaal com o Governo português.

Diz a notícia que o Adolph teve contactos directos com o então primeiro-ministro, Durão Barroso, com Paulo Portas e com Mário David (na altura assessor de Barroso e agora deputado europeu).
Diz ainda a notícia que, a dada altura, Durão Barroso esteve num almoço (que ele próprio propôs), em Munique, com um então Administrador da Ferrostaal - e que houve encontros e reuniões várias, em Lisboa, na residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento.

A notícia diz, finalmente, que todos os acima referidos «contactos directos» do Adolph se recusaram a comentar o sucedido.

PUDERA!

POEMA

NÃO ESPERES O TEMPO


Camarada poeta: se puderes
pega na palavra e não te cales
mais. Digo que não esperes,
para cantar, o tempo da colheita.

Agora a fome é tanta
que a palavra pão também se come.
Quem diz pão diz fome e a fome de a não ter não é sobeja.

Digo que a palavra seara faz crescer
o grão da raiva de a não ter.
Digo que a palavra fonte faz jorrar
rios de sede até ao mar.

A palavra trabalho, a palavra suor,
a palavra amiga, a palavra amor.
A palavra precisa, de vendaval ou brisa:
a que denuncia, a que profetiza.

Digo que a palavra que disseres
se pode desfolhar como os malmequeres:
ou muito ou pouco ou tudo ou nada.
O que não pode é ficar calada.


Carlos Aboim Inglês

POEMA

NATAL


Hoje é dia de Natal.
O jornal fala dos pobres
em letras grande e pretas,
traz versos e historietas
e desenhos bonitinhos,
e traz retratos também
dos bodos, bodos e bodos,
em casa de gente bem.

Hoje é dia de Natal.

- Mas quando será de todos?


Sidónio Muralha

O FUTURO

«Duração do subsídio de desemprego pode vir a ser reduzida até 75%»: é a notícia de hoje - ou antes: uma das notícias de hoje, porque as troikas são autênticas coelhas parideiras...
Na verdade, não se passa um dia sem que uma, duas, três notícias destas nos visitem: todas para o mesmo lado, todas no mesmo sentido, ou seja: todas contra os trabalhadores e o povo - que o mesmo é dizer: contra Portugal.

Mas há quem não esteja parado e combata com unhas e dentes esta política criminosa.
É o caso, por exemplo, do PS.
Diz a notícia: «Seguro critica Governo por ser inábil no relacionamento com os parceiros sociais»...
Ou seja: se o Governo fosse hábil na aplicação do seu terrorismo social...

Também o BE não pára!
Diz a notícia: «A adopção por casais do mesmo sexo é um dos próximos combates do BE»...
Ou seja: as «grandes causas» à frente de tudo...

E o Natal está aí.
Um Natal que - escreve Pacheco Pereira - «será triste, porque todos sabem que a vida vai piorar, e que não existe esperança no futuro próximo».
Sendo isso certo, não o é menos que há, entre esses «todos», muitos que não desistem de lutar para dar a volta ao presente - por muitos que sejam, e são, os obstáculos; por muito difícil que seja, e é, a luta.
E é nessa luta - e nos que não desistem de lutar - que está o FUTURO.

POEMA

SURDINA DE NATAL PARA OS MEUS NETOS


Ó David Ó Inês
vamos ver o menino
inda mais pequenino que vocês

Vamos vê-lo tapado
sob o céu do futuro
com a sombra de um muro
a seu lado

Vamos vê-lo nós três
novamente a nascer
vamos ver se vai ser
desta vez


David Mourão Ferreira

MAIS CEDO OU MAIS TARDE

Iniciado na década de 90 por Cavaco Silva, o criminoso processo de privatização da EDP chegou praticamente ao fim com a entrega à empresa chinesa Three Gorges de 21, 35% do capital social que o Estado ainda detinha.

É mais um grave passo em frente na operação de saque do sector empresarial do Estado.

É mais um brutal atentado aos interesses de Portugal e dos portugueses.
É mais uma manifestação de ódio a Abril, às suas conquistas, aos seus valores, princípios e ideais.
É a continuação da política terrorista que o actual governo está a levar a cabo, na sequência da assinatura, pela troika nacional - PS, PSD, CDS - do pacto de submissão com a troika ocupante - FMI, UE, BCE.
É a confirmação da necessidade imperiosa de os democratas e patriotas rejeitarem inequivocamente o sinistro pacto das troikas e exigirem uma política patriótica e de esquerda, ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

É a confirmação de que a luta de massas tem que continuar e intensificar-se, mais ampla e mais forte, pois é ela que tudo decidirá - Mais cedo ou mais tarde.

(das reacções dos partidos a este acto criminoso, destaco a do BE, para o qual o aspecto mais criticável desta operação é o facto de o negócio ter sido feito com uma empresa da China - coisa inadmissível para os bloqueiros, já que, dizem, a China não é um país democrático... Se a EDP fosse vendida a um «país democrático» - como a Alemanha, por exemplo... - não haveria problema de maior...
E assim, com o inevitável toque anticomunista, se desviam as atenções do essencial para o acessório - e se faz, afinal, o jogo das troikas...)

POEMA

(MAIS ALTO DIREMOS...)


Por mais que calem
por mais voltas que dê o mundo
por mais que neguem os acontecimentos;
por mais repressão que o estado instaure;
por mais que lavem a cara com a democracia burguesa;
por mais assassinatos de estado que cometam e calem;
por mais greves de fome que silenciem;
por mais que tenham saturado os cárceres;
por mais pactos que engendrem os controladores de classe;
por mais guerras e repressão que imponham;
por mais que tentem negar a história e a memória da nossa classe

Mais alto diremos:
assassinos de povos
miséria de fome e liberdade
negociadores de vidas alheias,
mais alto que nunca, em grito ou em silêncio,
recordaremos os vossos assassinatos
de gentes, vidas, povos e natureza.
De boca em boca, passo a passo, pouco a pouco.


Salvador Puig Antich

(Jovem anarquista, executado pelo regime franquista, em 2 de Março de 1974. Este poema foi escrito na cela, pouco antes de ele ser garrotado)

O CAMINHO FAZ-SE CAMINHANDO

O Diário Económico diz que a Europa gastou, até agora, seis vezes mais dinheiro a salvar bancos do que a salvar países.
A notícia não constitui surpresa.
Qualquer cidadão minimamente informado sabe que a parte de leão da massa que por aí tem circulado, tem ido direitinha rumo à Banca, aliás em condições excepcionalmente favoráveis - condições que se situam nos antípodas das condições impostas aos países.

E sabe, até, mais: sabe que se a palavra «salvar» pode ser aplicada no que respeita aos bancos, o mesmo não se pode dizer em relação aos países...
Os bancos, de facto, são salvos e mais do que salvos, enquanto os países, de facto, são afundados e mais do que afundados.

E também isto não constitui surpresa.
Na verdade, o capitalismo é assim - e não tem cura... a não ser aquela que passa pela sua liquidação e pela sua substituição pelo socialismo - a única alternativa existente.

É difícil concretizar essa alternativa: é.
É impossível concretizar essa alternativa?: não é.

Especialmente se não nos esquecermos que o caminho faz-se caminhando...

POEMA

AFORISMO


Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.

Estávamos iguais
com duas diferenças:

Ela não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.

Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.


José Craveirinha

VENEZUELANOS, PONHAM-SE A PAU!

Obama está preocupado com a situação na Venezuela - Venezuelanos, ponham-se a pau!...

E o que é que preocupa o distinto Nobel da Paz?: «as limitações aos direitos humanos e as ameaças aos valores básicos da democracia», que, diz ele, «não contribuem para a segurança da região» - Venezuelanos, ponham-se a pau!...

Dito isto, o presidente dos EUA fez questão - como é seu hábito, herdado de todos os seus antecessores - de garantir que «a Venezuela é um país soberano e os EUA não têm qualquer intenção de interferir nas suas relações externas» - Venezuelanos, ponham-se a pau!...

Mesmo assim (ou por isso mesmo) Obama acrescentou: «penso que a ligação do governo venezuelano ao Irão e a Cuba não beneficiam os interesses da Venezuela e do seu povo» - Venezuelanos, ponham-se a pau!

A tudo isto, respondeu o Presidente Hugo Chávez, sem papas na língua: «És um palhaço. Deixa-nos em paz».

A resposta é boa. Agrada-me.
Em todo o caso, e cá por coisas, insisto: Venezuelanos, ponham-se a pau!

POEMA

COMEI OS VOSSOS PERUS


Comei os vossos perus
burgueses anafados
e dai esmolinha aos pobres
que tendes esfomeados.
Um dia há-de chegar
em que sereis assados
não para subir ao céu.


Jorge de Sena

«VAMOS FAZER CARIDADE»...

O Governo está cheio de preocupações humanitárias e sociais.
Do Passos ao Portas e do Gaspar ao Álvaro, passando pelo conselheiro Cavaco, os homens nem dormem só a pensar, a pensar, a pensar em soluções para os problemas de que se queixam estes pobres diabos que são os portugueses.

E os resultados começam a ver-se.
Assim, para a pobreza, a miséria, a fome, os pensadores receitam caridade, muita caridade, especialmente agora que o Natal está à porta.
Bodos aos pobres, sopa do Sidónio, jantares de Natal dos sem-abrigo, eis algumas das modalidades por eles descobertas e que põem na ordem do dia a palavra de ordem dos anos 30 do século passado: «Vamos fazer caridade»...

Para o desemprego, a solução encontrada pelos pensadores remete para o estrangeiro e pode resumir-se numa simples e pragmática frase: «Não tens emprego?: emigra»
Note-se que estamos perante uma outra forma de caridade, esta mais europeísta, mais moderna, embora também com raízes no século passado, década de 60, quando o pessoal ia a salto...

Face a tudo isto, há que reconhecer que governantes que se preocupam deste modo com o bem-estar dos seus governados, só podem ser aplaudidos e justamente premiados.

Vamos, então, «fazer caridade», atrelando-os seis meses à sopa do Sidónio e, depois de suficientemente ensopados, dando-lhes a guia de marcha para a emigração.

Estou certo de que, se assim fizermos, o País fica mais limpo e mais puro o ar que respiramos.

POEMA

MENINA FÚTIL


A menina fútil deu um bodo aos pobres;
pela primeira vez pôs avental...
Falou do gesto e seus intuitos nobres,
com palavrinhas brandas, o jornal...

- Os pobres ficaram pobres
e a menina fútil nunca mais pôs avental...

A menina fútil tem um cão de raça
que nunca saiu do quintal
e nunca viu uma cadela...
- Para a menina fútil, o seu cão de raça
deixou de ser um animal
e é um cãozinho de flanela...

... e a menina fútil tem um namorado
e atira-lhe promessas da janela...
Promessas... porque o resto era pecado
e pecar não é com ela...
(Fica sempre na rua, o namorado,
e é tão distante a janela...)

Mas a menina fútil tem um namorado;
tem um cão como feito de flanela;
e anda feliz por dar um bodo aos pobres
e ter descido a pôr um avental...

Lê e relê os seus intuitos nobres;
recorta o seu retrato do jornal;

- e os pobres continuam pobres,
e a menina fútil nunca mais põe avental...


Sidónio Muralha

MEMÓRIA BREVE DE UMA NOITE LONGA


Éramos 20 e ocupávamos uma sala da Prisão da PIDE, no Porto - Rua do Heroísmo... - paredes meias com outra sala igual e com igual número de camaradas.

Era Natal.

A notícia chegou-nos à noite - noite fria, fria - através de batidas na parede:
A PIDE ASSASSINOU O ZÉ DIAS COELHO.

Fez-se um silêncio.
Depois, alguém deu um murro na mesa de madeira e disse em voz rouca: Assassinos.

Novamente o silêncio.
Um camarada começa a andar de um lado para o outro a todo o comprimento da sala.
Pouco a pouco, todos o imitámos, alguns com brilho de lágrimas nos olhos.
Todos em silêncio.

À hora habitual, o guarda de serviço veio apagar a luz: era a hora do silêncio de todos os dias, agora interrompido com o barulho da chuva que começara a cair.

Uma voz - alentejana, límpida, clara - emerge do silêncio, cantando baixinho, muito baixinho:

«Noite imensa, noite imensa de amargura,
semeada de baionetas e ameaças.
Uma estrela vem rasgando a noite escura,
traz a morte das algemas e mordaças»

Três, quatro vozes juntam-se-lhe, baixinho, muito baixinho:

«O caminho é pedregoso e duro
mas o sonho que nos guia é puro»

E agora é o coro contido de 20 vozes:

«As espadas, as espadas,
impotentes vão tombar despedaçadas...
E as searas a crescer na terra
são promessas de beleza e pão,
mundo novo, mundo novo,
poderosa e triunfal canção.
de amor, de amor»...

Outra vez o silêncio - e a chuva, agora mais intensa.
Em vários bailiques brilham as pontas acesas dos cigarros.



E faz-se ouvir uma voz serena e cheia de força:


«Até amanhá, camaradas».

POEMA

VIAGEM ATRAVÉS DE UMA FATIA DE BOLO-REI


Corria o ano de 1961.
Estávamos à porta do Natal.

Eram quase duas horas da manhã
e eu perguntei-lhe
se queria comer alguma coisa.
Disse que sim. Mas que
estava com muita pressa.

Enquanto vestia a gabardina, trouxe-lhe
uma sanduíche de fiambre
um copo de vinho
uma fatia de bolo-rei.
Estava de pé
comia como se fosse a primeira vez
desde a infância.

-Há quantos anos
deixa cá ver
há quantos anos é que eu não comia
bolo-rei?
Este é bom, sabe a erva-doce
e a ovos.
(Caíam-lhe migalhas
aparava-as com a outra mão
em concha)

- Comes outra fatia, camarada?

- Isso não.
Estou atrasado já.
Mas se ma embrulhasses...

Através da janela
do quarto às escuras
fico a vê-lo atravessar a Rua da Creche
seguir pela Rua dos Lusíadas.

Nenhum de nós sabia
que estava já erguida a pirâmide do silêncio
à espera dele
num breve prazo.

Quando talvez o gosto do bolo-rei
mais forte do que nunca
tivesse ainda na boca.


Mário Castrim

ALGURES EM PORTUGAL...

A CIA estende os seus tentáculos a todo o planeta. É uma espécie de deus omnipresente. E omnipotente.
Não há país onde a sinistra associação de criminosos não esteja, de uma forma ou de outra: ou através dos seus agentes próprios; ou através de agentes locais devidamente remunerados - e que, em muitos, muitos casos ocupam altos, altíssimos cargos nos respectivos países... - ou infiltrada em organizações as mais diversas; ou organizando o assassinato de dirigentes políticos que defendem os interesses dos seus países; ou, quando os «interesses dos EUA» o exigem, organizando golpes contra governos legítimos e instaurando ditaduras.

Na última década a CIA encetou um nova modalidade de intervenção: a instalação de prisões secretas em vários países - prisões que enchem de indivíduos «suspeitos de terrorismo» e interrogam à sua maneira e segundo o princípio «ou confessam ser terroristas (mesmo que nada tenham a ver com isso), ou morrem».
Essas prisões funcionam o tempo necessário para os «suspeitos» se decidirem... e os que não morrem são enviados para Guantánamo.

Recentemente foi descoberta mais uma dessas prisões secretas. Desta vez, na Roménia.
A prisão funcionou entre 2003 e 2006, em Bucareste, a capital. E, para que não restem dúvidas sobre o envolvimento do governo romeno na criminosas operação, a referida prisão funcionava, nem mais menos do que no edifício onde funciona o Registo Nacional de Segredos do Estado da Roménia...

A prisão tinha «o nome de código de Luz Brilhante e dispunha de seis celas pré-fabricadas, assentes sobre molas, para provocar uma sensação de desequilíbrio e desorientação nos detidos».
Ali, os presos eram privados de sono e de alimentação e submetidos às mais diversas práticas de tortura, incluindo a simulação de afogamento.

São vários os países da Europa onde tem sido descoberta a existência de prisões da CIA.
E é bem possível que, mais dia menos dia, venhamos a saber que, algures em Portugal...

POEMA

«DE CADA VEZ QUE UM GOVERNO...»


De cada vez que um governo necessita de segredos,
por segurança do Estado, ou para melhor êxito
das negociações internacionais, é o mesmo que negar,
como negaram sempre desde que o mundo é mundo,
a liberdade.

Sempre que um povo aceita que o seu governo,
ainda que eleito com quantas tricas já se sabe,
invoque a lei e a ordem para calar alguém,
como fizeram sempre desde que o mundo é mundo,
nega-se
a liberdade.

Porque, se há algum segredo na vida pública,
que todos não podem saber, é porque alguém,
sem saber, é o preço do negócio feito.
E, se há uma ordem e uma lei que não inclua
mesmo que seja o último dos asnos e dos pulhas
e o seu direito a ser como nasceu ou fizeram,
a liberdade
é uma farsa,
a segurança
é uma farsa,
a ordem
é uma farsa,
não há nada que não seja uma farsa,
a mesma farsa representada sempre
desde que o mundo é mundo,
por aqueles que se arrogam ser
empresários dos outros e nem pagam
decentemente senão aos maus actores.


Jorge de Sena

É PRECISO, IMPERIOSO E URGENTE...

Roubar a quem trabalha para dar a quem vive à custa do trabalho dos outros: eis o lema do governo Passos/Portas.
E se é verdade que assim é desde há 35 anos - ou seja, desde que, em 1976, o governo PS/Soares iniciou a política de direita que conduziu o País ao desgraçado estado em que se encontra - também é verdade que, hoje, a roubalheira atingiu níveis inimagináveis: a gatunagem governamental corre à rédea solta pelo País e, por onde passa, deixa atrás de si um rasto de devastação, de terra queimada pelo napalm que é o pacto das troikas do apocalipse.

O governo é o roubo: direitos laborais, emprego, salários, reformas, pensões, subsídios, feriados, Saúde, Educação, transportes e mobilidade, habitação, independência nacional... nada escapa ao apurado carácter de classe da política das troikas.
Porque, das medidas que o governo Passos/Portas tomou (ou anunciou), não há uma - uma única - que não seja contra o trabalho e a favor do capital; contra os trabalhadores e o povo e a favor dos grandes grupos económicos e financeiros; contra a imensa maioria dos portugueses e a favor da imensa minoria.

E roubando o que rouba, o governo está a roubar democracia... e a instalar, paulatinamente, um regime ditatorial de cariz fascizante, muito semelhante àquele que em Abril, Abril venceu.

É preciso, imperioso e urgente pôr termo a esta política.
É preciso, imperioso e urgente retomar o caminho de Abril.

POEMA

FÁBULA


O lobo foi ter
com a galinha
e disse-lhe:

«Devíamos conhecer-nos
melhor para vivermos
com amor e confiança.»

A galinha achou bem
e foi com o lobo.

Foi por isso que as suas
penas ficaram espalhadas
por todo o lado.


Bertolt Brecht

«LIBERDADE DE INFORMAÇÃO»...

Os jornais ditos «de referência» - que são, de facto, órgãos de reverência ao grande capital - não se cansam de louvar aquilo a que chamam «liberdade de informação». E cada um deles apresenta-se como um exemplo a seguir nessa matéria...

São frequentes nesses jornais as tomadas de posição veementes em defesa de «liberdade de informação»... na Venezuela, onde, dizem, o governo persegue impiedosamente jornais, rádios, televisões, jornalistas...
O espalhafato que fazem ajuda-os a esconder o facto de os média venezuelanos serem, na sua imensa maioria, propriedade do grande capital; de terem uma postura de vale-tudo no que toca aos ataques ao governo; de estarem, nalguns casos, envolvidos na preparação de golpes contra o governo legítimo; e de, não obstante isso, gozarem de uma liberdade só possível de existir num país de facto democrático como é a Venezuela.
E o mesmo se passa em relação a países como a Bolívia, o Equador, a Nicarágua, as Honduras...

Perdão, as Honduras não: sobre as Honduras deixaram de falar desde o golpe militar que, congeminado pelo governo de Obama e concretizado por fascistas locais, derrubou o governo legítimo de Manuel Zelaya e instaurou uma ditadura...
Porque, de então para cá, as Honduras passaram a integrar o ditoso reino da «liberdade de informação»...

Vem tudo isto a propósito do assassinato, nas Honduras, de mais um jornalista: o 17º desde que aquele país passou a gozar da «liberdade de informação» tão elogiada pelos média portugueses...

A vítima chamava-se Luz Marina Paz, tinha 39 anos e era mãe de duas filhas - «nos últimos anos trabalhou na Rádio Globo, cuja linha editorial se destacou pelo seu carácter antigolpista, e na congénere Cadeia Hondurenha de Notícias».

É claro que os jornais portugueses - os tais «de referência»... - silenciaram o caso.
Como silenciaram os 16 casos anteriores...

É assim a «liberdade de informação»...

POEMA

A United Fruit Co.


Quando soou a trombeta, estava
tudo preparado na terra
e Jeová repartiu o mundo
entre a Coca-Cola Inc., a Anaconda,
a Ford Motors e outras entidades:
a Compañia Frutera Inc.
reservou para si o mais suculento,
a costa central da minha terra,
a doce cintura da América.
Baptizou de novo as suas terras
como «Repúblicas das Bananas»
e sobre os mortos adormecidos,
sobre os heróis inquietos
que conquistaram a grandeza,
a liberdade e as bandeiras,
estabeleceu a ópera bufa:
alienou os arbítrios,
ofereceu coroas de césar,
desembainhou a inveja, atraíu
a ditadura das moscas,
moscas Trujillo, moscas Tachos,
moscas Carias, moscas Martinez,
moscas Ubico, moscas húmidas
de sangue humilde e melaço,
moscas bêbedas que zumbem
por cima das campas populares,
moscas de circo, sábias moscas
entendidas em tirania.
Entre as moscas sanguinárias
a Frutera desembarca,
nivelando o café e as frutas
nos seus barcos que deslizarão
como bandejas o tesouro
das nossas terras submersas.

Entretanto, pelos abismos
açucarados dos portos,
caíam índios sepultados
no vapor da manhã:
um corpo roda, uma coisa
sem nome, um número caído,
uma raiz de fruta morta
derramada no monturo.


Pablo Neruda

AQUI ESTÁ!




Para adquirir enviar um email para antonio.galamba@gmail.com ou pelo telefone 962898578 (das 10h às 14h e das 20 às 23h)

QUE GRANDE CAMBADA!

Em Agosto e Setembro passados, os advogados de dois dos CINCO cubanos presos nos EUA apresentaram ao Tribunal da Flórida um recurso sustentado em vários argumentos - um dos quais dizia respeito ao facto de, antes e durante o julgamento, vários jornalistas de Miami terem criado, junto da opinião pública e dos jurados, um clima de acesa hostilidade contra os réus.
Acresce que, soube-se posteriormente, esses jornalistas foram contratados para a tarefa pelo próprio governo dos EUA, que lhes pagou principescamente.

Agora, o governo de Obama fez saber ao Tribunal da Flórida que deve rejeitar esse argumento, porque, diz, os factos ocorridos são legais e «não constituem uma violação do processo».
Ou seja: o governo dos EUA pagou a jornalistas para mentirem, mistificarem, manipularem a opinião pública e os jurados e, assim, prejudicarem a defesa dos réus... e esse mesmo governo considera que tudo isso é legal, que assim é que é, que justiça é isso...

Que grande cambada!

POEMA

RESOLUÇÃO DOS COMUNEIROS


Considerando a nossa debilidade,
fazeis leis para nos avassalar.
No futuro as leis não serão cumpridas
considerando que não queremos continuar a ser vassalos.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que ficamos com fome
enquanto permitimos que nos roubem,
vamos comprovar que só as montras
no separam do bom pão que nos falta.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que estão aqui as casas
enquanto nos deixais sem abrigo,
concordámos em mudar-nos para elas
porque não estamos cómodos nestes casebres.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que existe demasiado carvão
enquanto nós, sem carvão, gelamos,
concordámos em ir buscá-lo agora mesmo
considerando que assim podemos aquecer-nos.


Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que não conseguis
oferecer-nos um bom salário,
tomámos a nosso cargo as fábricas
considerando que sem vós podemos bastar-nos.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que não confiamos
no que sempre promete o governo,
acordámos, sob nossa própria direcção,
tornar a nossa vida feliz a partir deste momento.

Considerando que só obedeceis aos canhões
- não conseguis compreender outra linguagem -
vemo-nos obrigados, e isso sim, valerá a pena,
a assestar contra vós os canhões!


Bertolt Brecht

SEMANA DE LUTA!

Duas notícias:

«84% dos desempregados jovens não têm subsídio»


«Preço das consultas nos hospitais vai triplicar em Janeiro»

São duas, mas podiam ser dez, ou cinquenta, ou cem: de facto, coisas destas estão a acontecer-nos todos os dias e a todas as horas.
É a política das troikas em acção - a política predadora dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e pródiga em benefícios para os grandes grupos económicos e financeiros.
Assim tem sido ao longo dos últimos 35 anos, com sucessivos governos PS/PSD/CDS a praticarem a mesma política de direita, agora consideravelmente agravada com a entrada em cena da troika estrangeira.

O actual governo e os seus propagandistas nos média dominantes dizem que tudo isto é «inevitável», que «há que fazer sacrifícios», que os «sacrifícios tocam a todos» e blá-blá-blá.
Ou seja: mentem sabendo que estão a mentir.

Para esta cambada e para a sua política só há uma resposta: a luta das massas trabalhadoras e populares.
Já o sabemos mas nunca é demais dizê-lo: é na luta que está o caminho que conduzirá à derrota desta política e à sua substituição por uma política patriótica e de esquerda - e esse objectivo será tanto mais rapidamente alcançado quanto mais ampla, participada e forte for a luta dos trabalhadores e das populações.

Assim, daqui se saúde a Semana de Luta que, convocada pela CGTP-IN, teve hoje início, dando continuidade à histórica Greve Geral de 24 de Novembro e criando condições para mais e mais fortes lutas no futuro imediato.

POEMA

O MESMO CORAÇÃO E A MESMA CABEÇA


Não é para me gabar,
mas atravessei de um jacto, como uma bala,
os meus dez anos de prisão.
E se deixarmos de lado as dores no fígado
o coração está igual e a cabeça é a mesma de antes.


Nazim Hikmet

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ!...

Adriano Moreira vai ser agraciado com o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Mindelo, em Cabo Verde.
A cerimónia decorrerá amanhã na referida Universidade.

Adriano Moreira foi, como estamos lembrados (estaremos?..), «ministro do Ultramar» de Salazar e, enquanto tal, coube-lhe assinar a reabertura do Campo de Concentração do Tarrafal, para onde, desde logo, começaram a ser enviados militantes dos movimentos de libertação das colónias.

Têm razão, por isso, os antigos prisioneiros do Campo de Concentração ao manifestarem o seu repúdio pela cerimónia.
E tem razão o Presidente da Associação Cabo-Verdiana de Ex-Presos Políticos, Pedro Martins, ao considerar a distinção a Adriano Moreira «um insulto»; e ao afirmar que «a distinção é contra tudo o que lutámos para pôr fim ao regime colonial fascista».

Recorde-se que o Campo de Concentração do Tarrafal - que viria a ficar conhecido como Campo da Morte Lenta - foi criado em Abril de 1936 e inaugurado em Setembro do mesmo ano, essencialmente com presos da revolta da Marinha Grande e da revolta dos Marinheiros.
«Quem vem para o Tarrafal vem para morrer» - diziam os directores do Campo, Manuel dos Reis e João da Silva.
«Eu não estou aqui para curar doentes, mas para passar certidões de óbito» - dizia o médico do Campo, Esmeraldo Pais Prata.
Os 340 antifascistas que estiveram presos no Tarrafal somaram aí um total de dois mil anos, onze meses e cinco dias de prisão - e 32 deles, entre os quais o secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, foram friamente assassinados.
Em 1954, graças à luta do povo português e à solidariedade internacional, o fascismo foi forçado a encerrar o Campo, que reabriria em 1961 com patriotas dos movimentos de libertação das colónias portuguesas - desta vez por ordem do ministro Adriano Moreira, que agora vai ser Doutor Honoris Causa, pela Universidade do Mindelo...

As voltas que o mundo dá!...

POEMA

OS PRAZERES DA JUVENTUDE


Ao fim de 24 jogos perdidos,
o time ganhou o desafio.
O público inundou o campo, desceu à cidade,
e durante horas interrompeu o trânsito, bebeu na rua,
quebrou montras, partiu mesmo os faróis dos carros
da polícia que, risonha, comungava
naquele entusiasmo regional e jovem
por um triunfo tão longamente ansiado.


Uma centena de pessoas manifesta-se na rua
(contra uma «vitória» que não se vê no Viet-Nam),
e os cacetes desabam, a prisão enche-se,
porque interromperam o trânsito, incitaram à desordem,
e resistiram malignamente à autoridade
que os mandou dispersar.

(13/Out./1969)

Jorge de Sena

IGUAL A SI PRÓPRIO

«Um político assume-se» é o título do recém-publicado livro de Mário Soares.
Jornalistas, analistas, comentaristas &cmp; outros artistas, em vagas, têm vindo a enaltecer a «grande coragem» - escrevem eles - revelada por Soares ao assumir-se como político num tempo em que a imagem dos políticos anda pelas ruas da amargura...
É claro que não se trata de «coragem» nenhuma.
Trata-se, isso sim, da proverbial ausência de vergonha de Mário Soares que, sabendo melhor do que ninguém o contributo decisivo que deu para essa má imagem dos políticos, vem agora, armado aos cucos, assumir-se político e assim deixar embasbacados os seus aduladores de serviço...

Por outro lado, nos últimos dias Soares tem aparecido a dirigir fortes críticas ao governo e à sua política... preocupado que diz estar com as desigualdades, com os sacrifícios mal divididos, blá-blá-blá...
É outra vez a ausência de vergonha de Soares em acção.
Com efeito, ele sabe melhor que ninguém que a política que o actual governo está a levar à prática é a política de direita que ele, Soares, iniciou em 1976 e que a má divisão dos sacrifícios é parte integrante dessa política de direita, grande responsável pela desgraçada situação a que o País chegou.
E sabe, igualmente, quer o papel decisivo que desempenhou na organização da contra-revolução, quer os milhões de dólares, marcos, francos, libras, etc. que recebeu como preço da sua traição a Abril.

De maneira que, vir dizer agora que a sua vida «é uma vida de militância desinteressada (...) orientada por valores humanistas e princípios éticos e políticos»... só confirma que Soares continua igual a si próprio...

POEMA

DIVISA


Olhos, olhai em frente!

É convencer-se a gente
de que tudo o que fica para trás
serve, apenas, de ponto de partida
e nada mais!
São ruínas e as ruínas
lembram as coisas que foram
e já não são.
Mas em frente
há a vastidão inculta e inabitada,
a vastidão que espera e que deseja
alguém.

Em frente!... O que não é
mas que vai ser
por nossas mãos!
Olhos, olhai em frente!

Atrás de nós
há Sodomas inúteis
e Gomorras em brasa!


Álvaro Feijó

A VOZ DOS QUE NÃO TÊM VOZ

Quem quiser escrever - com seriedade e rigor - a história das quase cinco décadas de fascismo em Portugal, não pode fazê-lo sem consultar o Avante!.
Por razões óbvias, no órgão central do PCP é possível encontrar uma imensidade de notícias e informações indispensáveis para o conhecimento desse tempo e que em nenhum outro jornal existem - já que todos os restantes jornais estavam totalmente controlados pela censura fascista.
Do Avante! - porta-voz dos anseios e das aspirações dos trabalhadores e do povo e divulgador das suas lutas - se dizia, muito justamente, que era «a voz dos que não têm voz».

E tudo o que acima se disse é igualmente verdadeiro se nos reportarmos ao período posterior ao derrubamento do fascismo: quer o período revolucionário, quer o período da contra-revolução.
É certo que hoje não existe já aquela censura do célebre lápis azul que riscava tudo o que minimamente fosse desfavorável (ou não fosse suficientemente favorável) ao regime.
Mas existe uma outra censura e não menos implacável: a censura que decorre do facto de a imensa maioria dos média serem propriedade do grande capital e de, por isso, terem como tarefa prioritária defender os interesses dos seus patrões - interesses que, como se sabe, estão no extremo oposto dos interesses dos trabalhadores e do povo...

Quer isto dizer que o Avante! continua a ser, hoje, o único jornal porta-voz dos anseios e das aspirações dos trabalhadores e do povo e divulgador das suas lutas - que os outros jornais silenciam, deturpam, menorizam, amesquinham.

Vem tudo isto a propósito da Greve Geral de 24 de Novembro, da forma como ela foi (mal)tratada pelos média dominantes, e deste facto incontestável e incontornável: só quem leu o Avante! teve conhecimento do que foi, na realidade, aquela histórica jornada de luta dos trabalhadores portugueses.

Por isso, do Avante! se deve dizer hoje, com a mesma justeza de outros tempos, que ele é a voz dos que não têm voz.

POEMA

SEGADOR


Aguça a tua foice!

Na terra
que o sangue
rega e aquece,
a semente germina
e a seara cresce.

A seara está madura, segador
Aguça a tua foice!


Joaquim Namorado

UM ACTO DE CORAGEM

A pretexto da morte, no sábado passado, de Artur Quaresma - que foi futebolista do Belenenses e da selecção nacional, da qual chegou a ser Capitão - o DN de hoje relembra o célebre desafio de futebol Portugal-Espanha, realizado em 30 de Janeiro de 1938, em plena guerra civil espanhola, e decidido por Salazar e Franco.

Era hábito - decorrente de imposição do governo de Salazar - os jogadores (e a assistência, ou parte dela...) fazerem a saudação fascista quando, antes do início dos jogos, tocava o Hino Nacional.
E assim deveria ter sido naquele Portugal-Espanha, ao qual foram assistir altos dirigentes do regime, para além dos embaixadores da Itália fascista e da Alemanha nazi.

Todavia, perante o espanto geral, naquele dia o ritual não foi cumprido por três dos futebolistas da Selecção.
Artur Quaresma, Mariano Amaro e José Simões, todos do Belenenses, cada um à sua maneira, não fizeram a saudação fascista: Quaresma ficou perfilado, impassível e com as mãos atrás das costas; e Amaro e Simões ergueram os punhos cerrados - os punhos direitos... o que foi considerado ainda mais grave já que se tratava da saudação comunista...

Mal o jogo terminou, os três futebolistas foram presos para interrogatórios pela PVDE - a polícia política que, mais tarde, viria a chamar-se PIDE, e que Marcelo Caetano baptizaria de DGS nos últimos anos do fascismo.

Mais de seis décadas depois, em Janeiro de 2004, Artur Quaresma diria ao jornal Record: «Fomos à PIDE e eles (os dois colegas) ficaram. Eu, deixando o braço em baixo, disse que me esquecera de o levantar. Não houve mais problemas porque o Belenenses moveu influências. Nunca fui político, mas embirrava com aquelas coisas do fascismo. O Barreiro era foco de comunistas opositores ao regime e eu era amigo de muitos. Mas fiz aquilo sem premeditação, foi um acto natural».

Aqui se saúda a atitude dos três futebolistas, o acto corajoso de que foram protagonistas.
Um acto que mostra que a resistência ao fascismo ao longo do quase meio século da sua existência, assumiu as mais diversas formas e por vezes se fez sentir onde menos seria de esperar...

POEMA

LIBERDADE...


Liberdade sem pão não é liberdade.
Sem liberdade, o pão é escuro e amargo.
Enquanto a alvorada é uma rosa branca,
o pino da tarde é um toiro bravo.
Entre o destino aceite e o escolhido,
é o mais custoso o que mais me quadra.
Pode viver-se preso e ser-se livre.
Pode viver-se livre e ser-se escravo.


Armindo Rodrigues

UM BOM PRESENTE DE NATAL

«12 Fugas das Prisões de Salazar» é o título de um trabalho de Jaime Serra publicado pelas edições Avante!.

Jaime Serra é um dirigente histórico do PCP, um daqueles militantes comunistas que contribuíram de forma decisiva para que o Partido seja o que hoje é.
Preso 4 vezes, em todas elas venceu heroicamente as várias «provas de fogo» a que todos os militantes comunistas eram sujeitos nas prisões fascistas: os brutais interrogatórios da PIDE; os julgamentos nos tribunais fascistas; e as severas condições prisionais no cumprimento da pena.
Por três vezes fugiu da prisão e por três vezes reocupou o seu lugar nas fileiras de luta do seu Partido.

Neste livro ficamos a conhecer, por relatos feitos pelos próprios protagonistas, 12 fugas das prisões fascistas, entre elas as conhecidíssimas fugas de Peniche e de Caxias.
Nesses relatos, sobressaem o engenho, a arte, a paciência, a perseverança que a organização de um fuga exigia. Mas sobressai, essencialmente, a coragem que era necessária para organizar e concretizar uma fuga - e nem todas as fugas tiveram êxito, pois como nos conta Jaime Serra, algumas houve que fracassaram.

Neste tempo em que está em curso uma poderosa operação de branqueamento ou de negação do fascismo, argumentando alguns dos protagonistas dessa operação que em Portugal não existiu fascismo, e que, se não existiu fascismo, também não existiu, naturalmente, resistência ao fascismo..., este livro de Jaime Serra diz-nos, mostra-nos - ou diz e mostra a quem não saiba - três coisas importantes:
1 - em Portugal existiu fascismo - o fascismo com as suas características repressivas, opressivas, brutais;
2 - que em Portugal houve resistência ao fascismo;
3 - e que os comunistas ocuparam sempre - sempre, sempre... - a primeira linha dessa resistência.

Bastaria isto para valer a pena ler o livro de Jaime Serra - e talvez oferecê-lo a um amigo ou uma amiga agora pelo Natal...

POEMA

INTERROGATÓRIO


- Fala! A Dor lhe grita (impuro
seu grito branco que de rastos medra)

- Nunca! Quero quebrar de corpo duro
como as estátuas de pedra.


Luís Veiga Leitão

A FUGA DE CAXIAS

Foi há cinquenta anos: precisamente o dia 4 de Dezembro de 1961.

«A fuga foi minuciosa e longamente estudada e organizada, sob a orientação do Partido.
Um dos fugitivos, António Tereso, trabalhador da Carris preso em Caxias, tinha fingido ceder à polícia e "rachar" de modo a poder proceder ao reconhecimento do Forte e encontrar meio de fuga.
Meses depois, apresentou-se a oportunidade de a fuga se concretizar utilizando um automóvel blindado que estava em reparação no Forte e que António Tereso se oferecera para reparar.

No dia marcado, 4 de Dezembro de 1961, enquanto os presos encenavam um desafio de futebol num pátio que a PIDE considerava o mais seguro, António Tereso foi buscar o automóvel à garagem e, em marcha atrás, conduziu-o para o pátio.
Ao sinal de "Golo!", gritado por José Magro, os presos entram no carro que arranca de imediato, em grande velocidade, através do túnel, até chegar ao portão do Forte contra o qual embate violentamente e despedaça, lançando-se para o exterior e desaparecendo perseguido pelos tiros da GNR.
No carro seguiam dirigentes e quadros destacados do Partido: Francisco Miguel, José Magro, Guilherme da Costa Carvalho, António Gervásio, Domingos Abrantes, Ilídio Esteves - militantes comunistas que, como os que, em Janeiro de 1960, se tinham evadido de Peniche, regressaram à luta clandestina pela liberdade e pela democracia»
(entre os fugitivos encontrava-se também Rolando Verdial que, posteriormente, traíu o Partido e se passou para a PIDE)

POEMA

HINO DE CAXIAS


Longos corredores nas trevas percorremos
sob o olhar feroz dos carcereiros
mas nem a luz dos olhos que perdemos
nos faz perder fé nos companheiros

Vá camarada, mais um passo,
já uma estrela se levanta,
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.

Oiço ruírem os muros,
quebrarem-se as grades de ferro da nossa prisão,
treme carrasco que a morte te espera
na aurora de fogo da libertação

Cortam o sol por sobre os nossos olhos,
muros e grades fecham horizontes,
mas nós sabemos onde a vida passa,
o nosso olhar é o mais alto dos montes.

Vá camarada, mais um passo,
já uma estrela se levanta,
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço é uma alavanca

Oiço ruírem os muros,
quebrarem-se as grades de ferro da nossa prisão,
treme carrasco que a morte te espera
na aurora de fogo da libertação

Podem rasgar meu corpo à chicotada,
podem calar meu grito enrouquecido,
para viver de alma ajoelhada
vale bem mais morrer de rosto erguido.

Vá, camarada, mais um passo,
já uma estrela se levanta,
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.

Oiço ruírem os muros,
quebrarem-se as grades de ferro da nossa prisão,
treme carrasco que a morte te espera
na aurora de fogo da libertação.

SEM SURPRESA, A OCUPAÇÃO CONTINUA

Admitindo que sim, que os militares norte-americanos vão sair do Iraque até ao fim deste ano, muita coisa por lá fica a assegurar o domínio imperialista.
Outra coisa não seria de esperar, sabido que é os EUA não brincam em serviço...

Assim, o governo e as forças armadas iraquianas ficam sob controlo cerrado de milhares de «conselheiros» norte-americanos, que são, afinal, quem decide tudo...
Importantes empresas norte-americanas (e também inglesas e francesas) procedem à super lucrativa (mas «humanitária» e «solidária»...) tarefa de «reconstruir o país», ou seja: de reconstruir, ganhando milhões, o que os bombardeiros desses três países destruíram...

Quanto à Embaixada norte-americana em Bagdad... bom, se aquilo é uma embaixada...
Vejamos: é a maior e a mais dispendiosa de todas as embaixadas do mundo.
Propriedade do governo dos EUA, situa-se numa zona verde com 5 quilómetros quadrados de superfície - quase a superfície do Vaticano...
Recebe os abastecimentos necessários ao seu funcionamento através de caravanas fortemente armadas, gera a sua própria água e electricidade e tem uma rede de esgotos própria.
Na Embaixada trabalham 17 mil pessoas, todas gozando de imunidade diplomática.
Os EUA têm, ainda, repartições consulares em Basra, Mosul e Kirkuk, cada uma delas com mais de 1 000 pessoas.
A segurança da Embaixada e dos consulados está a cargo de milhares de mercenários de uma empresa privada, também eles gozando de imunidade diplomática.
Grande e intensa há-de ser a actividade destes «diplomatas»!...

Quer isto dizer que, com a eventual saída dos militares no final deste ano, a ocupação continua.
O que, não constituindo surpresa, é digno de registo.

POEMA

A QUE MORREU ÀS PORTAS DE MADRID


A que morreu às portas de Madrid,
com uma praga na boca
e a espingarda na mão,
teve a morte que quis.
teve o fim que escolheu.
Nunca, passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor, foi, como tantas, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
depois dum saque - antes a deu
a quem lha desejou,
na lama dum reduto,
sem náusea, mas sem cio,
sob a manta comum,
a pretexto do frio.
Não quis na retaguarda aligeirar,
entre champagne, aos generais senis,
as horas de lazer.
Não quis, activa e boa, tricotar
agasalhos pueris,
no sossego dum lar.
Não sonhou minorar,
num heroísmo branco,
de bicho de hospital,
a aflição dos aflitos.

Uma noite, às portas de Madrid,
com uma praga na boca
e a espingarda na mão,
à hora tal, atacou e morreu.

Teve a sorte que quis.
Teve o fim que escolheu.


Reinaldo Ferreira

MUITO BEM!

Dizem alguns jornais de hoje que a Amnistia Internacional (AI) pediu a prisão de Bush!
MUITO BEM!

Num comunicado, a AI afirma haver «provas suficientes, de domínio público, provenientes de autoridades norte-americanas e do próprio George W. Bush», para pedir aos três países africanos que o ex-presidente dos EUA está actualmente a visitar, que o prendam e «abram uma investigação sobre a sua suposta responsabilidade em actos de tortura».
A AI acrescenta que «todos os países para os quais George W. Bush viaja têm a obrigação de o prender e o apresentar à justiça pela sua responsabilidade em actos de tortura» - aludindo à autorização, dada por Bush, para a «utilização de métodos de tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes».
MUITO BEM!

Esta atitude da AI é altamente louvável - mesmo sabendo que tudo isto fica em águas de bacalhau.
Com efeito, que país tem coragem, e está disposto a assumir os riscos decorrentes de prender um ex-presidente dos EUA?; seria o bom e o bonito... ou antes, o mau e o feio - se tivermos em conta os métodos humanitários que os EUA poriam em prática perante tal ocorrência...
Mesmo assim, não deixa de ser significativo o facto de uma organização insuspeita politicamente, como é a AI, ousar pedir a prisão do hediondo criminoso de guerra que dá pelo nome de Bush.
MUITO BEM!