FRANCISCO MIGUEL - breve biografia
Prestamos hoje homenagem a outra personalidade marcante da resistência ao fascismo, da luta pela liberdade, pela democracia, por uma sociedade liberta de todas as formas de exploração e opressão: FRANCISCO MIGUEL DUARTE - assinalando, também, a passagem, este ano, do centenário do seu nascimento.
Nasceu em 2 de Dezembro de 1907, em Baleizão.
Durante a infância - conta-nos (1) - «cuidei de cavalos, de burros, de ovelhas e cabras; mondei trigo, fiz todos os trabalhos do campo que um rapaz entre os 7 e os 13 anos pode fazer».
Aos 14 anos omeça a aprender o ofício de sapateiro que viria a ser a sua profissão até entrar para a clandestinidade.
Desde muito jovem, desenvolve intensa actividade sindical, associativa e política - o que o leva a ter que se exilar em Espanha durante cerca de oito meses.
Entretanto, soubera da existência do PCP e, no breve exílio em Rosal de la Frontera, trava conhecimento com vários exilados políticos portugueses.
Então, o seu objectivo maior era regressar a Portugal e «encontrar o Partido».
Chega a Lisboa em 6 de Abril de 1932, numa altura de fortes lutas contra a ditadura fascista. Participa em inicativas juvenis. Entra para o PCP nesse mesmo ano.
De Abril de 1935 a Dezembro de 1936, frequenta a Escola Leninista, em Moscovo, após o que regressa a Portugal. Em Fevereiro de 1937 mergulha na clandestinidade, como responsável do Comité Local de Lisboa.
Em 10 de Janeiro de 1938 é preso. É brutalmente espancado por 6 agentes da polícia fascista que se revezavam nas agressões, recorrendo não apenas aos pontapés e socos mas também ao cavalo-marinho e a uma grossa tábua com uma pega especial e a que eles chamavam «arriba Espanha».
Após sete meses de incomunicabilidade, e não tendo conseguido o objectivo de o fazer falar, a PVDE transfere-o para o Forte de Caxias.
À primeira prisão, segue-se a primeira evasão: em 16 de Março de 1939, Francisco Miguel (com Augusto Valdez) foge de Caxias.
1 de Dezembro de 1939: segunda prisão. Francisco Miguel toma a decisão de «não abrir a boca» - neste caso no mais absoluto sentido da expressão: na prisão anterior, recusara-se a prestar declarações e explicara as razões porque o fazia; agora, a decisão era a de «não pronunciar uma única palavra, fosse qual fosse a pergunta que lhe fizessem». Decisão cumprida.
É, mais uma vez, brutalmente agredido e torturado. No Aljube, é mantido mais de três meses incomunicável na mais escura cela daquele sombria cadeia.
Em 18 de Maio de 1940 é condenado a 24 meses de prisão correccional. Mas um mês depois do julgamento é enviado para o inferno do Campo de Concentração do Tarrafal, de onde só regressará em em Fevereiro de 1946: a pena de prisão de 24 meses fora transformada, por decisão do regime fascista, numa condenação de mais de seis anos.
Em Junho de 1947, é preso pela terceira vez. Para além das agressões brutais, desta vez Francisco Miguel foi submetido à tortura da «estátua» - assim chamada porque o preso era obrigado não apenas a não dormir, mas a estar de pé. Cumpriu 31 dias e noites de «estátua» em três períodos.
A polícia fascista não lhe arrancou uma só palavra.
Agosto de 1948: é condenado a 6 anos de prisão maior e 1 ano de medidas de segurança.
É enviado para o Forte de Peniche, donde foge, em 3 de Novembro de 1950, com Jaime Serra - mas Francisco Miguel é recapturado nesse mesmo dia.
Regressado ao Forte, é agredido por vários agentes da PIDE que, depois, o algemam e o enviam para o «segredo», onde ficará 17 dias - sempre algemado, excepto para comer.
Em Janeiro de 1951, é de novo enviado para o Tarrafal - antes de lá chegar já está condenado, pela PIDE, a 30 dias de «frigideira».
Três anos depois, em 3 de Janeiro de 1954, é transferido para Caxias - Francisco Miguel foi o último preso a sair do Campo da Morte Lenta.
Entretanto, expirara a pena a que fora condenado. Mas o fascismo mantinha-o na prisão: agora, na Prisão da PIDE, no Porto, onde passará 2 anos - e onde, durante mais de oito meses é mantido incomunicável numa cela, e impedido de ler e escrever.
O seu estado de saúde agrava-se: pesa 40 quilos, a sua vida corre perigo.
A sua situação, insistentemente denunciada pelo Avante!, começa a ganhar repercussão nacional e internacional. A sua libertação é exigida em todo o País.
A PIDE, numa manobra de diversão, transfere-o para o Aljube. E monta um «julgamento» em que Francisco Miguel é acusado de, «em Dezembro de 1953, ter organizado células do PCP na cadeia de Caxias e ter conspirado contra a segurança do estado»!!!
A acusação é exemplar dos métodos a que o regime fascista recorria: para além do absurdo da acusação, recorde-se que em Dezembro de 1953 Francisco Miguel se encontrava no Tarrafal...
3 de Janeiro de 1960: foge de Peniche, integrando aquela que foi a mais importante fuga das prisões fascistas.
Em Julho desse ano é preso pela quarta vez quando, em cumprimento de uma missão no exterior, tentava atravessar clandestinamente a fronteira.
Mas em 4 de dezembro de 1961, foge de Caxias, na célebre fuga no carro blindado de Salazar.
Cumprira 21 anos e 3 meses de prisão.
Não voltaria a ser preso. De 1962 a 1968 esteve fora do País em tarefas do Partido - após o que reentrou em Portugal e viveu na clandestinidade até ao 25 de Abril de 1974.
Em Abril de 1975 foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e um ano depois deputado à Assembleia da República - tarefa que cumpriu até pouco antes da sua morte ocorrida em 23 de Maio de 1988.
Sem comentários.
(1): as citações assinaladas provêm do livro «Francisco Miguel - Das Prisões à Liberdade», Edições Avante)