A propósito do Dia de Finados, o DN de sexta-feira publicou uma interessante reportagem de Kátia Catulo, que levou a jornalista a falar com várias pessoas ligadas a «profissões que lidam com os mortos».
Luís Lopes, de 36 anos, coveiro do cemitério do Cadaval, foi um dos contactados.
Substituindo um velho coveiro entretanto falecido - e que nos últimos anos de vida desistira de «cuidar dos mortos» e do cemitério - Luís conta que «muito antes de saber que um dia iria trabalhar aqui, vinha muitas vezes visitar o senhor Pedro» que, entretanto, lhe «ensinou o ofício na esperança de que o aprendiz ocupasse um dia o seu lugar».
Como veio a acontecer.
Luís começou por limpar o cemitério e as campas do mato e das ervas daninhas que os tinham invadido e passou a cumprir o seu papel de coveiro.
Diz ele que «os mortos não me metem medo. Com os vivos é diferente» - mas acrescenta que «é aos vivos que entrega a sua dedicação».
E a jornalista dá exemplos disso, relatando o caso de dois imigrantes que «adiaram a morte porque o coveiro estava por perto». São os casos de Ivan e Vasylyeva: o primeiro, seropositivo e rejeitado em todos os hospitais; o segundo, vítima de um acidente nas obras, e que «não tinha cama para se curar».
Luís Lopes não os conhecia. Mas, solidário, ajudou-os: no caso de Ivan, «entrou nos gabinetes de directores clínicos, nas embaixadas, fez denúncias na comunicação social» e conseguiu os cuidados clínicos necessários; no segundo caso, recebeu o imigrante na sua própria casa e ajudou-o a restabelecer-se.
E diz: «Hoje estão os dois a trabalhar pela Europa».
Mas a ajuda solidária que este coveiro presta aos vivos, não se resume a estes dois casos. Diz-nos Cátia Katulo que ele, há uns dez anos, «ajudou um imigrante a obter o visto de residência» e, porque a notícia se espalhou, de então para cá as solicitações de ajuda multiplicaram-se, de tal modo que, como o próprio Luís informa, «só no último ano passaram pela minha casa 6 200 pessoas».
E é assim - «dividindo o seu tempo entre os que estão mortos e os que se esforçam por viver» - que Luís vive a sua vida.
E assim será até «chegar o seu dia»: então, alguém cavará uma cova igual às que ele agora cava: «dois metros de comprimento, 70 centímetros de largura, um metro de profundidade».
Simples, observa Luís: «se ficar junto a um cipreste, em menos de um ano só restam as minhas ossadas. E pronto - desapareço».
«Quase» - corrige a jornalista, e acrescenta: «Ficará mais alguns anos por aqui. Na memória de uns quantos que passaram pela sua casa».
Eis como, em dia de mortos, a Vida emerge e se impõe com a sua presença viva, graças ao talento e à sensibilidade de uma jornalista, e à profunda e humana filosofia de vida de um coveiro.
Luís Lopes, de 36 anos, coveiro do cemitério do Cadaval, foi um dos contactados.
Substituindo um velho coveiro entretanto falecido - e que nos últimos anos de vida desistira de «cuidar dos mortos» e do cemitério - Luís conta que «muito antes de saber que um dia iria trabalhar aqui, vinha muitas vezes visitar o senhor Pedro» que, entretanto, lhe «ensinou o ofício na esperança de que o aprendiz ocupasse um dia o seu lugar».
Como veio a acontecer.
Luís começou por limpar o cemitério e as campas do mato e das ervas daninhas que os tinham invadido e passou a cumprir o seu papel de coveiro.
Diz ele que «os mortos não me metem medo. Com os vivos é diferente» - mas acrescenta que «é aos vivos que entrega a sua dedicação».
E a jornalista dá exemplos disso, relatando o caso de dois imigrantes que «adiaram a morte porque o coveiro estava por perto». São os casos de Ivan e Vasylyeva: o primeiro, seropositivo e rejeitado em todos os hospitais; o segundo, vítima de um acidente nas obras, e que «não tinha cama para se curar».
Luís Lopes não os conhecia. Mas, solidário, ajudou-os: no caso de Ivan, «entrou nos gabinetes de directores clínicos, nas embaixadas, fez denúncias na comunicação social» e conseguiu os cuidados clínicos necessários; no segundo caso, recebeu o imigrante na sua própria casa e ajudou-o a restabelecer-se.
E diz: «Hoje estão os dois a trabalhar pela Europa».
Mas a ajuda solidária que este coveiro presta aos vivos, não se resume a estes dois casos. Diz-nos Cátia Katulo que ele, há uns dez anos, «ajudou um imigrante a obter o visto de residência» e, porque a notícia se espalhou, de então para cá as solicitações de ajuda multiplicaram-se, de tal modo que, como o próprio Luís informa, «só no último ano passaram pela minha casa 6 200 pessoas».
E é assim - «dividindo o seu tempo entre os que estão mortos e os que se esforçam por viver» - que Luís vive a sua vida.
E assim será até «chegar o seu dia»: então, alguém cavará uma cova igual às que ele agora cava: «dois metros de comprimento, 70 centímetros de largura, um metro de profundidade».
Simples, observa Luís: «se ficar junto a um cipreste, em menos de um ano só restam as minhas ossadas. E pronto - desapareço».
«Quase» - corrige a jornalista, e acrescenta: «Ficará mais alguns anos por aqui. Na memória de uns quantos que passaram pela sua casa».
Eis como, em dia de mortos, a Vida emerge e se impõe com a sua presença viva, graças ao talento e à sensibilidade de uma jornalista, e à profunda e humana filosofia de vida de um coveiro.
9 comentários:
Sem palavras para exprimir o que sinto quando "vejo" que ainda há Homens de uma sensibilidade tal que nem se apercebem de quanto são valiosos.
Bem-hajam homens como este!
Fernando Samuel
Que belo exemplo de humanidade!
beijo
Chamo a isto " ter um coração tamanho do mundo", mas acima de tudo, um alguém com muito bom senso. Cuidar, cuidar sempre, mas primeiro dos vivos, esses sim exigem muitos cuidados.
Bela história! A simplicidade da grandeza.
A grandeza de sermos humanos...
Abraço
Uma estória de vida de um homem maior.
A sensibilidade de uma jornalista.
A tua maneira especial de nos dares informação...
Obrigada, Fernando Samuel.
Um beijo grande
Sem palavras.
belíssimo... grande abraço
Maravilhoso este nosso amigo coveiro e grande beleza a da jornalista.
Um grande Abraço
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