POEMA

DEZ RÉIS DE ESPERANÇA


Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.


António Gedeão

7 comentários:

Maria disse...

Saúdo o teu regresso a este Cravo com este belo poema de Gedeão!

Um beijo grande.

samuel disse...

E não haveria dedos que chegassem...

Abraço.

GR disse...

Sei de onde me vem, esta certeza.
Dos poetas, cantores, escritores, Resistentes e tantos trabalhadores
Enquanto assim for, a Luta é o caminho!

BJS,

GR

Olinda disse...

Ai...se nao fosse esta certeza...

Maria João Brito de Sousa disse...

Gedeão e a Nicarágua! :)
Três boas notícias... digo eu que considero que há poemas tão bonitos que são sempre "notícia"! :)

Fernando Samuel disse...

Maria: um beijo grande.

GR: enquanto assim for... a certeza é certa...
Um beijo.

Olinda: ... mas é...


Maria João Brito de Sousa: três boas notícias, dizes bem.

Graciete Rietsch disse...

Maravilhoso poema. É de facto essa certeza que nos faz dirigir a raiva para a luta e não para o roer das unhas ou até para um murro na parede.

Um beijo.