outono

Vieram com as primeiras chuvas
E traziam na humidade todas as searas. Talvez se conseguissem ouvir
Os gritos do joio entre as promessas do pão, espigas em esforço
Ante o silêncio imemorial
saltavam potros rasgando a paisagem
Na crua luz do orvalho.
Vieram com as primeiras chuvas engrossar as lágrimas que por cá já habitavam
Entre o ruído mouco das bocas operárias rasgando o pão.
Traziam o cheiro a lenha acesa e o íngreme ligeiro das ruas na planície.
Havia o silêncio roto pelo matraquear das botas cardadas, levantando a pele aos amores proibidos
E o medo à infância comprometida com a fuga resgatada.
Vieram com as primeiras chuvas impregnadas do odor do gado
E do cio dos homens. Lembro-me das janelas de avental e da lareira reflectida
Nas romãs. Os gritos. Pão. Trabalho. Terra. Mesmo quando das gargantas apenas a queixa dos dentes hiantes perante a rijeza das côdeas. No Alentejo são os olhos que falam, mesmo antes
Da invenção dos sons.
Vieram com as primeiras chuvas. As saudades do sul. Com a tempestade rompendo o útero da minha mãe nasceu, caniculamente, um alentejano. Com as águas do céu, viola-me essa certeza o meu exílio.

Casa das glicínias, 4 de Novembro de 2011
lains de ourém

7 comentários:

GR disse...

Belíssimo texto, cheio de poesia e de luta, de memórias tão presentes nos dias de hoje.
Parabéns.

Gd BJ

GR

Maria disse...

Nem sei comentar este texto misto de sentimentos tantos e tão fortes...
Belíssimo!

Beijinho, António.

cid simoes disse...

"rompendo o útero da minha mãe nasceu...," nasceu a poesia.

Graciete Rietsch disse...

Como comentário apenas posso dizer "tão lindo e tão profundo" .
Um beijo.

O Puma disse...

Tantos Alentejos

na tua bela poesia

Antonio Lains Galamba disse...

tão bom gostarem... tão bom, mesmo!
abraço fraterno

Maria João Brito de Sousa disse...

Gostei mesmo muito! :)