POEMA

A ELIONOR



A Elionor tinha
catorze anos e três horas
quando começou a trabalhar.
Estas coisas ficam
registadas para sempre no sangue.
Ainda usava tranças
e dizia: «sim, senhor» e «boas tardes».
As pessoas gostavam dela,
da Elionor, tão meiga,
e ela cantava enquanto
fazia correr a vassoura.
Os anos, porém, dentro da fábrica,
diluem-se no opaco
griséu das janelas,
e ao fim de pouco a Elionor não teria
sabido dizer donde lhe vinha
a vontade de chorar,
nem aquele irreprimível
aperto de solidão.
As mulheres diziam que aquilo
era porque estava a crescer e que aqueles males
se curavam com marido e filhos.
A Elionor, de acordo com a mui sábia
predição das mulheres,
cresceu, casou-se e teve filhos.
O mais velho, que era uma rapariga,
só havia três horas
fizera os catorze anos
quando começou a trabalhar.
Ainda usava tranças
e dizia: «sim, senhor» e «boas tardes».


Miquel Marti I Pol

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Hoje, graças ao 25 de ABRIL, as coisas já não se passam bem assim.
Mas esses tempos não tardarão a voltar, com a ajuda preciosa dos "amigos".
O poema é lindo.E duro.

Um beijo.

Maria disse...

Tremendo. E duro. E tão bonito...

Um beijo grande.

GR disse...

Muito bonito e comovente.
Que não volte nunca mais a tristeza desses tempos.

Bjs,
GR

samuel disse...

É preciso romper a cadeia... sabotar a engrenagem.

Abraço.

Justine disse...

Mas esta cadeia de escravatura há-de quebrar-se um dia!