Faz um tempo valente, e amargo, que não escrevia. Andei por aí, mas não andasse e ninguém notaria, tal o estado absorto em que a mágoa nos coloca. Faz os mesmos dias, mais ou menos, morreu a minha avó. E logo o luto. A fúria. A falta. Regresso hoje, no mesmo dia em que as andorinhas - quem mais que não as aves?- voltaram ao ninho por cima da minha janela. Aljustrel é de novo, verdadeiramente, uma vila alentejana, agora que parte do Alentejo migrado regressou com elas. E o Alentejo inteiro tem a força de um mastro! Ou a sua alegria duradoura como em Neruda. E o Alentejo tem dentro dele a urgência de uma criança que, como em Andrade, nunca viu o mar! -Gosto das andorinhas, pronto. E essa safadas romperam com o meu luto gritando aos meus sentidos: «Não acaba a Primavera por morrer uma andorinha». Tal como elas não deixaram de vir, ainda que nas asas lhes pese algum amigo morto. Quantas andorinhas não regressaram este ano? Não procuro responder. Neste ou noutro muitas deixarão de vir para que outras o possam fazer! Mas sei que, como elas, carregando comigo os mortos que carregar, tenho uma Primavera a cumprir e outra maior a fazer cumprir. É esse o papel que quero para mim, que cabe ao revolucionário que me tenho prometido: Levar a primavera ou a sua lembrança a todos os que como eu nasceram. E como nasceram, nasceram livres! ainda que seja de uso muito comum, para alguns, meter andorinhas em gaiolas. Terão medo que se lhes acabe, deveras, a Primavera? Dia um de Março, como há já 87 anos, lá estaremos! Porque mesmo na noite mais triste...
9 comentários:
Aljustrel já esteve tão próximo, e está agora um pouco distante. Carro avariado, porra!
Fiquei contente por teres voltado a contribuir no Cravo. Ainda bem!
Um forte abraço e até sábado!
Sentimos a tua falta.
Um texto dorido mas, com uma forte esperança no amanhã. Um texto revolucionário.
A vida prega-nos estas rasteiras mesmo que anunciadas, nunca são desejadas. A memória irá guardar todos os bons momentos.
Um bj,
GR
Amigo joao... há expressos. e comboios... venham daí, camaradas!
Belo texto, António Sérgio.
Um beijo que deixámos de dar e de receber, uns dedos que nunca mais passam nos nossos cabelos, uma andorinha que sabemos que não regressa.
Outros beijos, outros dedos, outras andorinhas, que não substituem mas que renovam a vida.
Um abraço
Lindo!
Um abraço Camarada!
Também eu gosto das andorinhas: das suas partidas, dos seus regressos, da complexa arquitectura dos seus ninhos, dos seus voos velozes, da sua velocidade de súbito desmultiplicada... e anseio pela sua chegada, todos os anos, trazendo-nos a Primavera.
Este ano chegaram mais cedo(e chegaram mais cedo a Lisboa do que a Aljustrel, porque já as vi por cá há uns bons quinze dias) - e ainda bem, porque te trouxeram...
Abraço grande.
Que texto bonito!
Abraço.
As andorinhas chegaram mais cedo porque há um 1º. de março a antecipar o 25 de Abril.
Um grande abraço Camarada!
Texto sentido e bem lá do fundo. Conheci-a pouco, mas o que conheci estava cheio de ternura, dos poucos minutos em que me mostrou as fotografias antigas, a preto e branco, motivo de grande alegria e orgulho, e que conversámos sobre a vida. Sempre com a atenção de uma tal Menina e de um tal Toni, que se aqueciam nas suas festas. Assim como a andorinha que traz a Primavera, o pensamento traz a recordação, tal como a andorinha que vai e já não volta, que cumpre o seu papel enquanto está e o permite renovar quando já não vem, dar espaço às gerações que ajudou a gerar para que cumpram elas também o seu papel. E o nosso papel neste momento é a LUTA!
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