SÓCRATES E O RAPOSÃO

«O DESCARADO HEROÍSMO DE AFIRMAR»


O discurso de José Sócrates no «Fórum Novas Fronteiras» - que constitui o mais desbragado panegírico até hoje dedicado à governação do próprio Sócrates - trouxe-me à memória Eça de Queirós. Melhor dizendo: os personagens criados por Eça há mais de um século e tão presentes na nossa vida actual.

Com efeito, nos jornais, nas rádios, nas televisões (e, já agora, em muitos blogs...), deparamos todos os dias com o Abranhos, o Acácio, o Pacheco, o Palma Cavalão, o Alencar - e tantos outros.
Da mesma forma, cenas e ocorrências dos romances de Eça - vividas no Século XIX - repetem-se, vivinhas da costa, neste início do século XXI.

O referido discurso de Sócrates fez-me lembrar a fabulosa cena final de «A Relíquia»: o Raposão, acabado de chegar de uma visita à Terra Santa - visita paga pela «titi», beata e rica - mostra as relíquias sagradas que trouxe: medalhinhas, bentinhos, lascas, pedrinhas, palhas, frasquinhos de água do Jordão...
Para a «titi», está reservada a relíquia das relíquias: nem mais nem menos do que... «a coroa de espinhos»! - a verdadeira, a legítima...
É a própria «titi» quem «desembrulha o pacotinho» sagrado...

Como é sabido, por trágico lapso do Raposão, onde deveria estar a «coroa de espinhos», estava a «camisa de noite» da prostituta com quem ele, em oração a dois, havia passado parte grande da visita - com a agravante de, pregado com um alfinete na pecaminosa peça de roupa, vir um cartão dirigido ao Raposão, «meu portuguesinho possante, em lembrança do muito que gozámos!»

O Raposão foi expulso, miseravelmente escorraçado, de casa da «titi» - e, o pior de tudo, deserdado.
Mais tarde, recriminava-se ele por, naquele momento decisivo, «no oratório da titi me ter faltado a coragem de afirmar! Sim!, quando em vez duma coroa de martírio, aparecera, sobre o altar da titi, uma camisa de pecado - eu deveria ter gritado, com segurança: «Eis aí a Relíquia! Quis fazer a surpresa... Não é a coroa de espinhos. É melhor! É a camisa de Santa Maria Madalena!... Deu-ma ela no deserto!...»
E o Raposão estava certo de que, se assim tivesse feito, redobrariam os favores da titi e a herança não lhe escaparia...

Ora, «coragem de afirmar» - ou, como também lhe chamou Eça, o «descarado heroísmo de afirmar» - é coisa que não falta a Sócrates. Como o prova o seu discurso no «Fórum Novas Fronteiras».
Será que a herança da «titi» vai, inteirinha, para este Raposão recauchutado?

E se o mandássemos dar uma volta?

5 comentários:

Anónimo disse...

É mais uma feira de vaidades,mas a realidade é outra bem diferente! O povo está a ser cobáia e vitima destes lacáios ao serviço do grande capital.
A cada dia que passa, estes (socialistas)estão mais á direita, estes fantoches são uma autentica fraude política.
abraço
José manangão

GR disse...

Grande Eça!
Uma extraordinária critica social contra a hipocrisia a fraude e a mentira.
Três características de Sócrates superando em muito Raposão, hoje seria Eng.º Teodorico.

Vamos mandá-lo embora com dois vv – Vai e não Voltes!

GR

Fernando Samuel disse...

josé manangão e gr: o Eça chamava-lhes «a choldra»...
Abraço e beijo.

Anónimo disse...

Apoio a GR. Temos que lhes dar o bilhete unicamente de ida. não voltem.

Fernando Samuel disse...

antuã: que vão fazer o inferno para outro lado eque fiquem por lá eternamente...