POEMA

(A Censura não deixou publicar
estes versos n'«O Diabo».)


Posso lá compreender os teus olhos resignados
com qualquer mecânica de Primavera!

Eu, que estou farto das canções vazias dos pássaros
e dos montes de pedras
que já ninguém sabe quem criou
neste enredo da preguiça das árvores
e repetirem sonâmbulas
a herança azul
do primeiro caos da criação.

Eu quero outra luz,
outro sol,
outra morte,
neste planeta de cadáveres
enfurecido de flores.

Eu que só choro diante das paisagens
quando me lembro que por dentro das pedras
corre, negro e escondido,
o sangue humano de todos os fuzilados.

A Primavera queremos nós criá-la.
Nós, os homens.


José Gomes Ferreira

4 comentários:

samuel disse...

Grandes tempos... em que "O Diabo" era um Jornal!
Tristes tempos... em que a censura nem precisava de se disfarçar de "critérios jornalísticos" para se impor!

Abraço.

Justine disse...

Que seja a poesia a redimir-nos...

Graciete Rietsch disse...

A primavera, o tempo de verão e de alegria seremos nós a conquisá-los, porque a luta continuará.

Um beijo.

Chalana disse...

Sei que não será dos teus preferidos, mas, vá-se lá saber porquê, lembrei-me dos versos do Caeiro:

"O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.
Mas para mim, que não sei o que penso,
O que o luar através dos altos ramos
É, além de ser
O luar através dos altos ramos,
É não ser mais
Que o luar através dos altos ramos."