POEMA

PRIMEIRO RETRATO DO NATURAL


Ela queria perceber o que se passa.
Queria?

Passa a rua às risadas.
«Uscumunistas?»

Gritam flores da jarra.
Estão inocentes?

O telefone terrinta.
É o destino?

Na bandeja de prata, o sedativo.
Por tomar?

Na sala das porcelanas, a senhora.
Por viver.

*

De sentinela à porcelana
está Inês ou Teresa ou Ana
(Maria, deixa-se ver).
Tem à mão uma bengala
para o que der ou vier:
«Se os bolchevistas entrarem,
vão ver, vão ver!
As porcelanas inteiras
é que eles não hão-de ter!»

*

Porcelana implora
Senhora insiste.
Até que a levam prà cama,
pauzinho em riste, zangada.

É uma terrina vazia
que em sonhos se suicida
à bengalada.


Alexandre O'Neill

4 comentários:

samuel disse...

Mas esta gente existe... persiste... "fina-se" de ódio e medo.

Abraço.

Fernando Samuel disse...

Existe, pois: como se vê lendo os jornais...

Um abraço.

Ana Camarra disse...

Essa gente existe, por vezes infelizmente cada vez mais!

beijos

Fernando Samuel disse...

Ana Camarra: cada vez mais, talvez não, mas lá que existe, existe...

Um beijo.