Cuba

RELATO DE UMA VIAGEM A CUBA

- Por Antônio Gabriel Haddad

Passei 26 dias em Cuba, no ano passado. Fidel Castro e a Revolução são venerados pela esmagadora maioria da população. Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Raul Castro e outros ícones da Revolução são espontaneamente cultuados nas casas. Com alguma frequência, há retratos de Che ao lado de imagens de Cristo sobre televisores. Todos lá são eleitos, Fidel Castro inclusive, em um avançado processo de participação popular, típico de uma democracia socialista.

Não tenha a ilusão de que minha visita à ilha se restringiu a resorts de Varadero e Havana. Não mesmo. Fui por conta própria, sem pacote de viagem, e fiz meu roteiro. Não fui abordado nas ruas uma única vez pelas "terríveis" e "repressoras" autoridades da ilha. Corringindo, fui abordado uma vez. Uma policial gentilmente solicitou que eu tirasse minha mala que ocupava um assento vazio no terminal rodoviário de Camagüey. Aqui, o primeiro exemplo da educação e da solidariedade cubanas.

Circulei em qualquer horário por qualquer lugar, em todas as oito cidades que visitei. Conversei com quem eu quis. Entrei em hospitais, em lojas, em lachonetes. Tentei conhecer o máximo possível de pontos não-turísticos. Em suma, tive contato com o que há de melhor em Cuba: o povo cubano. Hospedei-me em casas particulares.

Em Trinidad, a dona da casa que me abrigou falava com orgulho do filho médico, que estava servindo em missão internacional na Venezuela, sem ganhar um único centavo a mais. Expliquei-lhe o perfil dos médicos de ponta no Brasil. Filhos da elite branca, que estudam em universidades públicas e, depois de formados, montam seus consultórios nos Jardins para cobrar R$ 500 uma consultinha de merda. Tentei comentar também sobre juízes que vendem sentenças, policiais que se envolvem com quadrilhas, fiscais que negociam com sonegadores e reduzem tributos, prefeitos que desviam dinheiro da merenda escolar, todas essas deformações de nossa espetacular sociedade democrática. Tudo era incompreensível para ela, uma solidária mulher cubana, que sofre com a ausência do filho distante, mas diz que o apoiará sempre, enquanto os desamparados do mundo necessitarem de seu auxílio e de seus conhecimentos.

Sabe quem é o grande idealizador e condutor do programa cubano de solidariedade médica? O abominável, o ditador, o déspota, o tirano, o cruel, o totalitário Fidel Castro, a quem muitos desejam a morte breve para que se acelere o fim da tal dinastia, não é mesmo?

É evidente que Cuba não é o paraíso. Nem mesmo o governo cubano vende essa imagem do país. Cuba é um país pobre, com problemas econômicos seculares, agravados por um bloqueio econômico criminoso imposto pelos "democráticos" norte-americanos há quase cinco décadas. Pode lhes faltar bens de consumo, luxo doméstico, carros do ano, mas é gratificante andar por toda a ilha e não encontrar uma única criança abandonada, sem escola, descalça ou uma única pessoa revirando lixo para se alimentar.

Eu termino este nem tão breve desabafo com os dizeres de um outdoor na estrada que leva ao aeroporto José Marti: "Esta noche, doscientos millones de niños duermen en las calles. Ninguno de ellos es cubano" (essa noite, duzentos milhões de crianças dormirão nas ruas. Nenhuma delas é cubana). Troco a nossa democracia deformada, que dá direitos apenas às minorias que têm algo, pela "dinastia" cubana, que conferiu altivez e dignidade a todo um povo, sem distinção.

7 comentários:

Maria disse...

Excelente post.
Quando fui a Cuba também fiz o meu programa, para espanto da agência de viagens. Só não estive lá 26 dias.....
Mas é isso que eu digo: dou parte da liberdade que tenho em troca de assistência médica, escolaridade, casa, enfim, o que a gente sabe. Sendo que não considero que haja lá falta de liberdade. Aqui é que eu tenho cada vez mais menos liberdade.
Abraço

Unknown disse...

Bem...eu nunca estive em Cuba.
Mas tenho na memória o relato pessoal que me foi feito pela minha irmã.
Segundo ela, não é muito agradável ser cidadão cubano. As dificuldades são imensas.

Um abraço,

José Carreira (www.cegueiralusa.com)

Anónimo disse...

Ser cubano realmente tem qualquer coisa de desagradável: o bloqueio criminoso que sofre. Mas o cubano tem também u enorme orgulho: resistir a esse bloqueio. Só estive 15 dias em Cuba. Gostei muito. Para além de tudo aquele povo é maravilhoso e sabe o que quer.

João Galamba disse...

"Segundo ela, não é muito agradável ser cidadão cubano."

E segundo os Cubanos?

GR disse...

Como gostei de ler este relato.
Directo e verdadeiro.
“com problemas económicos” e nós europeus ou brasileiros?
Vendemos presunção ao desbarato, escondendo a nossa pobreza com produtos a saberem o sangue e ódio. Inalando o aroma do neoliberalismo déspota, egotista e miserável.

Como gostei de ler este relato.
Parabéns, António Gabriel Haddad
Viva Cuba!

GR

Anónimo disse...

Cuba é...Uma lição para o mundo capitaista, e tambem para alguns candiatos a democrátas,e ainda para alguns candidatos a revolucionários.
Esta noite duzentos milhões de criançasdormirão nas ruas,NENHUMA DELAS É CUBANA.
quem mais se poderá congratular com ESTA?
José Manangão

Anónimo disse...

Olá, amigos do blog. Sou o autor do texto que está recebendo os comentários. Sou brasileiro, resido em São Paulo e, para esclarecer, a viagem relatada ocorreu em setembro de 2005. Retornei a Havana mais uma vez, por ocasião do 80º aniversário do Comandante Fidel Castro. Gostaria de manter contato com membros da esquerda portuguesa. Meu e-mail é gabrielhaddadsp@yahoo.com.br